A agroindústria 4.0 e o capital transnacional

A cadeia de valor do agro tem se tornado cada vez mais complexa representando oportunidade de investimento e de acumulação de riqueza instituindo uma nova geografia da circulação, transporte e logística.

30/07/2021
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Foto: The Harvesters - Óleo sobre madeira (1565)/Pieter Bruegel
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No conceito de Agroindústria 4.0, pessoas, equipamentos e informações atuam de forma integrada configurando uma hiperconectividade através de termos e conteúdo das chamadas Internet das Coisas (IoT), Big Data, Inteligência Artificial (IA), Cloud Computing e Machine Learning. Tudo a fim de aumentar a produtividade, ou o desempenho/comportamento do setor cujo léxico tem se tornado bastante amplo e inclui termos inovação, performance e Retorno sobre Investimento (ROI – Return On Investiment). De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o agronegócio foi um dos três setores econômicos que cresceram no ano passado, em plena pandemia da COVID-19. De acordo com o Instituto a agropecuária aumentou sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) de 5,1 em 2019 para 6,8 em 2020 atribuindo essa ampliação ao ganho de produtividade. O destaque fica para a soja (7,1%) e o café (24,4%), que alcançaram produções recordes na série histórica.[i]

 

No princípio do mês de julho deste ano a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentos (FAO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgaram relatório destacando o papel do Brasil como um dos principais fornecedores globais de alimentos podendo chegar a 63% das exportações mundiais de soja, 56% de açúcar, 44% de pescado, 42% de carne bovina e 33% de carne de frango. Especificamente sobre a soja o Brasil deverá representar até 2030 cerca de 50% das exportações totais, tendo a China como importadora de dois terços do total mundial[ii].

 

O setor de logística não poderia ficar alheio a estas transformações e a implantação de unidades de investimentos diretos e indiretos por empresas transnacionais de transporte, armazenamento, comercialização e industrialização de grãos têm alterado significativamente o desenho geográfico da agricultura brasileira na última década. Com a expansão da agricultura sobre os biomas da Amazônia Legal[iii] surgem também novas rotas, estratégias de transportes e armazenagem que compõem a infraestrutura necessária que articula os sistemas modais de hidrovias, ferrovias, rodovias e portos.

 

Os impactos que esta expansão tem causado e os efeitos do capital destrutivo sobre a natureza, os territórios e os mundos do trabalho também é objeto das nossas preocupações acadêmicas nos últimos anos. A espacialização produtiva e de circulação nos territórios amazônicos representam a estruturação e a engenharia produtiva da agroindústria 4.0 na região que é expressão também da reestruturação produtiva permanente impulsionada pelas novas tecnologias e, consequentemente, pela nova divisão social e técnica do trabalho impostas pelo seu modo de produção e pelo mercado mundial que domina e tem controlado a geração de riqueza e a nova acumulação.

 

Tem sido considerável o número de logtechs que têm surgido no Brasil. Já são cerca de 283 startups do setor de logística e que estão presentes em cinco áreas de atuação: Gestão Logística (43,6%), que apresenta soluções eficientes na gestão do processo logístico, com uso de analytics, Internet das Coisas e Inteligência Artificial; Entrega (19,4%), serviços para entrega mais eficaz ao consumidor final, explorando diversos modais, como até mesmo drones; Logística Reversa (12%), serviços que intermediam a volta de um produto para a cadeia de suprimentos; Estoque (11,3%), empresas que utilizam tecnologia armazéns, centros de distribuição, fluxo de estoque e atividades como tráfego de carregamento e descarregamento; Marketplace de Frente (11%), soluções que atuam como intermediárias entre fornecedores e transportadores para entrega de cargas fracionadas, permitindo análise comparativa e cotação de frete[iv].

