Ao defender os “mais ricos”, Bolsonaro age como Robin Hood às avessas

18/10/2018
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O 1% do Brasil com os maiores rendimentos (média mensal de R$ 27.213) recebia 36,1 vezes mais do que a metade da população com os rendimentos mais baixos (média mensal de R$ 754) em 2017. Ao mesmo tempo, os 10% da população com os maiores rendimentos detinha 43,3% do total de rendimentos do país. Enquanto isso, a parcela dos 10% com os menores rendimentos representava 0,7%. Os dados pertencem à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), relativos ao ano 2017.

 

E para que os descendentes de um casal de brasileiros que está entre o 10% mais pobre atinjam o rendimento médio do país seriam necessárias nove gerações. Esse dado pertence a um estudo sobre mobilidade social organizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre 30 países analisados, o Brasil só não é pior do que a Colômbia.

 

Agora, com esses dois parágrafos acima em mente, leia este abaixo:

 

''Eu acho que no Brasil você não pode falar em mais ricos, está todo mundo sufocado. Se você aumentar a carga tributária para os mais ricos, como a França fez no governo anterior, o capital foi para a Rússia. O capital vai fugir daqui, a carga tributária é enorme. Quase tudo é progressivo no Brasil'', declarou Jair Bolsonaro, em entrevista ao SBT, nesta terça (17).

 

Sufocados? Quem sufocou na crise foram os mais pobres, a classe média, os pequenos empresários. Os mais ricos, que andavam desgostosos de que ninguém lhes fazia um cafuné em público, enfim conseguiram alguém para defendê-los sem constrangimento. Bolsonaro estava explicando que era contra a criação de lei para taxar os afortunados. A questão, contudo, é bem maior. Para mostrar como isso é complicado, gosto de usar uma comparação:

 

Este grande barco chamado Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto e segurança em suas cabines. Não estou propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir – apesar de ser uma maravilhosa utopia.

 

O ideal, para já, seria que as cabines de terceira classe contassem com um mínimo de dignidade, as de segunda classe pagassem bem mais que as de terceira e as de primeira classe fossem taxadas à altura da renda dos ocupantes e não apenas com o mesmo aumento proporcional da segunda. E que, ao contrário do Titanic, tenhamos botes salva-vidas para todos e não apenas aos mais ricos para o risco de icebergs, quer dizer, crises econômicas.

 

Na prática, contudo, seguimos sendo um navio que carrega pessoas escravizadas, com uma parte dos passageiros chicoteando a outra. O Brasil, ao invés de buscar medidas que amorteçam o sofrimento dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar os mais ricos e os grupos empresariais que trocam governos e elegem representantes.

 

O assessor econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, defende baixar as alíquotas do Imposto de Renda de 22,5% e 27,5% para 20%, o que beneficiaria quem ganha mais. Isso vai no sentido contrário dos debates públicos mais recentes, que é melhorar a progressividade do imposto no Brasil, ou seja, quem ganha mais, paga bem mais.

 

Bastou, em outubro do ano passado, a área econômica do governo Michel Temer assumir que estava estudando a hipótese de aumentar o Imposto de Renda sobre profissionais que ganham mais de R$ 20 mil por mês, criando uma nova alíquota de 35%, para que ocorresse uma enxurrada de críticas contra essa ''abominação''.

 

A equipe do então ministro da Fazenda Henrique Meirelles também estudou o retorno da taxação de dividendos (lucros distribuídos aos acionistas pessoas físicas), que é isento desde o governo Fernando Henrique. Isso garante que os super-ricos paguem, no final das contas, menos imposto no Brasil que a classe média. Nesse ponto, praticamente todos os candidatos à Presidência da República concordaram que é preciso corrigir essa distorção, reduzindo o IR das empresas e recriando a taxação dos acionistas. Inclusive, Paulo Guedes.

 

De acordo com a pesquisa Ibope, divulgada na última segunda (15), 65% veem Bolsonaro como o candidato dos ricos, diante 22% de Fernando Haddad.

 

A proposta do guru econômico de Bolsonaro, de reduzir as alíquotas do IR, vai diminuir também a progressividade na cobrança de imposto. Quem ganha mais deveria pagar mais, não apenas através de um desconto proporcional à renda (o que aconteceria se a alíquota fosse igual para todos), mas através de uma porcentagem progressivamente maior. Isso está previsto no artigo 145 da Constituição Federal, quando afirma que os impostos ''serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte''.

 

Em outras palavras, uma alíquota de 20% pesa muito mais sobre quem ganha dez salários mínimos do que sobre quem recebe 20. A matemática não faz sentido? Talvez seja porque você o seu mês caiba no seu salário. O sistema como um todo tira mais do que deveria dos pobres (um camelô ou uma trabalhadora empregada doméstica sem carteira deixam uma boa parte de sua pouca renda em impostos ao adquirir alimentos e roupas e ao usar transporte público) e da classe média para não amolar os ricos.

 

Tudo isso já foi dito aqui antes. Exaustivamente. Combater a desigualdade não resolve de vez os problemas, mas é uma ação fundamental para indicar o tipo de sociedade que gostaríamos de construir: um país que acredita na redução das distâncias entre os mais ricos e os mais pobres como pré-condição para o desenvolvimento coletivo. Ou uma terra do salve-se-quem-puder.

 

Por que é importante combater a desigualdade? Porque ela dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições.

 

O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje. E o risco à que corremos nessas eleições diante de quem não sabe o que é democracia – cuja definição não é simplesmente cumprir a vontade da maioria, o que a assemelharia a uma ditadura, mas fazer isso respeitando a dignidade e a vida das minorias.

 

Essa declaração me lembra outra frase icônica do próprio deputado do PSL: ''O trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego''. Um Robin Hood às avessas.

 

17/10/2018

https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/195995
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