A primavera estudantil e o terrorismo de estado
- Opinión
Um jogo perverso, urgido no submundo das disputas reais e simbólicas pela coalizão golpista, está em pleno andamento desde que os estudantes brasileiros resolveram assumir o protagonismo da disputa política em curso.
Todos sabemos que o principal objetivo da camarilha que tomou o poder e quer consolidar um governo de e para poucos é liquidar o "inimigo", ainda que sejam apenas estudantes e jovens. Nisto constitui, fundamentalmente, a empreitada golpista.
Desde as eleições de 2014, há imenso esforço para construir um discurso da eliminação do outro, do diferente, começando pelos partidos políticos, depois os líderes populares, os movimentos sociais e, agora, os estudantes que espraiam uma onda de resistência democrática e esperança equilibrista pelo país.
A articulação perversa de viés fascista tem na mídia o principal front na batalha do discurso da eliminação do outro. Como todos sabemos, uma das principais características do fascismo é o uso da comunicação de massa como instrumento de propagação do medo para justificar a dominação e controle. Neste momento, todas as armas estão apontadas para as ocupações estudantis.
Querem transformar o movimento estudantil, o movimento dos sem-terra, os movimentos sociais, ou seja, todos os seguimentos que rejeitam o golpe em crime organizado. A partir de tal discurso, é fácil propagar o ódio, a violência e a eliminação a qualquer custo daqueles que encarnam os "males" que devem ser combatidos e extirpados pelos "bons". E a mídia tenta legitimar esse discurso fascista para, posteriormente, justificar a barbárie do governo contra os cidadãos.
Há algum tempo, o ministro da justiça teria dito que "combaterá atitudes criminosas dos movimentos socais". Ora, excelência, depende do que se entende por crime organizado. Um passarinho me informou que há uma organização perigosíssima, que destrói nossa democracia, alocada na praça dos três poderes, com ramificações na avenida paulista, no jardim botânico e noutras células dentro do país.
Como disse o Papa Francisco no último sábado (05/11/2016), no encontro com movimentos sociais, devemos nos atentar para um terrorismo de estado que quer governar com o chicote do medo: Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo! Existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade.
Para se sustentar, o governo impostor tenta, a todo o custo, desqualificar a ação de estudantes e professores que praticam e apoiam as ocupações, dizendo tratar-se de uma ação política. Primeiro disseram que os estudantes "invadiram as escolas". Quanta burrice! De quem são as escolas, senão dos estudantes, dos professores, dos pais, dos funcionários que lá atuam? Depois, como o discurso não "colou" nem na mídia golpista, resolveram retomar a estratégia da criminalização da política. Ora, o discurso da criminalização da política - enquanto campo legítimo das disputas - produziu, no último pleito, a maior ausência dos cidadãos do processo eleitoral. O afastamento do cidadão do espaço público, por meio dos folhetins semanais e dos fantásticos televisivos, é o outro objetivo desse desgoverno. Neste momento, esse discurso é utilizado para colocar a população contra os estudantes.
Mas não adianta criminalizar cidadãos bem formados, informados e educados. Afinal, todos sabemos que o processo educacional é eminentemente um processo político. A educação sempre foi e sempre será política: pela suas ações, omissões e conivências. Portanto, argumentos rasos e fascistas não obliteram a coragem e o compromisso cidadão dos estudantes. Eles não são zumbis midiotas: sabem do desmonte das políticas sociais, ambientais e de educação que estão em curso, articuladas pelo tridente elitista (afinal, não se trata somente do executivo, mas dos três poderes).
Como escreveu um colega professor, "quiçá estejamos diante de outro maio de 68, que não deixou só bons frutos, mas mudou a cara da educação no mundo, rompendo muitos lugares-comuns de elitização e blasé acadêmico".
O movimento estudantil está conseguindo algo que as velhas estruturas políticas e sociais já não são capazes: nos mostra que uma outra educação é possível. Mais que isso: que um outro mundo é possível. Por isso ele é tão "perigoso".
Pais, cidadãos e professores precisamos ter a humildade para aprender essa lição e apoiar esse movimento.
- Robson Sávio Reis Souza é Doutor em Ciências Sociais e professor da PUC Minas.
7 de Novembro de 2016
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