Groenlândia: Uma ilha em meio à disputa geopolítica por acesso às terras raras
O partido de esquerda Inuit Ataqatigiit (IA), com uma pauta ambientalista e contrário à expansão de grandes projetos mineradores na região, foi o mais votado nas eleições legislativas da ilha.
- Opinión
Em 6 de abril deste ano, foram realizadas as eleições legislativas na Groenlândia, uma ilha localizada entre o Atlântico Norte e o Oceano Ártico, vinculada politicamente à Dinamarca e com pouco mais de 56 mil habitantes. O partido de esquerda Inuit Ataqatigiit (IA), com uma pauta ambientalista e contrário à expansão de grandes projetos mineradores na região, foi o mais votado. Eles venceram o partido social-democrata Siumut, que governava a região de maneira quase contínua desde 1979. Em uma primeira análise, poderia parecer apenas uma mudança corriqueira no cenário eleitoral da ilha. Não obstante, esse processo foi acompanhado de perto pelos governos dos Estados Unidos, China e dos países da União Europeia[1].
Qual seria a razão de tamanho interesse internacional nas eleições na ilha?
Uma possível explicação para esse interesse está na constatação da existência de uma significativa reserva inexplorada de terras raras em seu território. A quantidade desses recursos presente na ilha está estimada em 11,1 milhões de toneladas métricas, fazendo da Groenlândia a quinta maior reserva mundial desse minério estratégico[2]. As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos utilizados na produção de ímãs permanentes de extrema força, essenciais no desenvolvimento de projetos vinculados à energia eólica, veículos híbridos e elétricos, dispositivos eletrônicos e baterias recarregáveis. Nesse sentido, são fundamentais no desempenho das tecnologias emergentes de energia limpa e de baixa emissão de gás carbônico e, por isso, centrais em propostas de transição energética para uma matriz menos dependente dos combustíveis fósseis. Nesse contexto, o Pacto Ecológico Europeu, os últimos investimentos anunciados pelo governo de Joe Biden, nos Estados Unidos, direcionados para o desenvolvimento dos setores de baixa emissão de carbono, assim como as iniciativas do Partido Comunista Chinês na mesma direção, têm provocado um grande aumento da demanda desses materiais.
Embora as reservas mundiais não sejam escassas, a extração desses elementos é uma operação complexa. Além da grande quantidade de rejeitos gerada, cerca de 96% do que é minerado é descartado, as terras raras, comumente, são encontradas junto a materiais radioativos. Tendo em vista essas constatações, a continuidade ou não de projetos de mineração em andamento na ilha foi pauta central das eleições realizadas na Groenlândia. Em grande evidência esteve o projeto Kvanefjeld, liderado pela mineradora australiana Greenland Minerals and Energy e com apoio de tecnologia e capital chinês, a partir da China Nonferrous Metal Industry’s Foreign Engineering and Construction. O projeto em seu pleno desempenho seria responsável pelo descarte de 8.500 toneladas de rejeitos diários e também realizaria a exploração de urânio. Ambas dimensões causaram grande resistência da população local, muito vinculada economicamente à atividade pesqueira, amedrontada por possíveis danos aos recursos hídricos da região. Diante desse cenário, os representantes do partido IA descartaram a continuidade do projeto.
A fim de expandirmos a discussão acerca dos interesses globais em relação às terras raras ainda inexploradas no território da Groenlândia, é útil analisarmos os dados que indicam geograficamente as localidades das principais reservas e produção mundial desses elementos. Conforme apresentam os gráficos abaixo, a China é a maior produtora mundial, representando 58% do total, seguida por EUA (15%), Myanmar (12%) e Austrália (7%). A China também é detentora da maior reserva mundial, com um total de 36%, seguido por Vietnã (18%), Brasil (17%) e Rússia (10%). Austrália e Estados Unidos possuem apenas 3% e 1% das reservas mundiais, respectivamente, o que faz com que a manutenção do ritmo de produção dos dois países coloque sob grande pressão as reservas presentes em seus territórios.
A partir do exposto linhas acima, podemos compreender, então, o interesse dos grandes centros industriais: China, EUA e União Europeia, sobre a política interna da Groenlândia. O acesso a elementos como as terras raras é fundamental para o desenvolvimento de tecnologias que estão sendo empregadas em diversas áreas com o intuito de diminuir a emissão de gás carbônico nas atividades realizadas pela sociedade. Tendo em vista a importância desses recursos minerais para o processo de transição energética, podemos afirmar que o futuro do Kvanefjeld, apesar da posição inicial dos representantes do IA contrária à sua continuidade, ainda está em disputa.
Da mesma maneira, países como Brasil e Vietnã, com grandes reservas e pouca representatividade de suas produções em âmbito mundial, serão alvos de grande pressão para o aumento da extração desses recursos em seus territórios. Diante dessa conjuntura, o que fica como reflexão é identificar os impactos que terão as iniciativas de transição energética desenvolvidas nos países centrais do sistema mundial, tão dependentes de recursos minerais estratégicos, sobre os territórios periféricos ricos nessas matérias primas, como é o caso dos países da América Latina. Desconfiamos que do ponto de vista socioambiental, os impactos nas próximas décadas serão imensos. Mas isso é assunto para um outro artigo.
- Estevão Musa, mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC-UFRJ) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial.
Email: estevaomusa@hotmail.com