FARCs entregam armas e seguem no caminho da paz
- Opinión
Essa semana os jornais do mundo inteiro deram a notícia de que, por fim, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARCs, entregaram as armas, e que isso consolida o início do processo de paz no país. Isso é uma meia verdade. Toda a estrutura de violência gerada pelo estado e pelos chamados paramilitares segue viva e sem que isso também se modifique, a paz ainda é um sonho que está distante.
Para entender o momento atual da Colômbia é preciso voltar na história. Depois das guerras de independência quem assumiu o mando no então recém-criado estado colombiano foi a oligarquia agrária. Os indígenas, os camponeses e os trabalhadores ficaram de fora do poder, apesar de terem sido maioria nas fileiras das lutas de libertação. A esses sobrou sustentar a riqueza de algumas poucas famílias que se apropriaram da terra. Assim, ao longo dos anos, foram se revezando no comando do estado os liberais e os conservadores.
Em 1948, um liberal, Jorge Giatán, apareceu com propostas mais ousadas, alargando o espaço entre o poder e as massas trabalhadoras. Surgiu aí uma esperança para os colombianos. Ele tornou-se candidato à presidência e tudo indicava que seria eleito. Por conta disso, a saída encontrada pelos poderosos foi o assassinato, e ele tombou crivado de balas. A morte de Gaitán provocou um grande levante popular, conhecido como o “bogotaço”, mas, com o tempo, as forças conservadoras aplastaram a reação e instaurou-se no país um tempo de grande convulsão. Os colombianos não confiavam no estado e o estado perseguia e assassinava. A única alternativa que sobrou às gentes foi a auto-organização. E foi nesse tempo que começaram a surgir os grupos armados de defesa das comunidades e das famílias.
Nos anos de 1960 esses grupos que nasceram para defesa familiar e comunitária já estavam bem mais organizados e alguns passaram a se mostrar como guerrilha armada, com um claro pensamento socialista. Já não eram mais grupos apenas para a defesa, mas para a libertação nacional. A intenção era derrotar a oligarquia e construir uma nação soberana, com a participação ativa dos trabalhadores e dos camponeses. Aí estão localizadas as FARCs, bem como outros grupos de libertação. Então, as FARCs não são grupos terroristas, nem facções do narcotráfico. São grupos de luta por uma vida boa para os colombianos.
O fato é que o estado oligárquico colombiano conseguiu se manter firme diante da luta por libertação. Mas não conseguiu isso sozinho. Teve a grande ajuda dos Estados Unidos, que desde sempre apoiou os governantes para evitar que as guerrilhas socialistas vencessem. Por isso a Colômbia virou um estado militarizado, não apenas por conta da estratégia governamental interna, mas por uma questão de geopolítica. Não é sem razão que lá está o maior número de bases militares estadunidenses.
O argumento para isso foi o combate ao narcotráfico, mas, na verdade, sempre foi por conta das guerrilhas. Tanto que os narcotraficantes de verdade chegam a chefiar a nação, como é o caso de Álvaro Uribe, que já foi presidente e hoje é senador. Assim, para derrotar a ameaça marxista que representavam os grupos de guerrilha, a Colômbia entregou sua soberania aos Estados Unidos, criou grupos paramilitares e se especializou na violência institucionalizada. Tanto que por conta dessa violência, a sua população é uma população em eterna migração interna, sistematicamente premida pela guerra que se faz sem quartel dentro das fronteiras do estado.
Agora, mediado pela ação do governo cubano, o estado colombiano e as FARCs acertaram um acordo de paz, que envolve muito mais do que entregar as armas. Há discussão sobre formas de reparação com as vítimas da luta, a constituição de uma polícia rural integrada pelos guerrilheiros, e a construção de uma forma de destruir o paramilitarismo. São muitos passos que precisam ser dados para que o povo colombiano possa realmente sentir o gosto da paz.
Os movimentos de trabalhadores e de populações inteiras que explodiram no mês de junho, com dois “paros” cívicos, nos quais a população inteira de Chocó e da cidade de Buenaventura realizaram protestos por mais de 15 dias seguidos, mostram também que agora, sem o “fantasma” da guerrilha, que sempre ocupava o primeiro plano das preocupações governamentais, os problemas estruturais do país começarão a aparecer com mais força. Buenaventura, por exemplo, uma cidade de 400 mil habitantes fez greve por que não tem água nas torneiras da maioria das gentes, que amargam um desemprego de 60%. Isso não é pouca coisa.
No campo os problemas serão ainda mais complexos pois será necessário reacomodar milhões de famílias que foram desalojadas por conta dos conflitos militares. Ousará Juan Manuel Santos fazer uma reforma agrária? Difícil de isso acontecer. Mas as comunidades lutarão.
A entrega das armas que se viu na televisão é em parte simbólica. Nem tudo será entregue. Os guerrilheiros sabem que confiar no governo de peito aberto pode ser um erro fatal. Isso já aconteceu nos anos de 1980 quando um grupo guerrilheiro aceitou entregar as armas e depois, com o passar dos meses, seus integrantes foram assassinados, um a um. Essa memória está viva. Os tempos são outros, mas a oligarquia é a mesma.
É por isso que Iván Márquez, um dos negociadores por parte das FARC tem dito em alto e bom som: “As armas são para nós uma simbologia de resistência e nós vamos colocá-las em um lugar distante do uso. Mas seguirão sendo nossas”.
O caminho para a paz na Colômbia está apenas começando a ser trilhado. Muita coisa ainda precisa acontecer. Os acordos foram assinados, mas ainda há muita gente para quem a paz é um estorvo. Justamente porque ela coloca em questão as demais chagas do país. Só o povo organizado e consciente é que poderá fazer avançar a proposta de uma nova Colômbia.
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