 

O mercado de logística seguiu a direção do crescimento do agronegócio e do e-commerce. No dia 28/06/2021 foi assinado um memorando de entendimento entre o Banco do Brasil e o New Development Bank[v] (NDB) (mais conhecido como Banco dos BRICS) a fim de financiar a expansão de armazéns no país. De acordo com o jornal Valor Econômico os valores destinados serão de cerca de R$1,5 bilhão que poderão ser pagos em até 18 anos. Já a atuação do Banco do Brasil no crédito rural da temporada 2021/2021 gira em torno dos 135 bilhões, 17% a mais em relação aos valores da temporada anterior[vi]. Nesta mesma reportagem o ministro da economia Paulo Guedes afirmou que é “incontornável a vocação brasileira para ser celeiro do mundo” e que “pela primeira vez, o agronegócio passou a própria indústria de transformação”.

 

A comemoração, na verdade, é motivo de grande preocupação já que o agronegócio é campeão do emprego informal, onde a utilização das novas tecnologias tem tornado o trabalho crescentemente supérfluo para usar expressão de Istvan Mészáros, e que, conduzindo o país para a reprimarização e desindustrialização o caos social nas grandes cidades sentirão (como já sentem) um grande impacto. A taxa de desemprego é assustadora e já está na casa dos 14,5% em abril de 2021. O Brasil deverá registrar neste ano a 14ª maior taxa de desemprego no mundo de acordo com a agência de classificação de risco Austin Rating[vii].

 

No governo Juscelino Kubitscheck comemorou-se o fato de que a produção industrial superava pela primeira vez a condição agrário-exportadora do país, o que evidenciava os caminhos e as alternativas da industrialização no Brasil dado o conjunto de questões (agrárias, nacional, social e etc) e das alternativas histórico-estruturais do desenvolvimento capitalista e de suas forças políticas heterogêneas na década de 1950[viii]. O professor Wilson Cano em seu livro “Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930/1070” apresentou importante panorama sobre a industrialização e a questão regional que evidenciava, entre outros pontos, a integração do mercado nacional e a intensificação das relações econômicas inter-regionais.

 

Vale destacar também o papel estratégico da industrialização, muito embora este se dê por meio de uma industrialização subordinada e consentida como muito bem apontou o professor Rubens Sawaya[ix] em seu artigo “Poder econômico, desenvolvimento e neoliberalismo no Brasil”.

 

 

O gráfico acima demostra a acentuada queda da participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro chegando a uma marca menor do que o índice comemorado nos anos 1950 como ponto de ascensão da industrialização no país. A recente saída de inúmeras empresas do Brasil e os alarmantes índices de desemprego já mencionados que tem conduzido milhares de brasileiros à informalidade, a precarização ou simplesmente ao desalento aspectos fundamentais para se compreender como os caminhos da reprimarização e das abundantes políticas de incentivos para o agronegócio estão colapsando os demais setores em vários níveis.

 

A especialização agroexportadora tem recebido aportes colossais de investimentos e oferecimento de crédito, acompanhada de perdões de multas milionárias aos latifundiários, da flexibilização das leis ambientais e dos debates acerca marco temporal das terras indígenas[x] para favorecer a expansão e consolidação das suas atividades sobre os territórios.

 

As operações de financiamento de logística entre o Banco do Brasil e o NDB (New Development Bank) são demonstrativos dessa especialização que conduz o país ao mais acelerado processo de reprimarização e desindustrialização da sua economia.

 

Para demonstrar o grau de importância e a capacidade de financeirização do setor destacamos neste texto os atuais rumos dos processos de privatização e concessão de rodovias, aeroportos e ferrovia como forma de asseverar como este segmento atrela-se os padrões de modernização e inovação na mesma perspectiva da inovação, gestão e indústria 4.0. A circulação de mercadorias e seu papel na estruturação dos territórios indica também a seletividade dos capitais transnacionais que se assomam no Brasil. Os processos de desindustrialização e reprimarização são convergentes e corrobora com a tese de que esses capitais orientam, reordenam, controlam e inserem subordinadamente a América Latina e particularmente o Brasil no conjunto do mercado mundial pela perspectiva da comoditização[xi]. Vale recordar também os estudos realizados pelo professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira acerca da nova geografia da produção de soja que destaca, dentre outras questões, as políticas territoriais de infraestrutura de transporte[xii] fundamentais para a consolidação do setor.

