Internet e DESC:

Por um enfoque econômico, social e cultural

05/05/2017
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Imagen: unsam.edu.ar/
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 521: Internet e direitos econômicos, sociais e culturais 25/04/2017

O reconhecimento da internet como “meio de comunicação vital para possibilitar às pessoas o exercício de seu direito à liberdade de expressão ou do direito de buscar, receber e difundir informações e ideias de todo tipo, acima de qualquer fronteira”, como garantem os artigos 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, foi estabelecido expressamente pela primeira vez no relatório de julho de 2011 de Frank la Rue, Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH) para a promoção e proteção do direito de liberdade de opinião e expressão.

 

Além disso, ele considera que:

 

O direito à liberdade de opinião e expressão é um direito fundamental em si mesmo, ao mesmo tempo que é fator coadjuvante de outros direitos, entre eles os econômicos, sociais e culturais, como o direito à educação e a participar na vida cultural e gozar dos benefícios do progresso científico e de suas aplicações, assim como os direitos civis e políticos, como os direitos à liberdade de associação e reunião. Desse modo, ao funcionar como catalizador do direito pessoal à liberdade de opinião e de expressão, a internet também facilita o exercício de outros direitos humanos diversos1.

 

Em meados de 2012, ficou claro que outros Relatores Especiais das Nações Unidas estavam levando muito a sério o tema dos direitos humanos e internet – inclusive o Relator Especial sobre o direito à liberdade de reunião pacífica e de associação2; o de direitos culturais3; violência contra as mulheres; e racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância4. No dia 5 de julho de 2012, 85 países assinaram a resolução do CDH, liderados pela Suécia, afirmando o simples fato de que os mesmos direitos existentes na sociedade devem ser assegurados no espaço virtual5.

 

A partir desta medida chave de 2012, a cada dois anos o CDH analisa uma resolução relativa à internet – desde o reconhecimento básico da aplicabilidade dos direitos humanos no ambiente virtual à abordagem de temas críticos, como a busca de soluções para a desigualdade digital de gênero, os ataques às pessoas por exercerem seus direitos na internet e o fim das interrupções intencionais de acesso à rede. A resolução de julho de 2016 relaciona os direitos humanos na rede ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável6.

 

Portanto, parece que mais governos estão se comprometendo seriamente em concretizar as liberdades na internet, utilizando o discurso de direitos humanos e seus mecanismos para alcançá-la. Isso fica mais evidente no lançamento da Freedom Online Coalition de governos, em dezembro de 20117, e de uma maior participação e aceitação dos direitos humanos como um tema legítimo a tratar no Fórum de Governança da Internet (FGI)8.

 

Ambivalência

 

Mas qual a profundidade real do compromisso dos governos? Os grupos da sociedade civil desconfiam particularmente, quando, graças às revelações de Snowden, membros da Freedom Online Coalition, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, aparecem como violadores dos direitos à privacidade. Três anos mais tarde, a situação ainda parece bastante desalentadora.

 

O bloqueio e a filtragem de conteúdos9 são comuns: em alguns países a prática é endêmica10. O governo russo aprovou em 2013 uma lei que lhe permite bloquear seletivamente conteúdos que considerar nocivos para as crianças. Os ativistas de direitos humanos consideram que a lei de proteção infantil foi desenhada como “uma fissura que possibilita uma censura mais ampla na internet”. Em meados de 2013, o governo britânico introduziu o uso obrigatório de filtros de pornografia infantil. Muitos países em desenvolvimento, particularmente da África, Ásia e do Oriente Médio, também praticam ativamente a censura on-line11. Até os governos em geral comprometidos com a liberdade de expressão estão tomando iniciativas para limitá-la na internet, a exemplo da decisão do Equador de junho de 2013 de estabelecer uma “política de nome real” que proíbe a opinião anônima na internet12. E as interrupções de acesso à internet estão se tornando frequentes na África e em parte da Ásia, especialmente durante as eleições ou protestos políticos13.

