Análise do julgamento de Lula pelo TRF da 4ª Região

13/02/2018
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Desembargadores da 8ª turma, do TRF da 4ª Região
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O julgamento de Lula, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tem sido objeto de muita discussão. Jornalistas, advogados não militantes e opinadores de todos os tipos têm se manifestado sobre o assunto, mas são poucos os que se dedicaram a ler e ouvir, com cuidado e responsabilidade o teor da decisão. Não estamos falando de uma partida de futebol, como alguns setores da mídia dão a entender, onde você é à favor ou contra, nem de um fato isolado. Toda, absolutamente toda a decisão judicial tem impacto direto na vida das pessoas. Ela cria algo que chamamos de jurisprudência, que numa linguagem simples “é o somatório das decisões dos tribunais” e vai dirigir a atuação destes órgãos.

 

Quando os tribunais adotam posições garantistas, ou seja, que protegem direitos fundamentais de cidadãos e cidadãs, o impacto destas decisões beneficia qualquer pessoa. Todavia, quando os tribunais caminham para um viés autoritário ou confuso, todos sofrem o mesmo impacto. Logo, é preciso ter muito cuidado quando se pede a punição de alguém por pura emoção. Muitos condenados por decisões céleres e precipitadas eram inocentes. São centenas os exemplos históricos. A tentativa de responder à opinião pública por meio do poder judiciário sempre é prejudicial à democracia e à sociedade.

 

Para analisar a decisão, tomei o cuidado de ouvir atentamente o julgamento 3 vezes. De cruzar os argumentos dos juízes com a doutrina e com o trabalho dos principais penalistas. Vou dividir a análise em 5 partes: conceito de crime, conceito de prova, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Também vou tentar utilizar a linguagem mais simples para que qualquer cidadão ou cidadã, versado ou não em direito, possa compreender o tema com facilidade, inclusive agregando elementos históricos à análise.

 

a) Conceito de Crime

 

Dando início ao trabalho então, a mais abalizada literatura jurídica costuma utilizar um conceito analítico e simples de crime. Este é “qualquer ação ou omissão que constitua um fato típico, antijurídico e culpável”. O fato típico é aquele classificado na Lei como crime, pois “não existe crime sem lei anterior que o defina”. Além de típico, o fato, ação ou omissão, precisa ser contrário à ordem jurídica, portanto, antijurídico. E, por fim, além disto, é preciso existir culpa ou dolo do agente. Questões que retornarei mais adiante. Se um destes elementos não for provado, não existe crime.

 

b) Conceito de Prova

 

De forma muito direta, “prova é todo elemento pelo qual se procura mostrar a existência ou a veracidade de um fato”. No direito processual penal, onde vigora o princípio da verdade real, não basta existir evidência, aparência ou suposição de crime. A prova tem que ser cabal, inconteste, incontroversa. Não pode existir qualquer dúvida sobre o que está sendo alegado pela acusação. Aliás, esta é outra característica do direito processual penal, quem tem o dever de provar é aquele que acusa. Neste caso, o Ministério Público Federal, que o fiscal da Lei.

 

É importante destacar que indícios, os chamados fatos que provocam suspeita, não são provas. Aliás, um somatório de indícios também não significa prova. E há uma diferença entre indícios e fatos coincidentes. Vários fatos podem ser agregados e apresentar coincidências e não servir sequer para indício. É necessário rigor na valoração daquilo que chamamos de provas.

 

Neste ponto, já identificamos um grande erro na narrativa do juiz relator do processo, desembargador João Pedro Gerbran Neto: somatórios de indícios não constituem provas, até porque, como veremos, os chamados indícios são argumentos que contribuem muito mais para a defesa do que para a acusação.

 

Desta forma, apesar do famoso paradoxo do Ministra do STF Rosa Weber na Ação Penal 470, “não existem provas cabais, mas vou condenar porque a literatura permite”, a condenação no processo penal exige sempre solidez e incontestabilidade das provas. É o que chamamos de domínio do princípio da verdade real.

