Telesur: entenda a importância do canal idealizado por Chávez e ameaçado por Guaidó
Opositor autoproclamado presidente criou uma comissão para tentar “substituir” a transmissão do canal internacional.
- Opinión
Caracas.- O autoproclamado presidente da Venezuela, deputado Juan Guaidó, voltou a anunciar decisões políticas na rede social Twitter. No último domingo (12), Guaidó – cujo mandato é reconhecido por 54 países – afirmou que havia criado uma comissão presidencial para reestruturar a empresa e iniciar um processo de substituição da sua transmissão.
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Desde su creación, Telesur ha sido utilizado para promover la desestabilización de la región, respaldar grupos terroristas, atentar contra la democracia, mentir sobre Venezuela y defender a la dictadura de Maduro.
— Juan Guaidó (@jguaido) 13 de enero de 2020
Além da polêmica nas redes sociais, pelos corredores do canal o assunto não gerou tanta preocupação.
“Não tem nenhum sentido. Uma pessoa que não sabe nada de televisão, que não pode cumprir com as promessas que fez aos seus próprios seguidores, como vai dizer agora que vai atacar um meio de comunicação? Com que força vai atacar a Telesur?”, afirma Lester Millan, coordenador de programas informativos e trabalhador da multiestatal há 12 anos.
Dois dias depois, durante uma reunião entre parlamentares fora do Palácio Legislativo, Guaidó, que recentemente também se autoproclamou presidente da Assembleia Nacional, anunciou que Leopoldo Castillo seria o novo suposto presidente da Telesur.
A princípio, medidas anunciadas por Guaidó não tem qualquer efetividade dentro da Venezuela, portanto não deveria haver qualquer consequência para a estatal de telecomunicações.
No entanto, os acontecimentos do último ano demonstraram que apesar de tomar ações totalmente inconstitucionais, Guaidó recebe apoio dos Estados Unidos e outros países que aplicam sanções unilaterais e o bloqueio econômico contra a Venezuela, fator que abre uma série de possibilidades de ações internacionais contra o canal.
“Era algo de se esperar. Telesur foi um meio de comunicação que sempre esteve na vanguarda, revelando verdades sobre essa oposição venezuelana violenta que não escolhe o caminho democrático. Nossos correspondentes sempre estiveram presentes revelando esses planos, como o episódio na fronteira, na tentativa de golpe de Estado na base aérea La Carlota”, relembra Ender Núñez, coordenador de conteúdo da página web e trabalhador há 14 anos da Telesur.
Quem é Leopoldo Castillo?
O suposto novo presidente da empresa multiestatal é advogado e vice-presidente editorial da EVTV, emissora com sede em Miami, nos Estados Unidos, direcionada a atender o público venezuelano.
Leopoldo Castillo iniciou a carreira como apresentador de televisão na Rádio Caracas Televisão (RCTV) e mais tarde esteve à frente de outros programas nos canais Venevisión e Globovisión.
O espaço mais famoso foi o programa “Alô Cidadão”, do qual foi âncora por 12 anos e que utilizou para convocar os venezuelanos e venezuelanas a se manifestarem contra o governo chavista.
Em 2017, divulgou a notícia falsa de que Leopoldo López, membro do partido opositor Voluntad Popular, teria sido morto na prisão.
No entanto, sua trajetória política começou em 1980, quando foi deputado e em seguida nomeado embaixador venezuelano em El Salvador, durante o governo de Luis Herrera Campis.
Nesse período ficou conhecido como “Matacuras” (Mata Padres) na América Central por sua relação com a Operação Centauro, ação coordenada com membros das Forças Armadas salvadorenhas para capturar religiosos vinculados a frentes de esquerda. O sacerdote Oscar Arnulfo Romero foi assassinado pelo operativo, revelado 10 anos mais tarde por uma investigação divulgada pelo Senado dos Estados Unidos.