 

Os resultados disso são concretos e podem ser observados nos impactos e na velocidade dos desmatamentos, das queimadas criminosas, na sujeição dos territórios e das populações ao controle, modo de produção e na divisão social e técnica do trabalho sob domínio das empresas instaladas na região e também perceptível nas despossessões para a expansão da produção, sejam elas as soft (grãos) ou as hard (metais) commodities. O “ajuste” espaçotemporal, como afirma David Harvey “é uma metáfora para soluções de crises capitalistas por meio de diferimento temporal e expansão geográfica”[xiii] e sua organização, portanto, inclui relações contraditórias, excludentes e destrutivas.

 

Neste sentido a compreensão sobre o domínio, em grande parte pelos capitais transnacionais, da logística, nos permite compreender como esta dimensão da Agroindústria 4.0 vem constituindo a infraestrutura necessária para dar potencia produtiva e de circulação à esta Zona Específica de Intensa Acumulação (ZEIA)[xiv] em que se transformou a Amazônia Legal. Os leilões do bloco norte e central recentemente leiloados demonstram bem a especialização produtiva dos territórios de expansão agrícola, especialmente da soja.

 

Na primeira quinzena do mês de abril de 2021 foi dado início a uma série de leilões que envolveu 28 ativos de infraestrutura e a concessão de três blocos pelo prazo de 30 anos. Chamou bastante atenção o interesse do mercado e a movimentação dos capitais internacionais em torno do setor que deixou o leilão 9.209% acima do valor esperado de arrecadação. A semana de leilões foi chamada pelo Ministério da Infraestrutura de “Infra Week” e começou no dia 7 de abril na sede da B3[xv] em São Paulo. Os blocos mencionados estavam divididos da seguinte forma:

 

•Bloco Sul (9 aeroportos): Curitiba (PR), Foz do Iguaçu (PR), Navegantes (SC), Londrina (PR), Joinville (SC), Bacacheri (PR), Pelotas (RS), Uruguaiana (RS) e Bagé (RS);

 

•Bloco Norte (7 aeroportos): Manaus (AM), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Cruzeiro do Sul (AC), Tabatinga (AM), Tefé (AM) e Boa Vista (RR);

 

•Bloco Central (6 aeroportos): Goiânia (GO), São Luís (MA), Teresina (PI), Palmas (TO), Petrolina (PE) e Imperatriz (MA)[xvi].

 

O lance mínimo do aporte inicial de cada bloco tinha como valores mínimos R$ 130,2 milhões pelo Bloco Sul, R$ 47,8 milhões pelo Bloco Norte e R$ 8,1 milhões pelo Bloco Central. Atualmente, cerca de 67% de todo o tráfego nacional já é concedido à iniciativa privada, um número bastante significativo[xvii]. Neste pacote de concessões o governo inclui a previsão de realizar até dezembro deste ano a relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN). Para 2022, está previsto no Ministério o leilão da 7ª rodada, que inclui os aeroportos de Santos Dumont (RJ) e Congonhas (SP).

 

No dia 8 foi a vez do leilão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, a FIOL, trecho que vai de Ilhéus (BA) à Caetité (BA). Esse trecho foi idealizado para colaborar com a logística de escoamento de minério de ferro para o porto que será construído em Ilhéus. O projeto da FIOL prevê também a construção de mais dois trechos: um de Caetité (BA) à Barreiras (BA) e outro ligando Barreiras (BA) à Figueirópolis no Tocantins integrando o porto de Ilhéus a Ferrovia Norte-Sul.

 

No dia 9 seguiu o arrendamento dos terminais portuários: 4 no Porto de Itaqui/MA (IQI03, IQI11, IQI12 e IQI13) e 1 no Porto de Pelotas/RS (PEL01). No porto do Maranhão são ao menos 4 áreas voltadas para o armazenamento de granéis líquidos e cargas em geral, especialmente a de madeira que tem bastante importância para a logística da produção de celulose na região.

 

A Companhia de Participações em Concessões, subsidiária brasileira da CCR arrematou o bloco sul e central. O bloco sul foi arrematado por 2,128 bilhões enquanto o bloco central ficou na casa dos 754 milhões de reais. O bloco norte foi vencido pela empresa VinciAirport por 420 milhões[xviii].