 

Outro elemento importante a ser destacado é que o principal documento apresentado como prova no juízo de primeira instância, e mantido na segunda, é a colaboração premiada do Sr. José Adelmário Pinheiro Filho, Presidente do Grupo OAS, mais conhecido como Léo Pinheiro, que sequer pode ser considerado como indício, menos ainda como prova. O próprio TRF da 4ª Região já decidiu diversas vezes que colaboração premiada não é prova, sequer é indício. Ela necessita ser sustentada por provas sólidas para ter validade. É um imperativo legal. Além disso, Léo Pinheiro é corréu, é parte suspeita e o seu depoimento lhe traria grandes vantagens como a redução da pena. Portanto, o valor probatório da sua colaboração premiada neste processo é absolutamente nulo.

 

Já critiquei diversas vezes o instituto da colaboração premiada por vários motivos: 1º) permite a manipulação de provas, pois o colaborador pode dizer o que quiser e de forma seletiva. Em alguns casos, nos Estados Unidos, autores de crimes seriais vão liberando aos poucos a localização de vítimas para manipular a execução penal, é fato; 2º) a colaboração premiada permite o abuso de poder. O caso mais gritante são as prisões cautelares executadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba para forçar as colaborações. Existem várias denúncias, não investigadas, de pessoas que foram forçadas a colaborar para receber a liberdade. O próprio Léo Pinheiro discutiu 2 propostas de colaboração premiada antes desta ser aceita, ambas recusadas pela Procuradoria Geral da República, nas quais o nome de Lula não constava. Resultado, condenação a 26 anos de prisão, o que somente foi abatido depois da inclusão do nome de Lula na colaboração. Há uma correlação muito forte entre a busca da colaboração premiada e práticas típicas de tortura; 3º) O elevado grau de suspeição dos colaboradores, na sua grande maioria corréus confessos. Para receber o benefício da colaboração premiada, as pessoas dizem qualquer coisa, especialmente depois de frequentarem dias de prisões cautelares ilegais. 4º) A suspeição da própria autoridade investigadora, pois esta passa a ter o poder de manipular a prova. Novamente, o caso de Léo Pinheiro é exemplar. Apenas na terceira proposta de deleção ele fez uma ligação do nome de Luiz Inácio da Silva com as atividades da empresa. Antes, nada havia. Curiosamente, foi a única aceita pelo Ministério Público Federal do Paraná e pelo juiz Sérgio Moro. Pergunta-se: qual o motivo?

 

c) Tipicidade

 

Fato típico é aquele que é definido como crime pela Lei. Não existe crime sem expressa previsão legal. É preciso que este esteja estampado no corpo do texto da Lei para dar início à classificação delitiva.

 

O crime de corrupção passiva, segundo o código penal, art. 317, consiste em ato de funcionário público que “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Já o crime de lavagem de dinheiro, segundo art. 1º, da Lei 9.613, de 03 de março de 1.998, se configura no ato de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

 

É a famosa história do apartamento do Edifício Solaris que no entendimento dos acusadores e dos órgãos julgadores seria a prova de ambos os crimes. Ocorre que para que estes crimes existam é necessário dolo, vontade consciente de obter a vantagem. Não existe modalidade de corrupção ou lavagem de dinheiro culposa. Este é o ponto onde mais peca a decisão da 8ª turma, o que vai ter impacto direto no terceiro elemento, a culpabilidade. Em momento algum os desembargadores, em suas decisões, conseguem demonstrar quando Lula solicitou vantagem ou buscou a ocultação de valores. Aliás, a decisão é um vazio gigantesco na parte da definição da tipicidade.

 

Diga-se de passagem, falta um elemento essencial para caracterizar a tipicidade do crime de corrupção passiva: o fato de Lula não ser servidor público e não demonstrar, em momento algum, qualquer interesse em assumir função à época, pois os fatos narrados na peça de denúncia do Ministério Público são de 2014. Ao contrário, Lula estava empenhado no seu trabalho no Instituto e na reeleição da Presidenta Dilma Rousseff. Portanto, jamais poderia ter praticado crime de corrupção passiva, mesmo que os juízes forçassem, algo que é ilegal, uma atuação indireta.