Concentração de meios de comunicação e poder
Em 2002, o ex-presidente Hugo Chávez foi vítima de um golpe de Estado de 2002 apoiado pela imprensa, que corroborou a versão dos golpistas de que ele – que havia sido sequestrado – teria supostamente renunciado ao cargo. De volta ao poder, o líder bolivariano decide iniciar um processo de democratização dos meios de comunicação do país.
Em setembro de 2004, foi aprovada a lei de Responsabilidade Social de Rádio e Televisão. A nova legislação tornou obrigatória a transmissão diária de cinco horas de produção nacional e independente, o uso de linguagem de sinais, o fim dos oligopólios de comunicação, a outorga de concessões para canais de rádio e televisão comunitários, entre outras medidas.
Até essa data, RCTV e Venevisión dominavam 80% da produção de conteúdos de radiodifusão no país e concentravam 85% do mercado publicitário, segundo a Comissão Nacional de Telecomunicações. Nessa época, 27 famílias controlavam cerca de 300 emissoras no país.
Uma delas, a família Cisneros, dona do canal Venevisión, sempre tratou de manter seus interesses econômicos e políticos assegurados financiando governantes da social democracia tradicional venezuelana.
Entre as principais expoentes está Maria Corina Machado, do movimento Vente Venezuela, organizadora das guarimbas de 2014 e 2017, foi deputada e apoiou Juan Guaidó na sua autoproclamação.
A Venezuela, no entanto, não é exceção. A América Latina é um dos continentes de maior concentração de meios de comunicação, onde os poderes políticos, econômicos e informativos se fundem para se proteger.
A Telesur foi criada em 24 de julho de 2005, como uma ideia do presidente venezuelano Hugo Chávez e do comandante da Revolução Cubana, Fidel Castro, de criar uma televisão multiestatal. A inauguração do canal coincide com o aniversário de 222 anos do libertador da América Latina, Simón Bolivar.
Com apoio dos governos da Argentina, Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Cuba, Telesur foi fundada com sede principal em Caracas, Venezuela, mais tarde abriu outra sede em Quito, Equador e hoje possui correspondentes em 42 países, com sinal televisivo para América Latina, Norte da África e Europa ocidental, além de transmissão ao vivo 24 horas por internet, com programação em espanhol, inglês e português.
O caráter público, multiestatal e o propósito de fazer jornalismo para aqueles e aquelas que são invisibilizados pelos grandes meios de comunicação em diversas partes do mundo fez com que a Telesur desse cobertura a fatos centrais nos últimos 15 anos na América Latina.
A voz do sul global
O golpe de Estado em Honduras, terremoto no Haiti, eleições em todo o continente, até o falecimento dos dois grandes comandantes, Fidel Castro e Hugo Chávez, e do presidente argentino Nestro Kirchner. Tudo que foi notícia no continente desde 2005, esteve na tela da Telesur.
“O mais impressionante dessas coberturas foi o povo. Ver como o povo sofria e padecia a perda de alguém que foi um guia,” relembra Diana Diaz, coordenadora do setor de correspondentes e trabalhadora há 14 anos do canal.
“Quando vimos o presidente Nicolás Maduro, com todo o gabinete ministerial, anunciando que o comandante Chávez faleceu, pudemos sentir a mudança de ânimo imediata. Essa certamente foi a cobertura mais difícil. Nesse dia, o canal perdeu energia. Pensamos o que fazemos agora? E a ordem era seguir trabalhando, mesmo nessas horas difíceis”, relembra o coordenador Lester Millan, que assegura que aprendeu tudo que sabe como profissional na Telesur.
Além das coberturas históricas, mais recentemente, a emissora foi a única a manter cobertura diária da situação de Estado de sítio decretado por Lenin Moreno, no Equador, também os únicos que informaram minuto a minuto sobre o golpe de Estado na Bolívia e veiculou vídeos inéditos dos protestos no Chile.
Do outro lado do mundo, correspondentes e enviados especiais cobriram a guerra na Síria e a disputa pelo território palestino.
