Podem ter roubado seus dados do Facebook para influenciar a eleição

Há ou não relação entre a enxurrada de mentiras e desinformação que o candidato do PSL coloca na rede com o vazamento dos dados do Facebook?

19/10/2018
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Por enquanto a afirmação acima é apenas uma suposição, já que não há dados suficientes que me permitam afirmar que isso ocorreu de fato. Mas o alerta é fundamental e o questionamento muito pertinente, já que se trata de uma interferência grave que pode alterar o resultado da eleição, e isso é um crime contra a democracia.

 

O tema é ainda mais relevante porque não parte de uma teoria conspiratória, parte da premissa de que isso já aconteceu, pelo menos na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e do resultado do plebiscito para que o Reino Unido se retirasse da União Europeia, que ficou conhecido como Brexit.

 

Nos dois episódios acima e na eleição brasileira há um personagem comum: Steve Bannon.

 

Além disso, em todos os casos ocorreu um fato importante – o vazamento de dados de usuários do Facebook, que ficou conhecido como escândalo do Cambridge Analytica.

 

Uma breve retrospectiva do escândalo

 

Em 2015, dados de mais de 80 milhões de usuários do Facebook foram coletados de forma indevida por um aplicativo que tinha autorização para realizar uma pesquisa acadêmica sobre comportamento baseado em psicometria na rede social. Esses dados foram vendidos para uma empresa de tecnologia britânica, Cambridge Analytica, que os usou para influenciar de forma definitiva as eleições nos Estados Unidos em 2016. Parte dos dados também foram usados por outras empresas para influenciar na campanha do Brexit no Reino Unido.

 

E quem foi o estrategista e mentor intelectual desse processo? Steve Bannon, que foi vice-presidente da Cambridge Analytica, e conselheiro e estrategista da campanha de Donald Trump. Bannon foi braço direito do presidente norte-americano até agosto de 2017, quando foi demitido.

 

Quem é Steve Bannon

 

Bannon é um ultraconservador de direita que tem atuado para desestabilizar governos em várias partes do mundo. Ele é o fundador do site de ultra-direita BreitBart News e é um dos articuladores de um movimento nacional-populista na Europa.

 

Bannon tem trabalhado para produzir uma onda nacionalista, de caráter xenofóbico e racista. Para disseminar suas mensagens e atingir a emoção das pessoas a seguir a sua ideologia populista de direita antistablishment, como ele mesmo denomina, o estrategista utiliza os dados pessoais coletados de forma indevida das plataformas — principalmente o Facebook.

 

Com informações como gênero, faixa etária, religião, interações, buscas realizadas e outros dados, é possível traçar um perfil psicológico, e com os números de telefone vazados direcionar desinformação, mentiras que reforcem os medos e preconceitos e, assim, alavancar candidaturas ou destruir outras através do submundo do WhatsApp.

 

E o que tudo isso tem a ver com a eleição no Brasil?

 

Bom, vamos a cronologia dos fatos.

 

Em agosto de 2018 Eduardo Bolsonaro se encontra com Steve Bannon em Nova York, onde acerta uma “contribuição” do estrategista político a campanha do pai. Ele tuitou o encontro no dia 03 de agosto: “Conheci hoje Steve Bannon, estrategista da campanha de Trump. Conversamos e concluímos ter a mesma visão de mundo. Ele afirmou ser entusiasta da campanha de Bolsonaro e certamente estamos em contato para somar forças, principalmente contra o marxismo cultural”.

 

À revista Época, o filho de Bolsonaro afirmou: “Bannon se colocou à disposição para ajudar. O suporte é dica de internet, de repente uma análise, interpretar dados, essas coisas”.

 

Bem, entre os dias 14 e 18 de setembro ocorre um ataque ao Facebook explorando três falhas de segurança nos tokens de acesso de quase 90 milhões de contas. A informação só veio a público no dia 25 de setembro, uma semana depois, quando a plataforma desconectou automaticamente cerca 90 milhões de usuários, mas sem fornecer maiores detalhes do vazamento.

 

Nesta quarta-feira, 17 de outubro, uma atualização da notificação de segurança foi enviada pela plataforma para os usuários que tiveram comprovadamente suas contas afetadas. Eu sou uma delas. Nesta notificação, há um detalhamento de quais informações foram coletadas.

 

Minha conta do Facebook foi afetada por esse problema de segurança?

 

Sim. Com base no que descobrimos até o momento em nossa investigação, os invasores acessaram as seguintes informações das contas do Facebook: Nome, Endereço de e-mail principal, Número de telefone mais recente adicionado, além disso, os invasores acessaram outras informações das contas, como:

  • As seguintes informações associadas à conta do Facebook: Nome de usuário, Data de nascimento, Gênero, Tipos de dispositivos usados para acessar o Facebook, O idioma escolhido para usar no Facebook.