 

Polarização Norte-Sul

 

Muitos governos dos países em desenvolvimento continuam sendo ambivalentes14. Resistem a apoiar ativamente as liberdades na internet porque: a) preocupam-se com a “segurança” e a ameaça do cibercrime e do “terrorismo”; b) consideram que o crescimento e desenvolvimento econômico são mais importantes; c) não veem (ou não lhes convencem os argumentos a favor) a relação entre os direitos humanos e o desenvolvimento; e d) veem a agenda de liberdades na internet como parte das políticas exteriores e de livre comércio conduzidas pelos EUA como “líder do mundo livre”, ao mesmo tempo que isso ajuda as empresas norte-americanas a acessar novos mercados e fazer negócios sem pagar impostos nem participar com investimentos estrangeiros diretos15.

 

A cultura política também contribui para os países responderem de formas diferentes à internet. Alguns governos, principalmente na África, desconfiam da internet e de seu impacto nos valores tradicionais, na cultura e na identidade. Alguns simplesmente sufocam a liberdade de expressão e associação como um meio de controle e retenção de poder. Isto é mais evidente nos países com instituições estatais frágeis e altos níveis de corrupção. Os funcionários do Estado e os políticos temem as consequências da capacidade de expressão e participação dos cidadãos na esfera pública.

 

Lacunas na pesquisa, análise, discurso, defesa e criação de redes

 

Estas respostas ambivalentes e polarizadas às políticas e à regulação da internet podem ser atribuídas, ao menos em parte, a desigualdades na pesquisa, no conhecimento e no discurso em matéria de direitos humanos e de políticas de internet. São as seguintes:

 

A) Desigualdade no enquadramento: Supõe-se que todos os direitos humanos – inclusive os civis, políticos e econômicos, sociais e culturais – são “inseparáveis”. No entanto, praticamente todo o enquadramento no discurso da liberdade da internet se fez a partir da perspectiva dos direitos civis e políticos16.

 

B) Desigualdade na participação: A grande maioria dos participantes no discurso da “liberdade da internet” provém de países desenvolvidos. Poucos têm experiência ou conhecimentos em teoria, políticas ou práticas de desenvolvimento.

 

C) Desigualdade conceitual: A internet é descrita frequentemente como onipresente e integrada à vida social, política e econômica contemporânea. Mas não existe uma conceituação coerente da internet a partir da perspectiva de como o direito, a política e a regulação deveriam tratá-la. Muitos governos querem um maior controle sobre a internet, enquanto as empresas, a comunidade técnica e a sociedade civil tendem a resistir a isto, ainda que nem sempre pelas mesmas razões.

 

D) Desigualdade na pesquisa: A internet foi muito pouco estudada através do prisma dos direitos econômicos, sociais e culturais, o que difere do enfoque dos “TIC para o desenvolvimento” (tecnologias de informação e comunicação). Inclusive dentro da perspectiva dos direitos civis e políticos, a pesquisa existente é fortemente orientada a uma estreita gama de direitos civis (liberdade de expressão, privacidade e liberdade de associação).

 

E) Desigualdade de princípios: A maioria das declarações de princípios para as políticas, a regulação e a governança da internet estão centradas na privacidade, na liberdade de expressão e associação e na proteção contra a censura17. Não sabemos de nenhum conjunto coerente de princípios criado para considerar efetivamente os direitos econômicos, sociais e culturais.

 

F) Desigualdade em ativismo e redes: as organizações de direitos humanos do Sul Global focadas no desenvolvimento raras vezes estão centradas nos direitos relacionados à internet. O resultado é uma lacuna no que diz respeito a como os grupos de direitos humanos definem a relação entre a internet e os direitos econômicos, sociais e culturais, e como estes se relacionam com o desenvolvimento.

 

As implicações são claras: se quisermos ampliar o discurso sobre o enfoque da governança da internet baseada em direitos, de vemos fazê-lo para incluir todos os direitos, inclusive os econômicos, sociais e culturais. De outra forma, serão reforçadas as divisões geopolíticas que conduziram à criação de dois instrumentos de direitos, separados desde sua origem – quando um único instrumento teria sido muito mais fácil de implementar e monitorar. Além disso, impactaria negativamente a criação de espaços de configuração e definição de políticas como o Fórum de Governança da Internet.