Um deles foi Jesus Romero, repórter cinematográfico no canal desde a sua fundação. Ele esteve 45 dias cobrindo a derrubada violenta de Muamar Gadafi, na Líbia, 50 dias durante o terremoto no Haiti, eventos em que, segundo ele, a Telesur contou verdades que não querem que sejam ditas.
“Eu acredito que a Telesur tem sua vida própria, acho que ninguém vai conseguir tirar a perspectiva desse canal, que nasceu com uma linha editorial, ninguém poderá chegar e mudar isso de um dia para o outro. Querem apagar Telesur? Não poderão. As pessoas já estão identificadas com a Telesur, acredito que temos nosso público e as pessoas vão reagir a qualquer coisa que aconteça”, conta Romero.
No entanto não é apenas o deputado venezuelano Juan Guaidó que se incomoda com a existência da Telesur. A Secretaria de Comunicação do Equador, em 2018, durante o segundo ano de mandato de Lenin Moreno, retirou o canal da programação da Corporação Nacional de Telecomunicações.
Depois disso, o canal, que tinha passado a ser transmitido apenas por pacotes privados, foi suspendido por duas empresas de TV a cabo, em outubro do ano passado, durante as transmissões sobre o Estado de exceção decretado por 11 dias no país.
Na Bolívia, com a ascensão do governo autoproclamado de Jeanine Áñez, depois do golpe de Estado consumado contra o presidente Evo Morales, no dia 10 de novembro, a empresa de telecomunicações Entel SA. também anunciou que suspenderia o sinal aberto da multiestatal.
Trabalho coletivo
Uma verdadeira escola. É como caracterizam desde os mais novos até os trabalhadores mais antigos do canal. Um espaço que segue o ritmo dos povos latinoamericanos que aprenderam novas formas de se organizar, de lutar, viram mudanças políticas radicais na última década, mas com solidariedade, seguiram.
“A cobertura do golpe de Estado me marcou como jornalista, depois disso eu cresci e cresci junto com a Telesur. Apesar de ter sido criada três anos antes, esse episódio marcou a missão da Telesur e o motivo pelo qual ela nasceu: contar essa verdade que os outros calam ou contam de outra forma. Enquanto todos diziam que Zelaya havia renunciado, nós afirmamos que era um golpe de Estado e acompanhamos a resistência popular”, garante Madelein García, repórter há 13 anos no canal.
Nos 14 anos de trajetória, Ender Nuñez já trabalhou no arquivo do canal, no setor de esportes e na produção até chegar a ser coordenador. Seu primeiro trabalho foi armazenar imagens de agências de notícias. Hoje, ele dirige todo um setor.
Também é comum conviver com companheiros que começaram trabalhando no setor de serviços gerais e depois de alguns anos estão comandando a parte técnica de uma transmissão ao vivo.
Para Madelein García essa característica é parte do DNA da Telesur, que em todos os setores tem uma história de resistência e aprendizado, começando pela sua presidenta, a jornalista colombiana Patrícia Villegas, quem acompanhou o projeto desde o início como apresentadora de notícias e há mais de 10 anos dirige a multiestatal.
Um lugar feito de pessoas solidárias para ensinar. Uma mescla de nacionalidades, culturas, sotaques, que entre erros e acertos, conseguiu manter vivo durante uma década e meia o sonho de ter um meio de comunicação internacional feito pelos povos e pensado para os povos.
“As ameaças farão com que sejamos mais teimosos e decididos em contar a verdade e gerar conteúdo que permita às pessoas fazerem essa diferenciação”, garante García.
“Vamos seguir fazendo o que estamos fazendo. Mostrando o que não querem que se divulgue, dando voz a quem não têm, lutar contra injustiças. Com essas ações Guaidó só fica provado que estamos logrando fazer o nosso papel. Vamos sair dessa, porque todo trabalho que é feito com convicção, com compromisso e lealdade ao que cremos, não há nada que nos detenha.Vamos seguir e isso vai nos fortalecer mais”, assegura Diana Diaz.
Edição: Rodrigo Chagas
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