Terroristas amadores não existem – O que está por trás do uso dessa etiqueta?
- Opinión
A lei antiterror, até onde sei, além de potencialmente perigosa para a democracia, é suficientemente severa para merecer toda atenção de parte da opinião pública, tanto é assim que sua discussão foi um dos momentos mais polêmicos no país nos últimos tempos.
Não podemos esquecer que, por mais que possamos estar diante de uma ameaça real hoje, o termo terrorista foi empregado durante a ditadura apenas para se referir aos opositores do regime. Tanto foi assim que, quando praticados pela direita militar reacionária, os atos que propriamente hoje chamaríamos de terrorismo, nunca receberam esse nome. Até hoje não os recordamos como tendo sido “atos praticados por terroristas”.
De fato, tivemos as cartas bombas à OAB, resultando na morte da secretária Lyda Monteiro da Silva, em agosto de 1980, dezenas de atentados à bomba contra bancas de jornais, espancamentos de líderes sindicais e estudantis, a tentativa de assassinar 20 mil jovens e quase todos os importantes artistas da música popular brasileira, no que seria o maior atentado terrorista da história conhecido, no Rio Centro, em 30 de abril de 1981.
Nem os cabeças nem os executores, nem o grupo como tal, ou seja, ninguém na verdade, dessa extrema direita militar, passou para a história sob o rótulo de terrorismo ou terrorista. Já temos um motivo para duvidar do emprego dessas qualificações, tanto quanto para indagar sobre como e quando torna-se conveniente o seu uso.
Terroristas Amadores
No entanto, ao passar em revista sua primeira aplicação, sentimos que há muitas obscuridades que, no mínimo, deveriam ter sido prevenidas nesta première. Uma delas é o rótulo “terroristas amadores”, que ontem vimos ser fartamente empregado, tanto pelo ministro da Justiça quanto pelo ministro da Defesa. Uma matéria chegava a trazer o seguinte título: Jungmann chama de amador grupo de suspeitos presos por suspeita de terrorismo
Estranho título esse de um grupo de suspeitos presos por suspeitas, não? Suficiente talvez apenas para promover mais suspeitas, nesse caso em relação à própria operação.
Não existe terrorismo amador, assim como não existe (ao menos até agora o Brasil não inventou) terrorismo infantil. Ou é terrorista, e nesse caso pode causar destruição de vidas indiscriminadamente por objetivos políticos e ou religiosos, ou não é terrorista. A expressão terrorista amador parece tão imprópria que, mesmo sem maior consideração, desperta certo ceticismo. Ontem mesmo na rua, ouvi um idoso dizendo: “Terrorismo amador? Mas que palhaçada. Quem ama não mata.” Enfim, o potencial jocoso é grande. E pode expor o país com tramas de amadoras mal engenhadas.
Dois senões bastante sérios vieram do próprio juiz responsável pelas prisões, que, desmentindo o ministro da justiça em dois pontos, nem concordou com o fato de que o grupo preso formaria uma “organização”, já que não estão articulados em pirâmide de comando, nem adotou o uso do termo “terrorista”. Ora, se o juiz que prende dez pessoas por terrorismo evita o termo terrorismo, alguma coisa parece estar bastante errada.
Outros aspectos substanciais que deixam dúvida é que, por trás da designação “terrorismo amador”, estão os supostos atos, ou decisão de atuar, que não ficaram bem claros. As declarações do ministro nos informaram que a prisão foi feita por que o grupo estava planejando ataques. Contudo, foi dito também que não tinham armas e que falavam em aprender artes marciais. Segundo Alexandre de Moraes, citado em matéria do G1, tratava-se de uma “célula absolutamente amadora", porque não tinha "nenhum preparo".
A matéria do G1 trazia ainda outras informações prestadas pelo ministro:
“O ministro citou como exemplo mensagens do suposto chefe do grupo de que era necessário aprender artes marciais e atirar com armas. ‘E mais, qualquer célula organizada não iria procurar comprar armas pela internet’, ironizou o ministro.”
E ainda:
“Segundo o ministro, ‘eles falavam em atirar’ e, em razão disso, mencionavam a intenção de comprar um fuzil AK-47 em uma loja clandestina no Paraguai.”
Pois é. Uma célula organizada não iria comprar armas pela internet. E não iria falar disso, também, pela internet. Nada disso convence pela seriedade. E então, fica a dúvida se essa menção – “eles falavam em atirar” – tem mais consistência do que as outras.
O próprio ministro parece ter desacreditado a existência de uma “organização terrorista”, já que diz que uma “célula organizada não iria procurar armas pela internet”. E, então, o juiz que evitou acatar a existência de uma “organização”, estaria coberto de razão. Mas se não existe a organização, com organograma e estrutura piramidal, mesmo assim o grupo não ofereceria perigo? Certamente.
Mas eis que essa menção por demais nebulosa – “eles falavam em atirar” – oferece muito pouco para o nosso convencimento. A impressão que fica é que a justificativa das prisões, de que teriam ocorrido quando o grupo decidiu passar a ação, se prende a essa minúscula declaração vaga – “eles falavam em atirar”. Atirar em quem? Contra o que e com que propósito? Em que ocasião e com que alvos? Nada disso é dito.
É dito que a ocasião para o ataque seriam as Olimpíadas. Mas é aí que tudo fica ainda menos claro. Faltando exatos quinze dias para a abertura do evento, contando a partir de ontem, 21 de julho, como um grupo que não dispõe 1) de estrutura hierárquica de comando; 2) mínima preparação para cometer atos de violência; 3) que não possui armas, munições, e, ao que tudo indica, não disporia de nenhuma recursos financeiro, e 4) que fala em aprender a atirar e entrar numa escola de artes marciais, poderia ser uma ameaça de fato e constituir uma verdadeiro grupo terrorista?
Mas sobretudo, onde estão as provas, as conversas gravadas, os diálogos escritos nos chats, as declarações feitas na rede? A investigação deve ter feito farta coleta de materiais. Onde estão? Até onde lembramos, o único indício que foi mencionado, pela mulher do ‘líder’ preso (um professor de árabe amador), teria sido uma foto publicado pela Veja.
Em obediência ao que determina a lei antiterrorismo, teria que ser mostrado que existiram de fato os tais “atos preparatórios” e com “o propósito inequivoco” de consumar a violência. Convenhamos que se tudo que o ministro tem é o mencionado “eles falavam em atirar”, ao que junta o propósito de aprender lutas marciais, então a coisa está demasiado mal amarrada.
A opinião pública, diante de tema tão controverso, está no direito de exigir as provas. Se em relação ao ex-presidente Lula, imagens da intimidade, escutas telefônicas de conversas privadas, feitas e divulgadas de forma ilegal, e tantas outras coisas, vieram abundantemente a público, como num caso tão sério de terrorismo tudo o que temos é uma foto da Veja e a menção a “eles falavam em atirar”? Queremos as provas, não há motivo que justifique a ocultação dessas provas.
É preciso que as conversas sejam transcritas, que os áudios sejam divulgados, que toda documentação venha à luz para que fique bem claro, nesse episódio inaugural, que não estamos sendo vítimas de uma farsa. Caso contrário, dificilmente deixarão de pairar graves suspeitas sobre o que se esconde por trás dessas prisões.
- Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.
22 de julho de 2016