 

Há uma verdadeira confusão no julgamento pois os juízes misturam momentos distintos, narram fatos desencontrados, e usam abertamente a “teoria do domínio do fato” sem afirmá-la. Mas para praticar o crime de corrupção passiva, Lula deveria ocupar função pública ou atuar como agente público, algo que não consta no processo. Assim, não há fato típico.

 

Para piorar, os juízes não conseguem demonstrar o momento, a forma e qual foi a vantagem indevida exigida por Lula. Como alternativa para tapar este imenso buraco nas sentenças, utilizam o recurso do depoimento de Léo Pinheiro, sabidamente um documento que não é prova, e sendo considerado como prova é ilegal e suspeito. Ou seja, é preciso muito esforço, eu diria um esforço extrassensorial, para encontrar algum argumento que apare a suposta tipicidade nas acusações apresentadas, porque esta não existe.

 

O mesmo problema surge no crime de lavagem de dinheiro. Afinal, estamos falando de corrupção ou de lavagem de dinheiro? Para existir lavagem de dinheiro é preciso que a fonte dos recursos seja sabidamente ilícita, derivada de infração penal. Mas ambas as partes devam saber disto. Façamos o pior exercício mental e aceitemos, como hipótese, que Lula aceitou o apartamento do Edifício Solaris como agrado da empresa OAS. Em que momento ele foi informado que os recursos que quitaram o pagamento (que nunca entrou no seu patrimônio) eram derivados de uma operação ilícita? Se considerarmos a narrativa dos órgãos julgadores, nunca! Logo, não há fato típico, portanto não há crime.

 

Ao contrário, toda a detalhada narrativa feita pelo Desembargador Gerbran Neto, aliás, o melhor de todos os votos, induz à compreensão que de fato existia uma operação de compra de apartamento que nunca se consolidou. Tal posição acaba sendo referendada de forma solta no voto do desembargador Leandro Paulsen, quando este diz claramente que a Dona Mariza Letícia moveu ação para reaver os valores derivados do primeiro apartamento comprando e desistiu do negócio, ainda em 2016, ou seja, antes da abertura da investigação. Mais do que isto, ambos os juízes informam que os direitos do primeiro apartamento que estava sendo obtido no prédio (um modelo tipo comum),constava na Declaração do Imposto de Renda do casal e que só saiu quando foi dado como entrada para um apartamento maior, de cobertura. Como consequência de todos estes dados, é muito mais razoável e está cabalmente comprovado, que existia de fato uma negociação para a compra de um apartamento de cobertura pela família Lula da Silva em Guarujá, algo que nunca foi negado. Mas não existe nenhuma prova de que este era uma forma de pagamento de negócio ilícito.

 

Ainda sobre o apartamento, cabe mais um questionamento, reforçando o ótimo trabalho realizado pelo advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, na sustentação oral apresentada na audiência ao citar o “caminho do dinheiro”. Sim, o caminho no dinheiro utilizado nas operações, pois só existe lavagem de dinheiro, quando a fonte deste é ilícita e para comprovar tal acusação é necessário perícia técnica, o que foi negado em primeira instância e desconsiderado pelos desembargadores. A origem ilícita dos recursos não se presume, exige prova cabal e inquestionável.

 

A expressão “caminho do dinheiro” ficou famosa no caso Watergate, quando foi utilizada para desbaratar as operações ilegais executadas pelo Presidente norte-americano Richard Nixon. No processo de Lula, todavia, em nenhum momento ficou provado que o dinheiro utilizado nas obras do apartamento era ilegal. Aliás, todos os depoimentos indicam que tais obras eram um procedimento comum da empresa, e o próprio delatar, Léo Pinheiro, afirma ter bancado as obras com recursos da empresa. Portanto, não temos tipicidade, e não existindo tipicidade, não existe crime.