 

A CCR é considerada uma das maiores empresas de concessão de infraestrutura da América Latina. Sua estrutura acionária de controle conta com a participação do Grupo Soares Penido (15,05%), Grupo Mover (14,86%), Grupo Andrade Gutierrez (14,86%) e Novo Mercado (55,23%). A participação internacional na empresa é de 82%, 15% vem de pessoas jurídicas no Brasil e 3% de pessoa física.

 

Já a VinciAirport é filial do Grupo Vince, player global que financia, constrói e opera uma rede de 36 aeroportos (França, Portugal, Camboja, Japão, República Dominicana, Chile e Brasil). A empresa já havia ganho, em 2017, concessão do Aeroporto Internacional de Salvador – Deputado Luís Eduardo Magalhães por R$ 1,59 bilhão ficando responsável pela administração do aeroporto por 30 anos.

 

Neste mês de junho um novo movimento do setor de logística aconteceu. Empresas do ramo de sementes, agrotóxicos dentre outros insumos do setor agrícola, se uniram para formar uma nova empresa de logística. As tradings Amaggi[xix], LDC[xx], Cargill[xxi] e ADM[xxii] se juntaram ao TIP Bank para criar uma empresa de logística e pagamento de fretes rodoviários ligados ao agronegócio. É a formação do que se chamam de LogFinTech. O grupo Amaggi & LD Commodities já se destacava pelo arrendamento de terminais portuários, dentre eles o graneleiro em Itacoatiara no estado do Amazonas onde faz o transbordo para navios mercantes, em Rondônia dentre outros.

 

O Brasil é o terceiro mercado de transporte rodoviário global, atrás apenas da China e dos Estados Unidos o que por si significa ser setor de grande atração de interesses. Com a expansão do agronegócio e dos projetos de mineração a logística aparece cada vez mais como um elo destacado da sua cadeia de valor. Um mercado cuja previsão é de crescimento de 5,22 bilhões de dólares de acordo com relatório de pesquisa realizado pela Technavio[xxiii].

 

A chamada “revolução digital na logística” tem operado de forma inovadora: meio de pagamento para transporte modal, cartão frete e descontos em combustíveis nos postos credenciados. Vale lembrar que a Bunge já atua nesta fatia de mercado e recentemente anunciou parceria com a provedora de soluções de logística e tecnologia Target[xxiv] para criar a uma nova empresa, a Vector[xxv], tendo como principal foco a digitalização de processos de contratação de fretes rodoviários e outros serviços.

 

O avanço dos capitais transnacionais sobre o setor de logística têm se destacado como pudemos verificar. A cadeia de valor do agro tem se tornado cada vez mais complexa representando oportunidade de investimento e de acumulação de riqueza instituindo uma nova geografia da circulação, transporte e logística e que redefine a compreensão das reestruturações econômicas visualizadas atualmente no mundo e, sobretudo, no Brasil, instituindo tecnologicamente o processo de gestão do trabalho de transporte e logístico pelas plataformas digitais.

 

A importância da logística na formação atual do modo de produção capitalista está inserida na revalorização deste setor como fruto da concorrência global imposta pela mundialização do capital. Vale mencionar que a circulação de mercadorias redefine os usos do território e, consequentemente na sua reestruturação. A atividade de transporte e armazenamento tornam-se vias essenciais de uma economia cada vez mais financeirizada/rentista.

 

A agroindústria 4.0 é, portanto, o modo de produção que controla, subordina e institui a lógica de uma nova acumulação que impacta a natureza, os territórios e os mundos do trabalho e que é um todo sinergético de elos potenciais de produção de riqueza e de acumulação. A classe capitalista transnacional apostou nos processos que foram externalizados pelas empresas com o avanço das terceirizações e da desregulamentação.

 

Com isso esses setores potencializam a cadeia de valor modernizando tecnologicamente seus procedimentos e técnicas e, mais uma vez impactando na organização do trabalho e como este é controlado, empregado e remunerado. A agenda exportadora de commodities que impacta decisivamente nosso processo de desindustrialização e reprimarização, tem implicações decisivas sobre a categoria trabalho com a “crescente força-de-trabalho supérflua” como apontou István Mészáros em seu livro Para além do capital[xxvi].

