Demarcação e disputa pelas terras indígenas

11/10/2017
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foto: Blog Mobilização Nacional Indígena
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Segundo a história tradicional, em 22 de abril de 1500, os europeus, vulgo ‘brancos’, chegaram ao hoje conhecido Brasil. Uma população superior a 5 milhões de indígenas foi reduzida para cerca de 900 mil, e 567 mil destes estão confinados nas 728 terras indígenas (dados da FUNAI para agosto de 2017), que correspondem a 13,8% da área de seu território original. No entanto, há os que achem justo expropriá-los ainda mais de suas terras.

 

Terras Indígenas – quantas são e onde estão

 

Segundo o Censo Demográfico de 2010/IBGE, as maiores etnias eram os Tikúna, com 46.045 pessoas, dos quais 39.349 residiam em terras indígenas, Guarani-Caiowá, com 43.401 pessoas (35.276 em TI) e Kaingang, com 37.040 indígenas (31.814 em TI). Esta população se distribui em grupos não muito populosos. Os Tikuna, por exemplo, estão em 27 terras, as quais, em geral, compartilham com outras tribos.

 

 

Como se pode observar no Mapa 1, cerca de 60% das terras indígenas estão localizadas na Amazônia legal. O maior território indígena é o Yanomami (nº 1 do mapa), que com cerca de 9,7 milhões de hectares, abarca parte do território amazonense e roraimense até a divisa com a Venezuela. Os segundo e terceiro maiores territórios indígenas contínuos ficam no estado do Amazonas. O Vale do Javari e Alto Rio Negro, com 8,6 e 8 milhões de hectares respectivamente, abrigam dezenas de etnias contatadas e outras isoladas. As menores terras indígenas do país ficam no estado de São Paulo, onde vivem tribos Guaranis.

 

O processo de demarcação

 

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas brasileiras fossem demarcadas. O prazo naturalmente não se cumpriu, e o processo demarcatório destas terras ainda é lento e cercado de muitas pressões políticas e econômicas. Das 728 terras indígenas, apenas 466 (64%) encontravam-se regularizadas em agosto de 2017, segundo os dados da FUNAI.

 

 

A análise da tabela 1 permite concluir que há um longo caminho para regularização da terra indígena. A fase em que o processo mais se alonga, em geral, é a do Estudo, na qual, em agosto último, havia 120 processos em análise. Um exemplo é a terra indígena Vila Real, no Maranhão, que abriga a etnia Guajajara. Seu estudo de área iniciou em 2003 e ainda aguarda pela conclusão para seguir à etapa seguinte.

 

Outro gargalo neste processo é a fase de Declaração, na qual, após autorização do Ministério da Justiça, as terras ficam aguardando, em geral por anos, para terem seus limites demarcados fisicamente. Nesta etapa estão 72 áreas atualmente.

 

 

O mapa 2 permite visualizar duas informações. A cor temática de fundo indica que quanto mais verde está o estado, mais terras indígenas ele possui. Neste quesito destaca-se o estado do Amazonas, que possuía 157 terras indígenas em agosto de 2017. É notável esta concentração nos estados amazônicos e no Rio Grande do Sul.

 

No mesmo mapa é possível observar que alguns estados são muito mais lentos no processo de regularização das terras.

 

Afora o estado do Rio Grande do Norte, que possui um único processo, e que ainda não foi aprovado; os estados do Ceará, com apenas 11% dos territórios indígenas regularizados, Alagoas, com 28,6%, Santa Catarina, 33,3%, Rio Grande do Sul, 38,6, São Paulo, 40%, Mato Grosso do Sul, 45,8%, e Paraíba e Rio de Janeiro com 50%, são os estados onde tais processos menos andam. Já os estados do norte do país são os mais ágeis, Roraima possui 97% de suas terras indígenas regularizadas.

 

Degradação das terras indígenas

 

No mapa 3 pode-se observar a pressão que as áreas de mineração impõem aos territórios indígenas. A exploração mineralógica ocorre legalmente e de forma expressiva nos limites das terras indígenas, o que acaba por contaminar os rios, o solo, a fauna e a flora e propicia a malária, por conta do desmatamento. Um estudo conduzido em 2014 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), nas terras Yanomami, mostrou que algumas aldeias chegaram a ter 92% das pessoas examinadas contaminadas por mercúrio, metal utilizado na separação do ouro, e que causa danos permanentes ao sistema nervoso central, ao coração e à formação fetal.

 

 

No entanto, é dentro das áreas indígenas que está o maior perigo. E ele se dá de duas formas:

 

– Processos de Requerimento Minerário: é possível observar no mapa 3 que diversas áreas indígenas estão também demarcadas com requerimentos minerários. Nesta áreas não há ainda uma exploração oficial em si, pois dependem da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PL 1610/96, de autoria do Senador Romero Jucá, que busca liberar a exploração de minerais em terras indígenas. Caso o PL seja aprovado, de início, um quarto das terras indígenas seriam compartilhadas para exploração mineralógica, exatamente nas áreas indicadas pelo mapa.

 

– Exploração ilegal: muitas áreas indígenas, em número maior do que as demarcadas com interesse oficial no mapa, já sofrem com mineração ilegal operada por garimpeiros. Tal exploração ocorre muitas vezes com estruturas de alto valor agregado, o que levanta fortes suspeitas de que algumas mineradoras já operam em tais terras por meio destes.

 

Outra agressão à Amazônia e às terras indígenas é o desmatamento. Estima-se que 20% do total de seu território original já foi desmatado. O desmatamento infelizmente tem se mostrando extremamente lucrativo a quem o executa, pois ganha-se com a madeira retirada e depois com a exploração da terra, seja para plantio, criação de animais, especulação imobiliária ou exploração mineralógica.

 

A experiência mostra que a demarcação de terras indígenas serve como um freio neste processo, pois, comparativamente, o total destas terras perderam apenas 2% de sua floresta original. Todavia, isto não é regra, e algumas comunidades mais expostas geograficamente a tais interesses econômicos perderam grande parte de sua floresta.

 

Todos estes fatores vêm fazendo com que a violência contra a população indígena aumente. Nessa luta de alguns “Davis” contra muitos “Golias”, não há tacapes o suficiente que alcancem tantos gigantes, fazendo com que esta seja uma disputa em que o amparo teórico legal tenha pouca serventia. Só um lado perde.

 

- Ronnie Aldrin Silva é Geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de publicações sobre as temáticas de exclusão social, mercado de trabalho e gestão pública. É diretor do Departamento de Estudos, Pesquisas e Indicadores da Secretaria de Planejamento e Gestão de Osasco

 

http://brasildebate.com.br/demarcacao-e-disputa-pelas-terras-indigenas/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/188537
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