 

d) Antijuridicidade

 

De forma bem simples, o ato antijurídico é aquele que contraria a ordem jurídica. Poucos argumentos sobre antijuridicidade são arguidos pelos desembargadores no julgamento. Quase tudo se resume ao debate sobre tipicidade e sobre culpabilidade. De uma forma sintética, o argumento dos desembargadores é: “corrupção e lavagem de dinheiro são fato típicos e ilícitos, portanto a sua execução não permite excludentes de ilicitude”. Logo, são antijurídicos.

 

Há um momento, no entanto, que entendo ser da esfera da culpabilidade, mas que permite demonstrar a fragilidade do julgamento no que tange à antijuridicidade e, novamente, contido no voto de Gerbran Neto. E repito, na minha opinião, o voto melhor fundamentado.

 

Ele narra um depoimento antigo de Pedro Correa (ex-presidente do Partido Progressista – PP) sobre a posse de Paulo Roberto da Costa (também do PP) em cargo da Petrobrás. O nome do indicado pelo Partido havia sido negado pela direção da empresa para determinado cargo, muito embora este já fosse funcionário de carreira do órgão desde 1979, ou seja, ainda no Governo do General Figueiredo e tenha tomado sem concurso. Todavia, sempre tenha ocupou cargos de direção na estatal.

 

Como resposta à negativa, o Partido Progressista (PP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido da República (PR), com o apoio da oposição, passaram a obstruir a pauta de votações no Congresso em 2003, onde estavam muitos assuntos de interesse do Governo. Na história contado por Pedro Correa, quando consultado sobre o motivo do bloqueio da pauta de votações, Lula teria mandando o Presidente da Petrobrás nomear o nome indicado pelo PP. Informando de que existiam resistências ao nome de Paulo Roberto da Costa, Lula, pragmaticamente, mandou que se adotassem as medidas necessárias para resolver o problema, afinal o Governo não poderia ficar refém de uma obstrução de pauta no Congresso por uma questão menor, apenas pela nomeação de um quadro político.

 

Primeiro, hoje Paulo Roberto da Costa pode ser questionado por vários motivos, mas na época, o seu currículo como funcionário de carreira e executivo/diretor de uma das maiores empresas petroleiras do mundo era invejável. Não existia nada, além de um debate político que bloqueasse a sua nomeação. Segundo, se a narrativa de Corrêa estiver certa, Lula não cometeu crime algum. Faz parte das atribuições de Presidente da República nomear servidores públicos e tomar decisões políticas pragmáticas, que resolvam os problemas de um Governo que estava iniciando, eram imperativas. Posso questionar a aliança com o Partido Progressista – PP no Congresso (diga-se de passagem, nunca aprovei), mas não existe nada de ilegal na conduta de Lula, pelo contrário, agiu politicamente, corretamente e dentro da Lei.

 

f) Culpabilidade

 

E aqui chegamos ao ponto central de todo o julgamento. Se existe algo que é efetivamente controverso nas posições exaradas pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na sua 8ª Turma, é a culpabilidade. Como já falei, todos utilizaram a “teoria do domínio do fato” para sustentar os seus argumentos. Mas no que consiste tal teoria?

 

No nosso Código Penal prevalece aquilo que chamamos de “teoria finalista da ação”. Esta foi desenvolvida pelo alemão Hans Welzel na década de 1930 e se opõe à teoria clássica ou causal por exigir a observância da intenção e da finalidade objetivada pelo autor para que a conduta criminosa lhe possa ser imputada. Ou seja, se o autor tinha realmente aquela finalidade ou era impossível outra conduta. Se era impossível outra conduta, não há crime.

 

São requisitos da teoria finalista da ação na seguinte ordem de importância: a conduta do agente, o nexo causal, o resultado, a tipicidade, a ilicitude, a culpabilidade, a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e o dolo. Como se observa, estou trabalhando com apenas 3 destes requisitos, pois a minha linha é essencialmente conceitual.