  • Se você adicionou as seguintes informações específicas à conta do Facebook, elas também foram acessadas: Status de relacionamento, Religião, Cidade natal, Cidade atual, Trabalho, Educação, Site.

  • As dez localizações mais recentes nos quais você fez check-in ou foi marcado. Essas localizações são determinadas pelos locais mencionados nas publicações, como pontos de referência ou restaurantes, e não pelos dados de localização de um dispositivo.

  • As 15 pesquisas mais recentes inseridas na barra de pesquisa do Facebook.

  • Páginas ou pessoas que você segue no Facebook.

Com base no que descobrimos até o momento em nossa investigação, os invasores não conseguiram acesso a determinadas informações, como: Senhas de contas, Informações de cartão de crédito ou de pagamento.

 

Será que estamos diante de uma interferência na eleição brasileira?

 

Até 18 de setembro, Bolsonaro estava crescendo dentro da margem de erro nas pesquisas. Ele estava em segundo lugar oscilando entre 26 e 28% das intenções de voto. No dia 14 de setembro, Fernando Haddad assume oficialmente a candidatura a presidente e começa a crescer.

 

Bolsonaro começa a despontar no final de setembro e é na primeira semana de outubro que cresce uma onda conservadora que resulta numa votação expressiva do candidato do PSL à presidência e de outras candidaturas ligadas a ele, algumas desconhecidas e que nem apareciam nas pesquisas como o candidato ao governo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel e no Rio de Janeiro, Romeu Zema.

 

Nesta quinta-feira (18), o jornal Folha de São Paulo trouxe reportagem de capa dizendo que empresários estão comprando envios em massa no WhatsApp para divulgar os conteúdos de Bolsonaro. Além de o fato ser crime eleitoral, porque configura caixa 2, é preciso perguntar: como estão construindo essa base de contatos telefônicos de WhatsApp? Lembre-se que o Facebook já confirmou acima que um dos dados vazados é exatamente o número de telefone dos usuários.

 

Claro que tudo pode ser apenas mera coincidência. Mas o papel de um jornalista e das organizações sociais é questionar, fazer perguntas. Como se desenvolve essa campanha de Bolsonaro? Como a campanha está conseguindo esses contatos telefônicos para envio de mensagens em massa de mensagens de WhatsApp? Como Steve Bannon está ajudando de fato na campanha?

 

E ainda:

 

1- Há ou não relação entre a enxurrada de mentiras e desinformação que o candidato do PSL coloca na rede com o vazamento dos dados do Facebook?

2- Quantos usuários brasileiros foram afetados pelo vazamento?

3- De que regiões do Brasil?

 

Ainda não há informações de quantos usuários brasileiros foram afetados, mas pipocam relatos de pessoas em todo o país dizendo que receberam a notificação do Facebook. Esse episódio configura gravíssima quebra de privacidade dos usuários e a rede social deveria prestar informações mais detalhadas além da origem do ataque.

 

Isso é relevante porque o padrão de campanha de difamação utilizando o WhatsApp e o Facebook promovido por Bolsonaro se assemelha muitíssimo à campanha de Trump e do Brexit.

 

O TSE, que até o momento está inerte diante de uma campanha impulsionada por mentiras e difamação, deveria cobrar explicações mais rigorosas do Facebook – principalmente porque a Lei eleitoral beneficiou essa plataforma ao permitir que as campanhas pagassem para impulsionar posts de candidatos no Facebook.

 

O Tribunal deveria, também, cobrar explicações de Bolsonaro sobre a participação de Steve Bannon em sua campanha, um homem que está atuando em vários países de forma no mínimo questionável.

 

O envio massivo de mensagens via WhatsApp também tem que ser apurado. O ex-diretor do DataFolha, Mauro Paulino, diz que as pesquisas no final do segundo turno são incompatíveis com o resultado da eleição e que os institutos identificaram na reta final uma onda que pode estar relacionada ao uso massivo e indevido de mensagens via whatsapp para impulsionar as candidaturas no RJ, DF e MG.

 

Não podemos ficar numa zona cinzenta e cheios de dúvidas sobre se houve ou não uma intervenção indevida no processo eleitoral do país.

 

Precisamos saber, ou melhor, temos o direito de saber se o vazamento de dados pode estar sendo utilizado para manipular as eleições no Brasil.

 

- Renata Mielli é Jornalista, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

 

19/10/2018

http://www.vermelho.org.br/noticia/316190-1

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/196045?language=es
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