O feito de Bolsonaro: argentinos marcham pela primeira vez contra um presidente brasileiro
- Opinión
Quando, da Argentina, começamos a conhecer Jair Bolsonaro por sua campanha de ódio, não saíamos de nosso espanto por ver que alguém que defendia a ditadura publicamente em seu próprio país, e sem o mínimo de pudor, tivesse semelhante apoio do povo.
A palavra “ditadura” em nosso país, pelo menos para a grande maioria dos argentinos, é dolorosa ainda hoje, quando ainda estamos buscando os restos de 30 mil desaparecidos e os bebês sequestrados por ela.
A primeira visita oficial de Bolsonaro à Argentina foi mais chamativa pelo repúdio do que por razões políticas. Toda a conversa na Casa Rosada com Macri não vai além dos elogios trocados entre ambos, porque o conteúdo é vazio em termos de futuro, já que tudo o que propôs Bolsonaro, como ter uma moeda única “peso real”, vai para o lixo quando Macri deixar o poder, em 10 de dezembro.
O brasileiro também virou piada nas redes sociais por, mais uma vez, não conseguir pronunciar uma palavra em seu próprio idioma.
Para piorar as coisas, a União Europeia desmentiu que o acordo com o Mercosul, que os dois presidentes celebraram dizendo ser “iminente”, esteja de fato para acontecer.
O atual presidente argentino ainda não decidiu se sairá candidato, e seus próprios apoiadores o aconselham que não se lance, diante da queda de popularidade nas pesquisas.
Como Bolsonaro não deu uma entrevista coletiva à imprensa, o jornalismo local ficou na vontade de lhe perguntar sua opinião sobre o ditador Jorge Rafael Videla. Muito embora, quando ele disse que “a ditadura tinha que haver matado 30 mil”, nós, na Argentina, tenhamos entendido perfeitamente sua postura e nos sentido profundamente tocados.
Mas nem tudo foi ruim. Bolsonaro conseguiu na Argentina um feito inédito: que organizassem uma marcha em nosso país contra um governante brasileiro. Nenhum presidente do Brasil conseguiu isso. Jamais.
Foto: @emergentemidia/instagram
Organizações de defesa dos Direitos Humanos, sindicatos e movimentos sociais, assim como políticos, foram à Plaza de Mayo repudiar Bolsonaro, carregando o cartaz do brasileiro Cris Vector que se espalhou pelo país e virou símbolo dos protestos: “Argentina rechaça Bolsonaro. Seu ódio não é bem-vindo aqui”.
Não foi por acaso que as Mães e Avós da Plaza de Maio estiveram no centro da praça repudiando o fascista. Taty Almeyda, da linha fundadora, convocou todos a encher a praça: “Ocupemos a Plaza de Mayo para dizer a ele: ‘Bolsonaro, sua visita não é bem-vinda. Fora!’, porque precisamente não é o senhor quem representa os Direitos Humanos.”
Bolsonaro teve um festival inteirinho dedicado a ele, como o Festival Lula Livre no Brasil, só que ao contrário.
Víctor Hugo Morales, um dos jornalistas mais cultos e conhecidos do país, disse em seu programa, após passar um vídeo sobre Bolsonaro: “Se não fosse por Trump, Bolsonaro seria o personagem mais desagradável entre os líderes do mundo. Não cabem dúvidas de que é um verdadeiro monstro. Aí está o presidente do Brasil, um personagem incrível, um demente, um tipo que não está bem, que não pode estar bem da cabeça”.
O apresentador do canal C5N exibiu uma antologia dos “melhores momentos” de Bolsonaro defendendo a tortura, a ditadura e outras barbaridades.
Nora Cortiñas, uma das fundadoras das Madres de la Plaza de Maio, foi uma das primeiras a tomar o microfone na manifestação: “Dizemos a Bolsonaro que ele não é bem-vindo aqui”.
O que chama a atenção, para nós argentinos, é que Bolsonaro faça campanha em favor de Macri acreditando que o ajuda. Pensa que tem boa imagem no país, quando é totalmente o contrário, já que mesmo os macristas se incomodam com suas palavras. Só alguns personagens de extrema direita como Alfredo Olmedo, conhecido como “o Bolsonaro argentino”, e o neonazi Alexandre Biondini, sem nenhum peso eleitoral, elogiam o presidente brasileiro.
O único destaque que a fugaz visita de Bolsonaro pela Argentina foi a mensagem que o povo argentino deu ao povo brasileiro: “Vocês não estão sós”.
E não estão.
09 de junho de 2019
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