América do Sul se divide em diferentes fórmulas contra efeitos econômicos da pandemia
- Opinión
Valparaíso (Chile).- A pandemia do novo coronavírus já produz graves consequências na América do Sul, a começar pelos sistemas de saúde, que começam a entrar em colapso, mas também com respeito à situação socioeconômica.
No Chile, por exemplo, já é possível ver longas e exaustivas filas de trabalhadores buscando acesso ao seguro desemprego oferecido pelo governo. Tanto neste quanto em outros países da região, as cifras de desempregados têm crescido igual ou mais que a de infectados pelo vírus.
Os diferentes governos da região estão reagindo a esta situação, mas cada um seguindo suas linhas ideológicas e diferentes prioridades.
Pode-se tomar como parâmetro de comparação o que vem sendo realizado por países tão diferentes, como o Chile, cujo modelo neoliberal está vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Já o Equador, onde o presidente Lenín Moreno tenta desmantelar o sistema de proteção social que começou a surgir durante o governo do seu ex-aliado Rafael Correa. E, também, a Argentina, onde acontece o contrário: o presidente que recentemente tomou posse, Alberto Fernández, tenta recuperar o poder de ação do Estado depois do desastre deixado pelo governo neoliberal de Mauricio Macri.
Entre esses três países, pode-se ver como a questão ideológica marca a atuação de um governo diante de um cenário tão grave como é uma pandemia.
Equador
O caso mais incomum é o do Equador, cujo governo apresentou um projeto de criação de um Fundo de Ajuda Humanitária aos trabalhadores, o qual será sustentado por uma contribuição de todos os cidadãos que ganhem mais de US$ 500 mensais.
Isso significa que uma grande parte dos assalariados e da classe média terá que contribuir com este projeto. A ideia vai na contramão do que estão fazendo outros países, em que se discute propostas baseadas em fazer com que os mais ricos façam o sacrifício para superar esta crise.
O presidente Lenín Moreno justifica a medida dizendo que o Estado está quase quebrado. Segundo ele, “a pandemia nos golpeou em um momento crítico, (…) sem um centavo nas contas do Estado e com uma dívida histórica de mais de US$ 65 bilhões”.
Atualmente, a taxa de desemprego no Equador ronda os 4,6%, e o seguro anunciado pelo governo pretende ajudar ao menos 550 mil pessoas. O país possui uma população de mais de 17 milhões de habitantes.
Para tornar a medida mais aceitável pela opinião pública, o governo estabeleceu que esses fundos serão administrados por um ente público independente, sem ligação com a sua gestão, o que não impede que este não esteja sujeito ao lobby das grandes empresas.
Chile
Enquanto isso, no Chile, a estratégia do presidente Sebastián Piñera se baseia em três aspectos fundamentais: a proteção de empregos, uma injeção de liquidez a empresas e o apoio à renda familiar. No entanto, essas medidas estão desequilibradas em favor do empresariado, como normalmente opera um governo neoliberal.
Por um lado, os recursos que o governo destinou às milhares de famílias mais vulneráveis serão de cerca de US$ 2 bilhões. Por outro, algumas dezenas de grandes empresas receberão um total de US$ 24 bilhões.
Outra vantagem governamental entregue às empresas é a possibilidade de suspender de forma unilateral o vínculo com os trabalhadores por um período de três meses e deixá-los somente com um seguro-desemprego oferecido pelo Estado, e cujo valor não será muito distante de um salário mínimo.
O economista Alexi Ríos, da Fundação Socialdemocrata, assegura que essas medidas são insuficientes, em um cenário em que o foco da pandemia ainda é o da proteção da saúde das pessoas.
“O processo de transferência de recursos às famílias e aos trabalhadores independentes continua sendo uma situação não abordada adequadamente, considerando que ainda não atingimos o auge da pandemia no país, que, segundo os especialistas, se dará entre os últimos dias de abril e as primeiras semanas de maio”, comenta.
A Central Unitária de Trabalhadores do Chile (CUT) também criticou as medidas do governo para enfrentar a crise, pois considera que elas promovem a demissão massiva de trabalhadores por conveniência das grandes empresas. Em um comunicado, expressaram que essas soluções violam os direitos dos trabalhadores e desequilibram ainda mais o panorama a favor dos empresários.
Argentina
Marcando a diferença em um continente que voltou a ter uma hegemonia dos projetos econômicos neoliberais, o governo de Alberto Fernández, na Argentina, vem se destacando por um cuidado na questão da saúde e, também, no da proteção aos trabalhadores.
Segundo o presidente peronista, “uma economia que cai sempre se levanta, mas uma vida que termina não a levantamos mais”. Esse parece ser o lema de seu governo, e os princípios presentes nessa frase são identificáveis nas medidas adotadas por sua gestão.
Em meados de março, dois dias depois da primeira morte por covid-19 no país, Fernández decretou uma quarentena que vem sendo cumprida de forma rígida e efetiva em todo o território. Nesse sábado (25), o presidente anunciou a extensão do isolamento social preventivo e obrigatório até o dia 10 de maio.
No final de março, quando precisou prorrogar pela primeira vez essa quarentena – que inicialmente foi programada para durar duas semanas, mas que que continua vigente – o presidente enviou uma mensagem aos empresários: “Chegou a hora de vocês ganharem menos, e não se preocupem que não vão perder dinheiro, apenas não ganharão o mesmo que antes”.
O mandatário argentino também decretou que os trabalhadores não estão obrigados a ir aos seus lugares de trabalho, e que isso não afeta o direito de receber remuneração integral. No caso dos trabalhadores independentes e informais, o governo da Argentina criou um auxílio de proteção que contempla uma “renda familiar de emergência”, equivalente a cerca de US$ 150. Também foi criado um teto de preços para produtos de consumo massivo, a partir do congelamento dos valores médios que estavam vigentes no dia 6 de março.
As empresas não deixaram de ser atendidas, especialmente as pequenas e médias, com recursos destinados para garantir a produção, o abastecimento e o pagamento dos salários dos trabalhadores, além de um apoio especial para cooperativas e instituições de investigação que contribuem com o combate à pandemia.
Mas o projeto mais importante do governo, que ainda precisa da aprovação do Congresso, é a criação de um imposto específico para as grandes fortunas, que servirá tanto para financiar todas essas medidas, como para ajudar no pagamento da dívida com o FMI, deixada pelo governo neoliberal de Mauricio Macri.
Em meio às diferentes ações de governos como os da Argentina, Chile e Equador, sem contar a situação do Brasil, que além de crise econômica e de saúde, também vive uma grave crise política, organismos internacionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vêm mostrando certo pessimismo com o futuro da economia na América Latina e projetam que a região poderia ter, neste 2020, a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) da sua história, com uma contração de mais de 5%.
Edição: Vivian Fernandes
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