Fake news: a contrainformação militar
- Opinión
O professor Piero Leirner sugere (Folha de São Paulo,14/10/2018) que o uso generalizado de "fake news" pela campanha do candidato Bolsonaro representa uma comunicação de guerra, indicando o emprego de métodos e procedimentos avançados de estratégias militares. É possível afirmar, nessa linha de interpretação, que a disseminação de "fake news" pelas redes sociais, realizada pela campanha de Bolsonaro, tem semelhanças com as táticas de contrainformação empregadas pelos órgãos de inteligência do regime militar de 1964.
A contrainformação, no pensamento militar, tem o objetivo de desnortear e neutralizar o inimigo com a divulgação de informações que provoquem mudanças em suas estratégias de ataque. Táticas de informação e contrainformação foram usadas na Segunda Guerra Mundial e hoje fazem parte das ações do Estado americano para exercer a hegemonia sobre o mundo. A inteligência militar dos EUA fornece informações, possivelmente até algumas falsas, a organizações de comunicação estrangeiras num esforço para influenciar o sentimento público e os formuladores de políticas tanto em países aliados como em inimigos.
A Escola Superior de Guerra criada pelos militares brasileiros, sob influência do National War College e responsável pela formulação da Doutrina de Segurança Nacional, dedicou atenção especial à questão da informação. Tema dos cursos da instituição, a informação era matéria prima do trabalho de investigação dos agentes responsáveis pelas operações repressivas do regime autoritário. Constava do programa da ESG, em relação aos estagiários do Curso de Informações (CI), o propósito de viabilizar o contato com o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), o Centro de Informações do Exército (CIE) e o Serviço Nacional de Informações (SNI), com a finalidade de melhor entender como se organizavam, assim como conhecer os meios de que dispunham para cumprir suas missões. O Curso de Informações (CI) funcionou regularmente na ESG, no período de 1965 a 1971, com a denominação de Curso Superior de Informações (CSI). Ele foi transferido em 1971 para a Escola Nacional de Informações (EsNI), que passou a ser o órgão responsável pela formação de recursos humanos para as atividades de informação, preparando pessoal especializado para as ações repressivas.
Em palestra na ESG no ano de 1979, o general Antonio da Silva Campos, chefe do CIE de fevereiro de 1976 a outubro de 1977, afirmou que o Sistema Nacional de Informações (SISNI) atuava na atividade de informação e contrainformação nos campos internos e externos, com a finalidade de conter as manifestações da "Guerra Psicológica Adversa". Quando ainda era coronel e integrante dos cursos da ESG, Antonio da Silva Campos conceituou guerra psicológica como um conjunto de ações no campo dos valores e crenças visando influenciar a opinião dos indivíduos e grupos e instituições, de modo que apoiem a conquista de objetivos políticos e militares. Acrescentou que a guerra psicológica adversa era "conduzida pelas nações marxistas leninistas contra o mundo ocidental e, em particular, contra os países subdesenvolvidos". Nesse sentido, a guerra psicológica adversa deve ser compreendida como o instrumento principal da guerra revolucionária. Em trabalho apresentado na ESG pelo tenente-coronel Ernani Ayrosa da Silva, que viria a se tornar, na condição de general, o chefe do Estado Maior do II Exército entre 1969 e 1971 e responsável pela organização do DOI, a expressão guerra revolucionária corresponde à guerra interna adotada pelos movimentos revolucionários, que eram inspirados pelas concepções marxistas leninistas, recebiam apoio do exterior e visavam a conquista do poder.
As atividades de contrainformação desenvolvidas pelo SISNI, conforme revelou o general Antonio da Silva Campos, consistiam no "conjunto de medidas que tem a finalidade de salvaguardar os segredos nacionais contra as atividades de informação adversa". As atividades de contrainformação eram realizadas por todos organismos de informações. No trabalho apresentado na ESG intitulado "A contrainformação", o capitão de Mar e Guerra Francisco Fernandes Quadra esclareceu que a "contrainformação é uma atividade que se desenvolve essencialmente no âmbito da segurança interna". Acrescentou que as "informações relativas à segurança interna são conhecimentos produzidos para apoiar as atividades de contrainformação", voltadas para neutralizar as informações dos inimigos internos. Agente institucional militar que prestou serviços para o DSI do Ministério das Comunicações durante o governo Geisel, o oficial militar assinalou que, teoricamente, as responsabilidades pelas questões de segurança interna eram do Ministério da Justiça. Em função dos " sérios problemas da conjuntura interna" do país, explicou o capitão, as Forças Armadas assumiram o papel de destaque no campo da contrainformação. O SNI é citado como um órgão que dedica grande parte de sua atividade à contrainformação.
A cúpula bolsonarista, conforme sugere Leiner, conta com a participação de diversos membros das Forças Armadas que tiveram contato com doutrinas de guerra. É o caso do general Antonio Hamilton Mourão, candidato à vice-presidente na chapa de Bolsonaro pelo PSL, que definiu-se como eterno integrante da comunidade de inteligência, tendo sido graduado como oficial de inteligência da Escola Nacional de Informações.
O fato da campanha de Bolsonaro usar "fake news" como arma de luta política significa que ela jamais esteve comprometida com a democracia, debatendo francamente com os adversários. Táticas de informação e contrainformação aplicadas pelos conselheiros militares do candidato indicam o comprometimento com a ideologia do inimigo interno, aquele que deve ser combatido e eliminado. No plano político, esse inimigo é representado pelos movimentos sociais e pela esquerda democrática, em especial o PT, identificados pelos bolsonaristas como adeptos da ideologia marxista leninista.
- Aloysio Castelo de Carvalho é Professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em História Social pela USP
16/10/2018
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