 

O comportamento do mercado mundial é a expressão de um movimento de reestruturação permanente que reestrutura suas coordenadas e que garante o processo de circulação que está profundamente ligado com o fato dos EUA não terem mais condições de expandir a fronteira agrícola em seu território desde o segundo semestre de 2018 de acordo com dados da USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), tornando o Brasil o país região com essa capacidade e chegando à condição de maior produtor de soja do planeta[xxvii].

 

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/2019.

 

Os fluxos de mercadorias são uma externalização do espaço e do tempo e da atualização das relações capitalistas de produção. Neste sentido, ao falar de agroindústria 4.0 a logística é mais um dos elos que representam a presença dos capitais transnacionais, que ampliam unidades de produção, processamento e logística a partir de novos empreendimentos em novas áreas com o intuito de conectar as atividades em espaços geograficamente dispersos. A inserção de novas tecnologias no transporte e no armazenamento, o que determina também uma nova divisão social e técnica do trabalho que mescla novas e velhas formas fruto, também, de um desenvolvimento desigual e combinado sob o comando do novo market share (fatia de mercado) de empresas transnacionais. Tradings como a Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, ADM e Bayer focam na oferta dos países produtores e se organizam a fim de investir estruturar e controlar elos fundamentais dessa cadeia de negócios. Essa nova engenharia de negócios provoca uma mudança qualitativamente radical, mas que não corresponde apenas à “inovação” como também se vale do contexto sócio-histórico das regiões em que atuam.

 

Como bem situou Harvey, “A produção do espaço, a organização de divisões territoriais de trabalho completamente novas, a abertura de complexos recursos novos e mais baratos e de novos espaços dinâmicos de acumulação de capital, além da penetração de formações sociais preexistentes por relações sociais e arranjos institucionais capitalistas (como regras contratuais e acordos de propriedade privada), são algumas das maneiras de absorver capital e trabalho excedentes. Expansões, reorganizações e reconstruções geográficas, entretanto, em geral, ameaçam os valores fixados no lugar, mas ainda não realizado em outros lugares”[xxviii].

 

As condições de circulação são tão importantes quanto as condições de produção. O transporte e o armazenamento se tornaram uma das vias de objetivação da riqueza e da acumulação na medida em que é a responsável pela fluidez no processo. Desta forma este setor passa a ser frequentemente monetizado e inserido no campo das relações financeirizadas e no campo de atuação do capital transnacional.

 

A Amazônia Legal como território de expansão da fronteira agrícola monocultora e minerária representa uma Zona Especial de Intensa Acumulação como resultado do avanço do capital que exige constantemente a ampliação e a modernização das infraestruturas. Sob este mote, a classe capitalista transnacional arremata as concessões de ferrovias, rodovias e aeroportos porque dominam a importância da circulação para a realização do capital. A eficiência de uma rede de transportes, armazenamento e comunicação são os elementos que exigem permanentemente atualização tecnológica contribuindo também este setor para a espacialização produtiva dos lugares e para a divisão territorial do trabalho.

 

A articulação, fluidez, estruturação e organização dos territórios nos permite compreender a formação das ZEIAS (Zonas Específicas de Intensa Acumulação) como parte especialização e espacialização produtivas dos lugares e sua inserção subordinada aos interesses do mercado mundial controlado pela classe capitalista transnacional resultado da nova engenharia do sistema do capital e suas crises que encontra na mobilidade global e na efetivação de novos circuitos globalizados de produção, de acumulação e de integração funcional na produção e distribuição.  As principais corporações transnacionais do mundo, como muito bem pontua William Robinson[xxix], introduzem as cadeias de produção locais nas complexas redes transnacionais.

 

Neste sentido fica registrado também a necessidade de compreensão dos chamados Espaços Globais conforme nos chama a atenção Juan Manuel Sandoval Palácios: “Considero que los Espacios Globales emergen o se producen sobre espacios que previamente han sido claves para las fases anteriores del desarrollo del capitalismo.

