Economia venezuelana dá sinais de recuperação
- Opinión
Nas ruas de Caracas é possível notar maior movimentação no comércio, bares e restaurantes. Além disso, a inflação desacelerou, assim como o valor do dólar paralelo, segundo a avaliação de economistas do país. O setor bancário deixou de limitar o valor dos saques em dinheiro. Com isso, a moeda nacional, o bolívar, voltou a circular normalmente, o que não acontecia desde agosto do ano passado.
A reação da economia teve como ponto de partida o Plano de Recuperação Econômica da Venezuela, lançado pelo pelo governo do presidente Nicolás Maduro no dia 20 de agosto e que nesta semana completou 90 dias. Entre as medidas implementadas está a reconversão da moeda, com o corte de cinco zeros e o aumento do salário-mínimo.
O economista Toni Boza aponta alguns dados que mostram como a economia reagiu frente às últimas medidas do governo venezuelano. “O primeiro impacto positivo foi a desaceleração da inflação, que não foi eliminada, mas foi freada. Ainda existe especulação por parte de empresários e comerciantes, mas é menor. Além disso, o valor do dólar paralelo subiu cerca de 30%, mas antes esse valor subia uns 300% ao mês”, afirma.
A padaria Flor De Pan, localizada na região de Sabana Grande, zona comercial de Caracas, é um exemplo de como o movimento comercial aumentou. “Já no primeiro dia, depois das mudanças anunciadas, o movimento aqui na padaria mudou. As mesas ficaram lotadas e dava para ver que as pessoas sentiam falta de sair para tomar um café, de ter esse momento para compartilhar com a família ou os amigos”, relata o garçom Alfredo Castellane.
De acordo com o trabalhador, o salário antes não dava para consumir comida nem bebida fora de casa, devido ao alto custo. “A inflação tinha comido nosso salário. Agora não é muito o que ganhamos, mas melhorou”, destaca.
Etapas de recuperação
Para o economista Boza, o Plano de Recuperação vem alcançado suas metas. “O plano econômico tinha como principal objetivo frear a deterioração do salário e da capacidade de consumo dos venezuelanos. Essa etapa foi cumprida. Agora virão novas fases do plano”.
A aplicação do novo preço do combustível faz parte dessas fases seguintes. O valor será calculado com base no mercado internacional, mas com um sistema de subsídio que beneficiará cerca de 20% da população mais pobre do país.
Outra medida que virá em breve é a liberação da venda do Petro, a moeda virtual venezuelana. A criptomoeda que até agora estava disponível apenas para investidores, poderá ser adquirida pelo cidadão comum e trocada em casas de câmbio autorizadas na Venezuela e na Europa. Atualmente, seis casas de câmbio internacionais estão habilitadas a fazer a troca a outras moedas estrangeiras.
Além do Petro, os venezuelanos têm a opção de investir suas economias em lingotes de ouro, uma espécie de poupança. O valor é calculado de acordo com o câmbio flutuante do euro e da moeda chinesa, o yuan. A jornalista Sonalys Borregales comprou recentemente um lingote de 1,5 gramas de ouro, no lavor de 3.800 bolívares, o equivalente a US$ 60 (aproximadamente R$ 228). “É uma boa maneira de economizar e também nos protege da desvalorização da moeda e da inflação”, afirma.
Para combater a crise econômica, o governo venezuelano também aumentou o percentual investido no setor social, que passou de 73% para 75% do orçamento geral do Estado.
A educação representa 13% do investimento total do governo, enquanto a Saúde recebe 9% do orçamento. No Brasil, segundo os dados oficiais de 2017, o governo investiu 3,16% em saúde e 3,26% do orçamento público em educação.
O aumento de investimento em políticas sociais foi anunciado pela vice-presidenta Delcy Rodríguez, ao apresentar o planejamento do governo diante da Assembleia Nacional Constituinte, na última terça-feira (23). “O orçamento público na Venezuela está dirigido a satisfazer as atuais e futuras necessidades da população, o poder de consumo dos seus habitantes e, principalmente, a justiça social e a distribuição da riqueza”, enfatizou.