 

A Teoria do Domínio do Fato, por sua vez, também é uma criação de Hans Welzel, em 1939. Segundo ele, “o autor não é mero partícipe, e quando uma pessoa, mesmo que não tenha diretamente praticado o ato, ao decidir, ordenar a sua prática para um subordinado, também deve ser considerado como autor”. Notem que a teoria de Welzel foi desenvolvida exatamente na época em que a Alemanha era comandada pelo Partido Nazista, tendo Adolf Hitler como Chanceler. Na época Welzel era apenas professor interino da Universidade de Göttingen e no ano seguinte foi promovido a professor ordinário da mesma universidade.

 

A sua teoria, acabou sendo muito utilizada pelas “cortes de cassação nazistas” para justificar a prisão e apreensão do patrimônio de judeus, especialmente de empresário e banqueiros. Como não era possível identificar a culpa direta dos supostos crimes, a suposição da hierarquia, do cargo, fundamentava as decisões condenatórias. Portanto, é evidente a origem autoritária e antidemocrática desta teoria e a sua aplicação sem identificação de provas concretas é inconstitucional.

 

A teoria do domínio do fato somente ganhou ares de maior seriedade com o trabalho do também alemão Claus Roxin, em 1963, no seu livro, “Perpetração e Tirania” (termos livremente traduzidos do alemão e que por si já dizem muita coisa). O grande ponto de partida da obra de Roxin é a aplicação do princípio da presunção da inocência. Para ele, não é possível presumir a responsabilidade do agente pelo simples fato de ter o comando ou a direção de pessoas ou grupos. É preciso analisar o contexto e, fundamentalmente, comprovar a culpabilidade do agente. Ou seja, não basta uma mera dedução lógica, nem a supervalorização ou somatório de indícios, são necessárias provas concretas.

 

Desta forma, o famoso paradoxo da Ministra Rosa Weber no julgamento de José Dirceu na Ação Penal nº 470 no STF é absolutamente ilegal e inconstitucional. Não é a literatura que condena o réu, mas as provas que, no processo penal, devem, sim, ser cabais, cristalinas e inquestionáveis.

 

O próprio Supremo Tribunal Federal, diversas vezes, anulou ações em que a pessoa foi presa por presunção, dedução lógica ou analogia. A ação penal nº 470 e os seus desdobramentos são aberrações que simplesmente colocaram em suspeição toda a nossa ordem jurídica frente a comunidade internacional. Mas este é um tema que já analisei em outro artigo.

 

Roxin vai ainda mais longe. Entrevistado no Brasil sobre o tema, critica a posição do STF e cita o exemplo da correta aplicação da sua teoria no caso dos sequestros comandos por Fujimori, no Peru, pois foi comprovado que este controlou os sequestros e homicídios realizados.

 

Ainda segundo Roxin, o autor é aquele que tem o controle subjetivo do fato e atua diretamente no exercício deste controle. “O mero ter que saber não basta”. O autor é quem detém o domínio final da consumação do fato típico e daí retornamos à teoria finalista da ação.

 

Pergunta-se: Qual é a prova de que Lula exercia o controle finalístico de qualquer ação ilícita?Nenhuma! Na narrativa dos desembargadores, o tempo todo eles citam trocas de informações entre duas pessoas: Léo Pinheiro e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Isto não quer dizer que Vaccari seja culpado de fato, pois o juíz de primeira instância (Sério Moro), em momento algum confrontou a delação de Pinheiro com Vaccari, elevando o grau de suspeição do documento de delação e do julgamento.

 

Ressalto, novamente, o excelente trabalho do advogado de Lula que pediu, como prova, a oitiva de Vaccari. Sérgio Moro negou. Assim, a colaboração premiada de Léo Pinheiro perdeu validade no seu principal argumento, que é o relacionamento com o suposto articulador do esquema de “caixa 2 de campanhas”. Portanto, é um documento sem validade jurídica, não é indício, muito menos prova.

