Após impeachment, mídia passa do terrorismo econômico à torcida
- Opinión
Como podem os grandes meios de comunicação passarem do terrorismo na economia antes do impeachment para um inabalável otimismo após Michel Temer assumir a cadeira presidencial? Os economistas Márcio Pochmann e Leda Paulani discutiram o tema na noite desta quarta-feira (18), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo.
Durante a atividade, parte de ciclo de debates que compõe a programação da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a ‘badalada’ recuperação econômica só existe nas manchetes dos grandes jornais e nas análises de consultorias a serviço do rentismo.
“O fenômeno do terrorismo econômico é fundamental para entendermos essa dinâmica”, explica e ex-secretária Municipal de Planejamento da cidade de São Paulo. “Trata-se de assombrar, diariamente, a população em relação a determinadas situações. Por exemplo, repetir que, se não forem aprovadas a reforma trabalhista ou a reforma da Previdência, o Brasil quebra. Essa tese não corresponde à realidade do que é ‘quebrar’ uma economia”, esclarece. “A mídia faz o jogo do mercado financeiro e dos interesses do grande capital, de forma a induzir a opinião pública. É um tom permanente de ameaça clamando um estado de emergência econômica”.
Segundo ela, o expediente também foi utilizado em 2002, às portas do processo eleitoral que levaria, pela primeira vez na história, um representante da classe operária à presidência da República. “O discurso era maçante de que, se Lula e o Partido dos Trabalhadores vencessem, o equilíbrio econômico seria implodido”, recorda. “Fernando Henrique Cardoso [então presidente], sim, teve índices de déficit brutais nas contas públicas, além de forte dependência do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros problemas”, pondera Paulani, “mas para a mídia, era como se estivéssemos no paraíso e, com Lula, fôssemos para o inferno”.
A tática, conforme explica a economista, se repetiu em 2014. Paulani avalia que o Brasil vivia, sim, uma crise “para ninguém botar defeito” - as contas públicas haviam piorado e a crise global se agravou, começando a impactar com mais força no país. “O problema é que, ainda que as coisas fossem mal, não estávamos à beira do precipício, como os meios de comunicação pregavam”. Qualquer comparação internacional, de acordo com a economista, mostra que, mesmo em 2014, com indicadores piores, a situação estava longe de ser tão grave como era noticiada.
Sobre a guinada na cobertura da economia após a troca de governo, Paulani é direta: “O que se faz agora, com números pífios, é uma louvação diária”. De acordo com ela, os poucos respiros que tivemos sequer são motivados por fatores duradouros. “O resgate das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi para pagar juros e dívidas aos bancos. O que sobrou ajudou a irrigar um pouco o consumo, que estava estancado por vários trimestes de crise, queda de salário e desemprego”, explica. “Quanto mais caem os indicadores, mais fácil fica crescer alguma coisa. Dizer que algum número cresceu não significa, automaticamente, que está bom”.
Quando a mídia comemora as declarações de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, de que estamos contornando a recessão, deixa-se de lado a comparação do trimestre atual com o mesmo trimestre no ano anterior, sublinha Paulani. “É difícil falar em superação da recessão se você compara com o ano anterior, e não com o trimestre anterior”.
Desmitificando os mantras otimistas dos analistas de economia, Paulani lembra que o limite imposto aos gastos públicos e os cortes promovidos pelo governo turbinam os números, mas a indústria continua caindo, pelo lado da oferta. “Dinâmico, o setor caiu meio por cento no segundo trimestre. No mesmo trimestre do ano anterior, caiu mais de 2%. Como, com esses dados, você fala em recuperação da economia?”, questiona.
Desinformação e ‘torcida’ da mídia
Para Márcio Pochmann, fica evidente, após a destituição de Dilma Rousseff, que os grandes meios de comunicação assumem uma postura de torcida. “Tínhamos um desempenho econômico dentro da normalidade, levando em consideração a desaceleração do crescimento a partir de 2011. Porém, a mídia apostou numa dissonância muito grande entre a realidade econômica e a sua cobertura”, avalia.
Professor da Universidade de Campinas (Unicamp), ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e presidente da Fundação Perseu Abramo, o economista opina que a linha de abordagem econômica escolhida pelo oligopólio midiático atende, basicamente, aos interesses dos mercados financeiros, sem espaço para pluralidade de opiniões e ideias. “São os chamados economistas chefes, pagos para trabalhar diretamente com a mídia e produzir análises e informação”, salienta. “Não há mais espaço para a heterodoxia, para o contraditório, para a pluralidade”.
Horizontes temerários
A recessão vigente no Brasil, no entendimento de Pochmann, comprometerá o país por, pelo menos, 20 anos: “Sair da recessão até é um debate cabível, mas crescimento econômico e expansão da capacidade produtiva está fora de discussão”. Evocando exemplos históricos, como meados dos anos 1980 e o governo Fernando Collor, ao fim da mesma década, o economista alertou: governo que opta pela recessão perde apoio da sociedade. Foi o que ocorreu com Dilma Rousseff ao escolher Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, no início de seu segundo mandato - um erro grave, na opinião tanto de Pochmann quanto de Paulani.
“No entanto”, avalia o economista, “a recessão tocada por Temer é agravada pelas reformas, que preparam o país para pelo menos 20 anos de financeirização”. A indústria que sairá desta recessão, segundo ele, é uma indústria que representa no máximo 10% do PIB. Com o que restou dos direitos trabalhistas e a terceirização, o que implementará jornadas de trabalho menores, os números vão mudar: “Teremos uma massa de gente com jornada pequena de trabalho, ou trabalho intermitente, que não permitirá ao IBGE identifica-las como desempregadas. Já tem gente procurando emprego, mas cuja renda é extremamente baixa e vive situação de desemprego, que não é classificada como desempregada. É esse o quadro que nos espera na hipótese de sairmos da recessão”..
“Somos um país cuja economia depende do exterior, a democracia é apenas aparente e o povo não cabe no orçamento”, diz Pochmann. “Assim fomos em 500 anos de história. Tivemos um breve soluço, mas retornamos a essa lógica”. Se você privatiza, há a possibilidade de capitalistas nacionais comprarem o seu patrimônio. O que está em curso no país, porém, é a desnacionalização. “Brasil que deve crescer a partir desse cenário e das reformas é o das igrejas, em especial pentecostais e neopentecostais, do crime organizado e, no máximo, do agronegócio”. Esse seria o horizonte mais claro, de acordo com o economista.
Poucos países resistiram ao receituário global do neoliberalismo, pontua Pochmann. Mas quem o fez, fez lições de casa que deixamos de lado. Rússia, China, Venezuela, Bolívia e Equador são alguns dos governos que apostaram no papel central do Estado na organização do capitalismo, mas que apostaram na disputa de ideias. “Pobres e classe trabalhadora têm de ser politizados, ter protagonismo e participação social”, argumenta Pochmann. “O Fome Zero, por exemplo, era uma política com os pobres, não para os pobres, como o Bolsa Família. Quando você lança o Fome Zero, poderes locais reagem, pois as prefeituras querem os pobres delas só para elas. Mas maginem 40 milhões de pobres dizendo que o Bolsa Família é pouco e que, ganhando dois salários mínimos e pagando metade em impostos, o rico tem de ser taxado”.
De acordo com Pochmann, a lição que fica é que, ao fazer política de inclusão social, você precisa deixar claro o preço das conquistas. Sem disputa de ideias e politização, frisa, fica muito mais fácil para a aliança entre setores conservadores do Parlamento, oligopólio midiático e poder Judiciário reverter avanços e impor retrocessos.
19 Outubro 2017
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