 

Por sus características históricas y geográficas, ciertas zonas del planeta son claves para la intensa acumulación global, puesto que previamente han sido zonas que se han producido mediante un desarrollo geográfico desigual, producto de la diversificación, la innovación y la competencia, principalmente durante la fase anterior del capitalismo mundial para beneficiar la acumulación capitalista y por procesos de expansión geográfica del capital, como apunta Harvey (2006a). Y la frontera México-Estados Unidos, así como otras regiones del Continente Americano (el Istmo centroamericano, la Cuenca del Caribe, la Amazonía, la Cuenca de la Plata, los Andes y la Patagonia) se han desarrollado de esta forma”[xxx].

 

Neste sentido pontua que nos espaços globais capitais transnacionais e nacionais coexistem e se reproduzem em certos setores coordenados e integrados muitas vezes alimentando horizontalmente e verticalmente a cadeia de valor e seus investidores postados hierarquicamente pelo seu poder global e sua capacidade financeira.

 

O crescimento do maquinário informacional-digital nos elos da cadeia global do agro há uma ampliação exponencial do trabalho morto que amplia, também, seu domínio sobre o trabalho vivo, subsunção real do trabalho ao capital. É a informatização com informalização e drástica diminuição das formas de empregos garantidoras de direitos. A classe trabalhadora segue cada vez mais segmentada, heterogênea em franco processo de corrosão e retrocessos de seus direitos.

 

O capitalismo plataformizado tem especial papel na desantropomorfização do trabalho (Lukács) ou, como destaca Ursula Huws[xxxi] “outras formas e modalidades de precarização” responsável pela geração do cybertariado, que corresponde a uma nova força de trabalho global que mescla intensamente “informatização” com “informalização” e que inevitavelmente vilipendia as relações de trabalho exemplificado na invasão do tempo de trabalho no tempo de vida como destacou Ricardo Antunes em seu livro “O privilégio da servidão”. Antunes deixa também evidente que reside um elemento ontológico fundamental nesta relação: sem alguma forma de trabalho humano, o capital não se reproduz, porque as máquinas não criam valor, mas o potencializa[xxxii].

 

A expansão do capitalismo sobre a agricultura tem como mote o salto tecnológico da Agroindústria 4.0 e significa a ampliação dos processos produtivos cada vez mais automatizados e robotizados em toda a cadeia de valor, de modo que a logística é mais um elo concernente deste metabolismo antissocial do capital.

 

- Fabiana Scoleso é professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

 

Publicado originalmente no Boletim Maria Antonia, USP, Ano 2 nº 22/2021.

 

Notas

 

[i] https://agronoticia.com.br/noticia/10826/agropecuaria-foi-o-unico-setor-que-cresceu-no-pib-de-2020-entenda.html Ver também https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2021/07/05/para-fao-e-ocde-brasil-elevara-seu-peso-como-produtor-de-alimentos.ghtml

[ii] Para o conteúdo completo do relatório acessar http://www.fao.org/3/cb5332en/cb5332en.pdf

[iii] De acordo com o IBGE a Amazônia Legal corresponde à área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM delimitada em consonância ao Art. 2o da Lei Complementar n. 124, de 03.01.2007. A região é composta por 772 municípios distribuídos da seguinte forma: 52 municípios de Rondônia, 22 municípios do Acre, 62 do Amazonas, 15 de Roraima, 144 do Pará, 16 do Amapá, 139 do Tocantins, 141 do Mato Grosso, bem como, por 181 Municípios do Estado do Maranhão situados ao oeste do Meridiano 44º, dos quais, 21 deles, estão parcialmente integrados na Amazônia Legal. Possui uma superfície aproximada de 5.015.067,75 km², correspondente a cerca de 58,9% do território brasileiro. https://ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/vegetacao/15819-amazonia-legal.html?=&t=o-que-e

[iv] https://seucreditodigital.com.br/brasil-ja-possui-283-logtechs-startups-do-setor-de-logistica/

[v] https://www.ndb.i

[vi] https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2021/06/29/bb-e-banco-dos-brics-financiarao-armazens.ghtml

[vii] https://fdr.com.br/2021/04/12/taxa-de-desemprego-no-brasil-tem-resultado-preocupante-e-promete-crise/

[viii] DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: estado e industrialização no Brasil – 1930/1960. 2 ed. Rio de Janeiro:

[ix] http://www.revistasep.org.br/index.php/SEP/article/view/84

[x] https://www.opresente.com.br/politica/ccj-conclui-votacao-de-projeto-sobre-demarcacao-de-terras-indigenas/ Ver também https://vocativo.com/sem-categoria/stf-comeca-julgamento-do-seculo-sobre-terras-indigenas/

[xi] SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019.