Trump contra a Venezuela
Desde 2015, a Venezuela vive uma grave crise política e econômica. Os conflitos entre o governo e a oposição provocaram diversas formas de pressão internacional, classificadas pelo governo de Nicolás Maduro como “guerra econômica”.
A partir de 2017, o presidente dos EUA, Donald Trump, aplicou uma série de sanções econômicas sobre autoridades venezuelanas, mas também sobre o governo e as empresas privadas do país e também estrangeiras que atuam na Venezuela. O país latino-americano também foi proibido de fazer qualquer transação na moeda norte-americana. Muitas contas foram fechadas e recursos públicos bloqueados no exterior.
De acordo com o ministro da Economia da Venezuela, Tarek el Aissami, justo quando o país começava a se recuperar, os EUA aplicaram novas sanções, no final de setembro, que afetou empresas privadas, empresários e particulares que comercializavam com a Venezuela. “O setor industrial e o farmacêutico terão suas contas em dólares fechadas pelos EUA e proibidos de fazer qualquer negociação em dólares”, indicou Aissami, em suas últimas declarações à imprensa na semana passada.
Essa sanções impactaram o setor público e, sobretudo, o privado nas últimas semanas, que não têm conseguido fazer pagamentos nem compra e venda no exterior. A Venezuela é um país totalmente dependente da importação de itens básicos, como alimentos, remédios, peças para carros e maquinas, e medidas de bloqueio em transações comerciais podem gerar mais dificuldades para a população do país.
Os erros na condução econômica do país, que priorizou a renda petroleira em relação ao desenvolvimento da indústria nacional e da agricultura são apontados por especialistas. O próprio presidente Nicolás Maduro reconheceu, em julho deste ano, que ocorreram erros e, portanto, é necessário uma "mudança total" na economia venezuelana. “Os modelos produtivos que testamos até agora fracassaram, e a responsabilidade é nossa, é minha. Vamos produzir uma mudança total", declarou.
A nova realidade exige uma engenharia financeira inédita, construída com intermediários junto ao sistema financeiro internacional, de acordo com o ministro da Economia. Esse cenário leva a uma alta dos preços dos produtos, subindo o custo de vida. “Os intermediadores bancários estão imponto taxas altíssimas para negociar com a Venezuela, se aproveitando dessa situação para enriquecer”, denuncia.
Tarek el Aissami disse ainda que o governo dos EUA tem exercido pressão para que a Venezuela aceite ajuda humanitária, no entanto, essa pode ser uma das estratégias dos estadunidenses para abrir passo a uma intervenção militar, de acordo com as regras da ONU.
Contudo, para Aissami, se o governo dos EUA realmente tivesse interesse em ajudar os venezuelanos bastaria retirar as sanções econômicas para que o país pudesse melhorar sua situação econômica. “Veja a dúbia ação dos EUA. Aplicam sanções, nos impedem de pagar os compradores de títulos da dívida venezuelana e por outro lado falam em ajuda humanitária”, critica o ministro.
Edição: Vivian Fernandes
Del mismo autor
- Oposição venezuelana perde força na rua, mas segue articulando sabotagens ao governo 04/09/2019
- Encontro do Foro de São Paulo debate resistência ao avanço neoliberal no continente 26/07/2019
- Aliada da Lava Jato na Venezuela, ex-procuradora é acusada de receber suborno 16/07/2019
- Governo venezuelano e oposição instalam mesa de diálogo permanente em Barbados 10/07/2019
- Bachelet: sanções econômicas impostas pelos EUA "agravam" crise na Venezuela 24/06/2019
- Fracasso do golpe acentua racha da oposição a Maduro 07/06/2019
- Plano frustrado de Guaidó é criticado pela própria oposição venezuelana 18/04/2019
- Venezuela aposta em mediação internacional "imparcial" para superar crise política 09/04/2019
- Presença de militares russos na Venezuela faz parte de acordo de cooperação 27/03/2019
- Quais os desafios do chavismo e da oposição na Venezuela? 19/03/2019