 

Aqui retornamos ao voto do Relator Gerbran Neto, pois somatório de fatos não são indícios e somatório de indícios não são provas. No processo penal, não podemos supor, pois lidamos com a vida das pessoas. É fundamental comprovar a culpa ou o dolo do acusado. Em uma rede com várias cadeias de comando, todas autônomas, fruto da política de desconcentração administrativa instituída na década de noventa, o Presidente não é “dono de bola de cristal” e é impossível que tenha conhecimento de todos os atos realizados pela administração.

 

Aliás, foi exatamente por isto que Lula criou a Controladoria Geral da República, estabeleceu uma rede de controles internos em todos os órgãos da administração federal. A sua sucessora, Dilma Rousseff, criou a Lei de Acesso à Informação e a da Política Nacional de Participação Social. O objetivo era exatamente permitir a fiscalização dos agentes públicos de forma transparente, independente do conhecimento do Presidente. Numa democracia, por maiores que sejam os Poderes do Chefe de Estado, este não é Deus, e exatamente por isto são criados órgãos para precaver ilícitos.

 

Desta forma, era fundamental, para aplicar a teoria do domínio do fato, que os desembargadores trouxessem alguma prova válida para o processo e não um conjunto de suposições comprovando claramente que Lula comandava uma organização criminosa ou praticou algum crime. Isto não aconteceu!

 

Eu acho que ele sabia não vale”, nem “eu presumo”, mas os documentos, as gravações, a perícia, ou outra prova técnica que demonstrasse de forma cabal que o réu e culpado. Não foi isto que se viu. Nota-se, por outro lado, uma preocupação muito grande com a preservação do trabalho desidioso do juízo de primeira instância da Operação Lava-jato, mesmo que para isto seja necessário executar uma injustiça. Os documentos citados, contratos de compra e venda de prédio, assinados ou são, visitas ao prédio, apenas confirmam a tese da defesa, ou seja, não há nada que indique qualquer indício de culpabilidade ou de crime.

 

g) Conclusões

 

É evidente que, pela narrativa do processo, Luiz Inácio Lula da Silva é absolutamente inocente das acusações que lhe são imputadas na ação penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR. Todos os argumentos adotados pelos juízes indicam inocência e vou mais longe. Não é inocência por falta de provas, mas por inexistência de crime. Não há falto típico, não culpabilidade, muito menos antijuridicidade.

 

Então por que Lula foi condenado? Várias podem ser as interpretações. Imprecisão técnica, pressão da opinião pública (leia-se mídia), autoproteção, afinal o trabalho do juiz Sérgio Moro está sendo questionando inclusive sob o ponto de vista moral, ou mera decisão política.

 

Já chamei atenção para o fato do único voto com alguma preocupação com a fundamentação ser o de Gerbran Neto. O Desembargador Leandro Paulsen assumiu uma posição assustadoramente política para o seu elevando grau de responsabilidade, inclusive deixando clara a sua posição nos embargos de declaração antes destes serem apresentados. O Desembargador Victor Laus teve o seu trabalho resumido a concordar com o Relator e o Revisor.

 

No jogral mal ensaiado da sentença recursal, mais algumas coisas devem ser observadas: o fato de nenhum julgador dar valor às sustentações orais, foi mera formalidade e não defesa, pois as sentenças já estavam prontas; o trabalho desidioso de primeira instância, onde provas importantes, como a perícia sobre o caminho do dinheiro não foram produzidas; a celeridade do julgamento, pois é impossível analisar 250.000 páginas de um processo desta complexidade em tão poucos dias. Neste ponto, Emir Sader fez uma ótica crônica, ao destacar que o Revisor, Leandro Paulsen, leu 2.000 páginas por hora, durante 6 dias, sem dormir.

 

Portanto, não restam dúvidas que, sob o ponto de vista jurídico, estamos diante de um processo eivado de suspeição, crivado de falhas técnicas e processuais e com clara imagem de “juízo de exceção”.

 

- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais, responsável pelo Blog Sustentabilidade e Democracia.

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2018/02/13/analise-do-julgamento-de-lula-pelo-trf-da-4a-regiao/

https://www.alainet.org/pt/articulo/190991?language=en
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