A história de mulheres indígenas de MG que foram à Brasília contra o marco temporal
Três mulheres indígenas das etnias Pankararu, Kiriri e Pataxó, que estiveram presentes no acampamento indígena “Luta Pela Vida”: elas pedem que seus direitos sejam garantidos.
- Opinión
O Supremo Tribunal Federal retoma, nesta quarta (1), o julgamento sobre a questão do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira (26). Ainda na quinta, o presidente da Corte, Luiz Fux, confirmou que o caso seria retomado como primeiro item da pauta por se tratar de um assunto “muito importante”, com decisão nesta semana ou nos “dias subsequentes”.
Esse entendimento, caso julgado válido pelos ministros do STF, pode repercutir em demarcações de terras em todo o país. E contra isso, mais de 5 mil indígenas de 176 etnias acampam em Brasília desde 23 de agosto. Um fato histórico da resistência indígena de nossos tempos.
O Brasil de Fato MG conversou com três mulheres indígenas das etnias Pankararu, Kiriri e Pataxó, que estiveram presentes no acampamento indígena “Luta Pela Vida”. Elas são mães, avós, esposas, trabalhadoras que pedem que seus direitos sejam garantidos para que sua vida cotidiana possa transcorrer como a de outras brasileiras.
Toá Kãnynã Pankararu
Seu nome significa cobra protetora das pedras brancas. Toá Kãnynã Pankararu é mãe de três filhas, tem uma neta e mora na Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, município de Araçuaí (MG). Mas Toá e seus parentes são de outro lugar: “Os Pankararu perderam o seu território de origem em Pernambuco. Como faz parte da história de agressão aos povos indígenas, meu povo perdeu muito território e por isso eu estou aqui, morando em Minas Gerais”, conta.
O povo Pankararu chegou a Minas há 50 anos, e há 30 anos se estabeleceram onde hoje é a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, junto ao povo Pataxó, à margem direita do Rio Jequitinhonha.
Hoje Toá é artesã, permacultora e formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais. Seu nome em português é Cleonice Maria da Silva. É uma das fundadoras da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), criada em 1995, e sempre esteve na luta pelos direitos indígenas.
Toá Kãnynã Pankararu esteve no acampamento em Brasília do dia 23 ao dia 27 de agosto. “Estamos em um momento muito crítico. Nós temos uma pandemia de covid-19, e uma epidemia de covarde 17”, brinca, se referindo ao número do partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu. E completa falando muito sério:
“Hoje nossos territórios estão sendo invadidos. O povo Yanomami morrendo de fome. Criança morrendo de desnutrição, enquanto o ouro das terras deles está na bolsa de valores sendo negociado pelos bancos. Madeireiras desmatando nossos territórios, secando nossas nascentes, matando os nossos rios e isso desde sempre. São 521 anos que a gente está defendendo essa terra”, diz. “Nós lutamos contra a morte desde sempre. Desde que nosso país foi invadido”.
Toá defende que a participação no acampamento e as lutas por direitos são uma missão da mulher indígena, que está constantemente na linha de frente. “Nós pensamos no futuro dos nossos netos, bisnetos, e queremos um país bom pra todos. Nosso planeta, nossa mãe Terra... temos que lutar por ela”.
Cacica Apinaera Pataxó
A Cacica Apinaera Pataxó da Aldeia Encontro das Águas, em Carmésia (MG), também se engaja na luta há muito tempo, em verdade, desde os 17 anos de idade. Se engajou na luta pela conquista da terra onde hoje é a aldeia Encontro das Águas, em 1984, onde se tornou liderança. “Gosto de liderar meu povo com muito respeito, muito amor e também eles me respeitam e vivemos num grupo familiar”, conta a cacica.
A aldeia teve a terra demarcada, mas a luta não parou. A atual retirada de direitos coloca a todos os indígenas em estado de preocupação, como conta a cacica.
“Era pra gente ter um direito adquirido sem ter esse pavor, essa preocupação. Ir trabalhar, buscar o nosso sustento, dormir, levantar, amanhecer com a nossa comunidade, fazendo as nossas atividades da vida cotidiana sem pensar que lá fora os grandes políticos estão fazendo essa maldade conosco”, fala a Cacica Apinaera Pataxó.
“Peço apelo a todos que forem a favor da causa indígena, nos ajude”, completa a cacica.
Carliusa Francisca Ramos da etnia Kiriri
Do Sul de Minas Gerais, Carliusa Francisca Ramos também saiu rumo à Brasília. Os representantes da Aldeia Ibariramã Kiriri do Acre, de Caldas (MG), conseguiram participar da luta com o apoio de uma campanha na cidade para arrecadação de recursos. “Todos nos ajudaram. Conseguimos ficar no acampamento por 5 dias”, conta.
Carliusa é diretora da escola da aldeia, do ensino infantil ao ensino médio, e é também esposa do Cacique Adenilson de França Santos. Os integrantes da Aldeia Ibariramã Kiriri, que são hoje em torno de 65 pessoas, são da Bahia, mas conseguiram se instalar em terras mineiras através de um Projeto de Lei da deputada estadual Andreia de Jesus (PSOL).
O receio de Carliusa, assim como dos indígenas pelo país, é que o PL 490 e o marco temporal parem a demarcação de terras indígenas no Brasil. Apesar de ter seu território demarcado, Carliusa teme pelas outras aldeias.
“Fomos à Brasília junto com nossos parceiros indígenas porque a luta é de todos os povos indígenas, e em defesa da nossa mãe natureza”, defende.
Nesta quarta-feira (1), quando ocorre a continuação do julgamento no Supremo Tribunal Federal, Carliusa e o povo da Aldeia Ibariramã Kiriri do Acre não estarão em Brasília, mas nem por isso deixarão de se engajar.
“Vamos fazer um ritual na nossa comunidade para reforçar os indígenas que ficaram lá, nossos parentes. Vamos fazer nossas orações e pedir força a nossos encantados pra que isso não seja aprovado. Estamos juntos na luta. A luta indígena não é só de um ou dois indígenas, é de todos os indígenas”, conclama.
Marcha das Mulheres Indígenas
E a luta realmente não pára. Carliusa e mais 10 mulheres da aldeia voltam logo mais à Brasília, em 7 de setembro, e ficam até 11 de setembro. Elas participarão da Marcha das Mulheres Indígenas, mobilização que vai envolver milhares de mulheres indígenas de todo o país.
Edição: Elis Almeida
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