O decreto do cada um por si e Deus por todos
- Opinión
A flexibilização do porte de armas não pode ser tratado como um assunto corriqueiro. Como o simples cumprimento de uma promessa de campanha. Ou com eufemismo, como fez o ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que disse que ter arma em casa é um risco para a criança tanto quanto um liquidificador. Arma é um assunto sério e como tal deve ser tratado com a gravidade e a responsabilidade correspondente.
Foi isso que fez a repórter Alexandra Corrêa, da BBC News Brasil. Em entrevista com o economista David Hemenway, professor de saúde pública da Universidade de Harvard e diretor do Harvard Injury Control Research Center (Centro de Pesquisas em Controle de Ferimentos de Harvard, em tradução livre), podemos constatar que o pensamento mágico de que o porte de arma por “cidadãos de bem” pode resultar na redução da violência não condiz com a realidade, e que ter arma em casa na verdade aumenta os riscos para os moradores.
Segundo Hemenway, um dos principais especialistas americanos em segurança pública, a teoria de que armar o cidadão irá reduzir a violência é um mito. Para ele, não há evidências suficientes para contestar a ideia de que maior acesso a armamentos deixaria a sociedade mais segura. Pelo contrário, ele afirma que mais armas levam a mais casos de violência. “O que sabemos com certeza é que uma arma em casa é usada muito mais frequentemente não contra alguém que invadiu sua casa, mas contra sua própria família”, ressalta.
Segundo o especialista, diversos estudos indicam que os riscos de ter uma arma em casa superam os benefícios. Entre esses riscos estão os de acidentes fatais, suicídios, intimidação e de mulheres e crianças serem mortas. “Levantamentos realizados nos EUA demonstraram que ter uma arma triplica o risco de suicídio”, enfatiza Hemenway. E para não deixar dúvidas, afirma peremptoriamente que “quando há mais armas, em qualquer tipo de interação hostil, aumentam as chances de que alguém seja morto”.
Ao ser indagado sobre a iniciativa brasileira de flexibilização do Estatuto do Desarmamento, Hemenway disse que o Brasil não pode ser comparado aos EUA em termos de violência, já que tem uma economia menos avançada e maior desigualdade, entre outras diferenças, mas que mesmo assim a experiência dos EUA, que tem a maior taxa de armas por habitante do mundo, pode servir de parâmetro e de aprendizado.
E a julgar pela admiração recíproca entre os presidentes Bolsonaro e Trump e a face militarista adotada na composição do governo, o exemplo americano de incentivo à autodefesa tem tudo para servir de parâmetro. Aliás, com todo o incentivo e o interesse da indústria armamentista.
Ouvisse a opinião dos especialistas em segurança pública, o presidente brasileiro saberia que o que traz resultado eficaz na redução do número de homicídios por arma de fogo é o desarmamento da bandidagem. Ocorre que para isso o estado teria que assumir sua histórica ineficiência e assumir seus erros. A começar pela escassez de investimentos no setor, tanto no que se refere ao combate e, principalmente, na prevenção da criminalidade.
No primeiro caso, para dar segurança à quem faz segurança. E aí entra uma gama de providências que o poder público tem deixado de cumprir, como por exemplo, remuneração salarial digna para os profissionais da área, a melhoria das condições de trabalho (armamento, viaturas, etc.), incluindo cursos de aperfeiçoamento, e a reposição dos efetivos. Quanto a prevenção não existe solução mais adequada do que investir em Educação, solução não apenas para a redução da violência mas para todos os problemas.
Como pouco se sabe das intenções do novo governo, o que de prático podemos tirar do decreto presidencial assinado no dia 15 de janeiro é que ele trará o aumento da lucratividade da indústria armamentista e dos fabricantes de cofres (lembrem-se de que ter um cofre foi um dos pré-requisitos para ter arma em casa). No mais, resguardando a projeção de Hemenway de que a tendência é o aumento de mortes por arma de fogo, o que se vê é o surgimento de mais um slogan ao estilo bolsonarista, no caso, “cada um por si e Deus por todos”.
- Sergio Araujo é Jornalista
janeiro 16, 2019
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