Fascismo, o retorno

23/11/2017
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O sábado 11 de novembro, Dia da Independência da Polônia, ou, mais exatamente, da sua refundação após a Primeira Guerra Mundial, tornou-se também o dia da maior manifestação neofascista desde a rendição do III Reich.

 

A cônsul polonesa em Brasília, Katarzyna Braiter, ensanhou-se contra Guga Chacra, da Globo News, por escrever no Twitter que a marcha foi “nazista” e a embaixada fez uma reclamação formal à emissora, mas o jornalista cometeu, no máximo, um erro técnico.

 

Os grupos que saíram às ruas gritando “Europa branca”, “sangue limpo”, “rezem por um Holocausto muçulmano”, “tirem os judeus do poder” e ostentaram entre seus símbolos uma Falanga obviamente desenhada para competir com a suástica não são exatamente seguidores de Adolf Hitler, mas de fascismos nativos, não menos racistas, antissemitas e assassinos.

 

É verdade que a Polônia, ao lado da Ucrânia, foi um dos países mais maltratados pelos nazistas no sentido mais estrito do termo. O plano a longo prazo do Führer, anunciado desde o Mein Kampf, era anexar a Europa do Leste e agir com os eslavos como estadunidenses haviam feito com os indígenas do Oeste – e reduzi-los a escravos enquanto não fosse possível aniquilá-los completamente.

 

Um famoso memorando de Heinrich Himmler de maio de 1940 anunciava a futura política de educação para as crianças polonesas. “O único objetivo dessa escolaridade é ensinar-lhes aritmética simples, nada acima do número 500, a escrever o nome e a doutrina que é lei divina obedecer aos alemães. Não penso que ensinar a ler seja desejável.”

 

Isso não impede, porém, esses dois países de estarem entre aqueles nos quais mais florescem o fascismo e o racismo explícitos – ou o “etnonacionalismo”, para usar o eufemismo da moda.

 

Em parte, há quem diga, por ambos terem sido dominados por Moscou, mas isso não explica por que a ascensão da ultradireita não aconteceu logo após o colapso do bloco soviético, e sim mais de um quarto de século depois. Também faz pouco sentido culpar a imigração muçulmana, quase inexistente nesses países.

 

Para entender os acontecimentos, é preciso levar em conta dois fatores: a tradição fascista local, anterior à Segunda Guerra Mundial, e o processo de crescimento rápido com concentração de renda posterior à queda do Muro de Berlim, durante o qual o país enriqueceu, sua elite mais ainda, mas com poucos ganhos para a maioria.

 

Na Europa Ocidental, a construção das Nações-Estados foi um processo gradual associado à consolidação da conquista de voz e direitos por cidadãos de Estados preexistentes, na Europa Oriental elas surgiram de povos sem uma história política recente, libertados subitamente pelo desmoronamento de impérios que os dominavam.

 

Sem uma tradição cívica e constitucional na qual se apoiar, as novas nações justificaram as fronteiras e a própria existência exaltando sua tradição e identidade étnica contra antigos dominadores, vizinhos rivais e minorias – mais notadamente, mas não exclusivamente, os judeus então presentes em toda a região e em maior número exatamente na Polônia.

 

Esta passou a maior parte de suas duas décadas de independência entre as duas guerras mundiais sob o comando do marechal Jozef Pilsudski e sucessores, deslizando cada vez mais para o reacionarismo e o antissemitismo.

 

Os organizadores da marcha do sábado – Campo Nacional Radical (do qual surgiu a Falanga em 1935), Movimento Nacional e Juventude Pan-Polonesa – são herdeiros diretos de grupos que empurravam a Polônia para o fascismo e que na época tanto admiravam o regime do III Reich quanto temiam a ameaça que este representava para seu país.

 

Os judeus dos anos 1930 divergiam sobre qual país mais os maltratava: a Alemanha ou a Polônia. A primeira levou a palma, mas não sem ajuda da segunda. Quase metade dos judeus poloneses foi vítima de campos de extermínio operados pela SS nazista, mas outro tanto foi morto fora deles, por poloneses ou por alemães por eles ajudados e informados.

 

Houve poloneses que combateram a ocupação ou ajudaram judeus, mas assim como os antifascistas que fizeram uma contramanifestação no sábado passado, eram menos numerosos do que os colaboradores e indiferentes.

 

Quem pergunta sobre as verdadeiras razões do Holocausto precisa levar em conta que os nazistas queriam aniquilar as populações do Leste para abri-lo à colonização por alemães étnicos e era mais fácil começar pelos judeus por serem abominados por poloneses impregnados pela própria propaganda nacionalista e antissemita, 30% dos quais foram admitidos como Volksdeutsche, “alemães étnicos”, graças ao sobrenome ou ao fenótipo, em uma política de “dividir para governar”.

 

O atual governo direitista e autoritário da Polônia da primeira-ministra Beata Szydlo e seu partido Lei e Justiça, liderado por Jaroslaw Kaczynski, fazem o possível para apagar essa história. Quem visita Auschwitz ouve dos guias apenas elogios aos (raros) poloneses que resistiram ao nazismo.

 

A ministra da Educação, Anna Zalewska, nega a participação de poloneses no massacre de judeus e trata de persuadir as novas gerações de que a maioria das vítimas do nazismo foi polonesa.

 

Embora seu partido não tenha participado da marcha do dia 11, controla totalmente a tevê estatal TVP, que chamou o evento de “grande marcha patriótica”. Assim como nos anos 1930, um governo muito conservador flerta com o nacionalismo étnico e o fascismo para legitimar seu autoritarismo, reafirmar sua independência e abafar a insatisfação com a desigualdade, alheio ao risco de acabar atropelado pelas forças que alimenta.

 

23/11/2017

https://www.cartacapital.com.br/revista/979/fascismo-o-retorno

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/189405
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