O psicanalista das massas
- Análisis
A maior liderança dos movimentos sociais é um filósofo, psicanalista e militante que vive nas ocupações desde os 15 anos. Conheça Guilherme Boulos, 34 anos, e entenda por que o MTST dobrou de tamanho em quatro anos
Pouco a pouco, as lonas pretas vão se abrindo sobre as estruturas de bambu e ferro, formando as tendas que passam a abrigar colchões, cadeiras e um fogão. Pessoas que saem do trabalho reduzem a velocidade dos passos, curiosas para saber o que interrompe o trânsito na movimentada esquina da avenida Paulista com a rua Augusta – no coração de São Paulo – naquele fim de tarde de 15 de fevereiro. No pequeno carro de som, Chico Buarque e Racionais MC’s convivem com funks conhecidos em versão de luta – “A militância me deu onda”. A trilha anima cerca de 20 mil pessoas que saíram caminhando do largo da Batata ou da praça da República, debaixo do sol forte, e agora ocupam a calçada em frente ao escritório paulista da Presidência da República. A principal reivindicação é a retomada da faixa 1 do programa federal Minha Casa Minha Vida para famílias com renda de até R$ 1.800 por mês, mas eles também gritam “fora, Temer” e protestam contra as mudanças nas reformas trabalhista e da Previdência.
Veja também – Ensaio fotográfico: Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
À frente do ato, está o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, que sobe e desce do carro de som, intercalando palavras de ordem no microfone com negociações com a PM. Quando está no chão, o líder conversa com militantes que conhece pelo nome, provenientes de caravanas vindas de ocupações de toda a cidade. Cumprimenta, bate um papo rápido, dá instruções. Quando está no alto, imposta a voz e se dirige à multidão na primeira pessoa do plural: “Para todos aqueles que desacreditaram da nossa luta, para o sr. Michel Temer, para todos aqueles que estão incomodados, o nosso recado é direto e reto: daqui não arredamos pé até ter nossa conquista nas mãos. Não tem arrego: ou negocia, ou não vai ter sossego”.
Boulos tem voz de comando, mas suja os sapatos visitando uma a uma as ocupações do movimento. Um estilo tradicional de líder de movimento social que quase não se vê mais, como observa a doutora em ciências sociais e pesquisadora Esther Solano: “Nós vivemos um momento de vácuo de lideranças de esquerda. Nesse contexto, acredito que o Guilherme Boulos é a maior liderança de movimentos sociais agora. Porque faz uma ponte entre os movimentos sociais e o institucional, em um momento em que não há mais essa conexão que era tão presente nos primeiros anos do governo Lula”.
Crescimento do MTST: https://goo.gl/Okn5pH
Também de Frei Betto, experimentado na mobilização popular, o homem tem a admiração. E a bênção: “Guilherme Boulos é uma das mais jovens e promissoras lideranças de movimentos sociais brasileiros. Dotado de boa formação ética e intelectual, fez uma opção radical, evangélica, pelos mais pobres, concentrando sua atividade no segmento da população sem acesso ao direito de moradia. Modesto, despojado, inteligente, Boulos pôs a sua vida a serviço dos direitos humanos fundamentais definidos pelo papa Francisco, os três T: teto, terra e trabalho”, diz.
O fato é que Boulos tem conseguido chamar atenção para a causa que abraçou. A ocupação dos sem-teto na Paulista segue firme há mais de uma semana e aumenta a cada dia com a participação de outros movimentos sociais, shows de cantores famosos, aulas públicas. O caldo está em ponto de fervura e não só em São Paulo, mas por todo o país, em lugares onde a mídia por vezes não chega. Prestes a completar 20 anos, o MTST duplicou de tamanho nos últimos quatro anos e hoje conta com cerca de 35 mil famílias em todo o país e uma crescente lista de espera para participar das ocupações. Em 2016, a Câmara dos Deputados teve de reconhecer sua importância – contra muitos gostos – e o homenageou com a Medalha do Mérito Legislativo. Também ganhou uma coluna em um dos principais jornais do país, a Folha de S.Paulo.
Andrea Dip, da Agência Pública
Colaborou Guilherme Peters
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