Carmen Lúcia (STF) desacata a liberdade de expressão
- Opinión
Em mais um espetáculo patético da política nacional, cercada de figuras investigadas por corrupção e lavagem de dinheiro por todos os lados, como Michel Temer (PMDB-SP), Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), além da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge – escolhida para o cargo mesmo sendo segunda na lista tríplice e que teve a sua gestão marcada pelo arquivamento contínuo de investigações contra membros do PSDB e do Governo Temer –, a Presidenta do STF, Ministra Carmén Lúcia Antunes da Rocha, ministrou nesta quinta-feira (01/02/2018), na abertura do ano judiciário, um discurso que nos faz lembrar os piores momentos da ditadura militar ou de outros governos despóticos.
Com mensagem claramente dirigida às pessoas que criticam a postura autocrática dos tribunais, disse que “é inadmissível e inaceitável desacatar a justiça, agravá-la ou agredi-la”. O principal motivo para a indignação são as milhares de críticas contra o julgamento proferido pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que condenou, sem provas, o ex-presidente Lula e que está sendo chamada por muitos de “circo”, de “teatro” e, mais corriqueiramente, de “farsa”.
De alguma forma entendo a postura da Ministra, acuada diante de um poder judiciário que cada vez mais perde a credibilidade em âmbito nacional e internacional. Nunca podemos esquecer o que termo “farsa” foi utilizado, também, pela imprensa internacional, especialmente pelo New York Times, pelo Financial Times e por todos os analistas internacionais independentes, inclusive das Nações Unidas, que acompanharam o julgamento.
Entretanto, o alvo da nobre Ministra está errado. Não são os cidadãos e cidadãs indignados com um judiciário despótico e antidemocrático que devem ser reprimidos, muito menos aqueles que não aceitam ter seus direitos fundamentais violados para beneficiar bancos e agentes financeiros. São alguns dos próprios membros do poder judiciário que prestam o desserviço à nação ao desconstruir com imagem daquele poder que deveria ser a salvaguarda da Lei e da Constituição e sistematicamente julgam com a mesma lisura das cortes de cassação de Hitler e da Inquisição.
Senão vejamos: qual é a moralidade de um judiciário que se nega a investigar as acusações de Tacla Duran sobre venda de acordos de delação premiada na 13ª Vara Federal de Curitiba? Como levar a sério um Tribunal, quando um Ministro, como Luiz Fux, critica a submissão do país ao Acordo de San José na Costa Rica (Ap. 470)? E o “paradoxo da Ministra Rosa Weber”, “não tenho provas cabais, mas vou condenar porque a literatura permite” (Ap. 470)? A aplicação de penas de restrição de liberdade sem trânsito em julgado para agradar a opinião pública (mídia oligopolista)? A orgia de prisões cautelares para produzir acordos de delação premiadas tão sólidos como um castelo de areia na beira da praia, tema condenada, inclusive, pela Anistia Internacional como violação dos direitos humanos? Ou quando o STJ determina, contra legem, a penhora de verbas alimentares para pagamentos de bancos? E a sistemática prescrição de processos penais que envolvem administrações do PSDB, do DEM e do PMDB? Afinal, só podem ser condenadas no Brasil as pessoas que carregam bandeiras vermelhas?
Não Ministra Cármen Lúcia, o Poder Judiciário não pode cobrar respeito da sociedade enquanto figuras como Sérgio Moro, Gilmar Mendes e Leandro Paulsen continuarem utilizando o plenário do Tribunal para atuar como líderes de bancada de partidos de direita. O judiciário precisa fazer uma reflexão e mudar a si mesmo, entender o valor de expressões como “Democracia”, “Direitos Humanos”, “Liberdade de Expressão”, “Liberdade de Opinião” e, principalmente, “Isonomia” para poder cobrar alguém. Enquanto nossos tribunais forem palco de decisões vazias de conteúdo, e somatórios desconexos de assuntos forem tratados como provas, não existe como acreditar na lisura do poder judiciário. E o que vimos em Porto Alegre no dia 24 de janeiro de 2018 foi, sim, uma imensa farsa! Um jogral mal ensaiado, cheio de erros e contradições, onde a única coisa que em momento algum os juízes apresentaram foi algo que representasse uma palavrinha com apenas cinco letras, mas muito importante: “PROVA”!
- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais
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