Toffoli rasgou a Constituição e “deu aos militares três ‘sinais importantes’”
- Opinión
Perdido no oceano de notícias da cobertura eleitoral encontra-se a reportagem “Exército vê em Toffoli garantia da eleição”, do Estadão de 7 de outubro.
A reportagem tem a co-autoria dos jornalistas Marcelo e Roberto Godoy e da jornalista Tânia Monteiro, filha de militar e espécie de porta-voz dos humores das Forças Armadas [FFAA] no noticiário, o que confere fidedignidade às revelações e revela bastidores confiáveis sobre a preocupante presença militar na política e na vida institucional do país, que é proibida pela Constituição.
Militares buscam espaço de poder
A reportagem começa naturalizando o que entende ser “a volta do protagonismo dos militares ao primeiro plano da política nacional”, traduzida na candidatura presidencial do Bolsonaro e nas candidaturas de 113 integrantes das FFAA aos cargos de deputado, senador e governador. E cita, também com espantosa naturalidade, a suposta “disposição” [declarada em off] de generais em “manter ‘a lei e a ordem no País’” [sic].
A obediência dos generais à ordem constitucional é obrigação e, por isso, dispensa declaração à imprensa para ser cumprida. A declaração de tal “disposição” não tem nenhuma utilidade, salvo para gravar o interesse obscuro de setores militares em galgar posições de poder.
O assanhamento de setores dos militares ficou visível com a evolução do golpe e do descalabro causado pela quadrilha do Temer. A candidatura Bolsonaro, por outro lado, turbinou este estado de ânimo, criou bases políticas e encorajou os setores mais duros das FFAA a saírem da toca.
Estes setores passaram a reivindicar abertamente o papel dos militares como poder de Estado. No programa Painel da Globo News de 16/9/2018, esta perspectiva foi defendida sem titubeios pelo General Rocha Paiva, um dos principais articuladores do bolsonarismo. O vídeo, que pode ser visto aqui, é nada menos que estarrecedor.
A Constituição, nos artigos 84 e 142, define a submissão absoluta das FFAA à Presidência da República. Os militares não são poder de Estado, não se autoconvocam e não se autodeterminam, porque obedecem ao comando do Presidente da República, que tem a competência privativa de “exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos” [CF, artigo 84, inciso XIII].
Conforme o artigo 142 da Constituição, as FFAA “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Os estranhos agrados de Toffoli aos militares
A reportagem do Estadão descreve também que “o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, desponta como a garantia do Alto-Comando do Exército contra ameaças de ruptura” [sic].
Segundo o jornal, “O ministro deu aos militares três ‘sinais importantes’. Um integrante do Alto-Comando os enumerou: a decisão de não pôr em votação a prisão em segunda instância, o veto à entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado pela Lava Jato, e o pronunciamento na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
Toffoli disse, na segunda-feira, que não chamava a derrubada do governo João Goulart, em 1964, nem de golpe nem de revolução, mas de movimento. E expôs a opinião de que, há 54 anos, tanto a esquerda quanto a direita contribuíram para a radicalização e a quebra da ordem institucional. No mesmo dia, proibiu que Lula fosse entrevistado e, na quinta-feira, discursou de novo: ‘Nunca mais fascismo; nunca mais comunismo’”.
Que Toffoli tenha mudado de lado ideológico e de visão de mundo a ponto de caracterizar como simples “movimento” a ditadura sanguinária implantada em 1964 com apoio da Globo, é um dado da realidade que no máximo pode ser anotado, é pura escolha de consciência – embora desconheçam-se os fatores que o levaram a essa impressionante conversão.
Como presidente do stf, entretanto, Toffoli não tem o direito de rasgar a Constituição e transformar o stf em sucursal das FFAA e comitê eleitoral do bolsonarismo, como fez ao instaurar a censura e suprimir a liberdade de imprensa e de expressão para silenciar Lula – gesto que caracteriza clara interferência na eleição.
Toffoli deve obediência cega à Constituição, não aos militares. Ao criar uma assessoria militar no stf e nomear para o cargo o general indicado pelo Comandante do Exército, ele emitiu uma mensagem sombria e perigosa, para dizer o mínimo.
8 de outubro de 2018
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