[xii] Para mais ver https://publicacoes.agb.org.br/index.php/terralivre/article/view/206/190

[xiii] HARVEY, David. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo, 2020. p.285.

[xiv] Conforme teorizado pelo professor Juan Manuel Sandoval Palácios em seu texto http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/13240/7335

[xv] B3 (estilizado como [B]³ em referência às letras iniciais de Brasil, Bolsa, Balcão) é a bolsa de valores oficial do Brasil, sediada na cidade de São Paulo. Em 2017, era a quinta maior bolsa de mercado de capitais e financeiro do mundo, com patrimônio de 13 bilhões de dólares.

[xvi]https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/04/05/governo-preve-leiloar-nesta-semana-22-aeroportos-1-ferrovia-e-5-terminais-portuarios.ghtml

[xvii] https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/noticias/anac-aprova-edital-de-concessao-dos-aeroportos-da-6a-rodada

[xviii] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/04/07/leilao-aeroportos-governo-federal.htm

[xix] Amaggi é uma trading brasileira de propriedade de Lucia Borges Maggi, seu filho Blairo Maggi e suas quatro irmãs, uma herança construída em família junto ao patriarca André Antonio Maggi. Sediada em Cuiabá, atualmente é uma das empresas líderes do Agronegócio na América Latina e com atuação em 7 países. Além de trading a companhia tem ramificação nas áreas de sementes, transporte fluvial, beneficiamento de soja, geração de energia e na área financeira.

[xx] A LDC é uma comercializadora e processadora global de produtos agrícolas.

[xxi] A Cargill oferece serviços e produtos alimentícios, agrícolas, financeiros e industriais ao mundo.

[xxii] A Archer Daniels Midland Company é um conglomerado com base em Decatur, Illinois. ADM opera mais de 270 fábricas em todo o mundo, onde grãos de cereais e plantas oleaginosas são transformadas em inúmeros produtos utilizados na alimentação, bebidas, indústrias e forragem animal para mercados em todo o mundo.

[xxiii] Para mais ver https://www.bemmaisbrasilia.com/o-mercado-de-logistica-de-terceiros-3pl-no-brasil-crescera-522-bilhoes-de-dolares-mais-de-17-000-relatorio-de-pesquisa-technavio/

[xxiv] https://www.bunge.com.br/Imprensa/Noticia.aspx?id=1323

[xxv] https://forbes.com.br/forbes-money/2021/06/amaggi-dreyfus-cargill-adm-e-tip-bank-se-unem-em-empresa-de-logistica/

[xxvi] MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2006.

[xxvii] https://6minutos.uol.com.br/agencia-estado/brasil-retoma-posto-de-maior-produtor-de-soja-do-planeta/#:~:text=Brasil%20supera%20EUA%20e%20retoma%20posto%20de%20maior,se%20encerra%20neste%20ano%2C%202%2C5%25%20acima%20de%202019.

[xxviii] HARVEY, David. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 285.

[xxix] ROBINSON, W. I. Conflictos transnacionales: centroamérica, cambio social y globalización. San Salvador: UCA Editores, 2011. p. 173.

[xxx] PALÁCIOS, Juan Manuel Sandoval. La”megarregión Arizona-Sonora como Zona Específica de Intensa Acumulación (ZEIA) en el espacio global para la expansión del capital transnacional de la frontera México-Estados Unidos. Revista Pós Ciências Sociais, v. 16, n. 32, 2019. p. 26.

[xxxi] http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/854-ursula-huws

[xxxii] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviço na era digital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

 

30/07/2021

https://aterraeredonda.com.br/a-agroindustria-4-0-e-o-capital-transnacional/?doing_wp_cron=1627658537.7991960048675537109375

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/213279

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