 

- Anriette Esterhuysen é da Associação para o Progresso das Comunicações (APC) www.apc.org

 

 

1 La Rue, F. (2011). Relatório do Relator Especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão (A/HRC/17/27). http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/17/27&referer=https://www. google.com/&Lang=S

 

2 APC. (2012, 28 junho). Internet: APC sees progress in the full recognition of the freedom of association and assembly. APCNews. https://www.apc.org/en/node/14676

 

3 Shaheed, F. (2012). Report of the Special Rapporteur in the field of cultural rights, Farida Sha heed (A/HRC/20/26). https://daccess-ods.un.org/TMP/5280131.69765472.html

 

4 Ruteere, M. (2012). Report of the Special Rapporteur on contemporary forms of racism, racial discrimination, xenophobia and related intolerance, Mutuma Ruteere (A/HRC/20/33). www.ohchr.org/Documents/Issues/Racism/A.HRC.20.33_en.pdf

 

5 APC. (2012, 6 Julio). The UN recognises freedom of expression on the internet as a human right. APCNews. https://www.apc.org/en/node/14772

 

6 APC. (2016). APC welcomes Human Rights Council resolution on the internet and human rights. https://www.apc.org/en/pubs/apc-welcomes-hu man-rights-council-resolution-inter

 

7 A coalizão teve sua sexta reunião em Costa Rica em outubro de 2016. Para mais informações ver: https://www.freedomonlinecoalition.com

 

8 intgovforum.org

 

9 Para mais informações sobre esta prática, ver: https://opennet.net/about-filtering

 

10 La Rue, F. (2011). Op. cit.

 

11 O relatório de Freedom House’s Freedom on the Net 2012 considera “livres” apenas dois dos seis países de África subsaariana. Ver www.freedomhouse. org/sites/default/files/resources/FOTN%202012%20Summary%20of%20Findings.pdf

 

12 APC. (2012, 15 agosto). New regulation threatens anonymity on the internet in Ecuador. APCNews. https://www.apc.org/en/node/14993

 

13 Vernon, M. (2016, 6 June). Pushing Back Against Internet Shutdowns. CIPESA. cipesa.org/2016/06/ pushing-back-against-internet-shutdowns and Endalk. (2016, 11 octubre). Ethiopian Authorities Shut Down Mobile Internet and Major Social Media Sites. Global Voices. https://advox.globalvoices.org/2016/10/12/ ethiopian-authorities-shut-down-mobile-internetand-major-social-media-sites

 

14 Ver, por exemplo, o relatório da Oficina de Alto Comissariado de Direitos Humanos, Resumo do Painel de Especialistas do Conselho de Direitos Humanos em liberdade de expressão e internet, Genebra, 2012.

 

15 Isto se reflete na atenção voltada à segurança cibernética na Comissão da União Africana e na União Internacional de Telecomunicações, um fórum no qual os países em desenvolvimento são em geral participantes ativos, assim como nas negociações relacionadas à revisão do Regulamento Internacional de Telecomunicações na Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais em dezembro de 2012.

 

16 Hawtin, D. (2011). Internet charters and principles: trends and insights. In Finlay, A. (Ed.), Global Information Society Watch 2011: Internet rights and democratisation. APC e Hivos. https://giswatch.org/mapping-democracy/internet-rights/internetcharters-and-principles-trends-and-insights-0

 

17 Hawtin, D. (2011). Op. cit. Ver como exemplo o Charter de Direitos e Princípios da Internet da coalizão dinâmica de direitos e princípios da internet (2011): internetrightsandprinciples.org/site; a Carta de Direitos na Internet da APC (2006): https://www.apc.org/en/node/5677; e o Bill of Privacy Rights (2010) da Electronic Frontiers Foundation: https://www.eff.org/deeplinks/2010/05/bill-privacy-rightssocial-network-users

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/185281

Publicado en Revista: Internet e direitos econômicos, sociais e culturais

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