O Banco Mundial e o FMI reconhecem distância entre o Norte e o Sul

De acordo com Kose, as economias emergentes e em desenvolvimento não foram capazes de responder à pandemia com medidas fiscais e monetárias tão importantes quanto as instauradas pelas economias avançadas, e várias delas já foram forçadas a retirar suas medidas de estímulo.

16/02/2022
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O Banco Mundial, em janeiro de 2022, avisou que os países «em desenvolvimento» ficarão ainda mais atrás do mundo rico enquanto já estavam penando para se recuperar do impacto econômico da pandemia devido à propagação das variantes do coronavírus e à sua limitada capacidade de implementar medidas de estímulo. Em uma nova previsão econômica divulgada na terça-feira 11 de janeiro de 2022, o Banco Mundial anunciou esperar que a economia global experimente uma recuperação em duas velocidades em 2022, alimentando o aumento da desigualdade. Enquanto, segundo o Banco Mundial, a produção nos países ricos voltará aos níveis pré-pandemia em 2023, a produção nos países «em desenvolvimento» permanecerá em média 4 % abaixo do seu nível antes da pandemia. Segundo o Banco, a fraqueza da recuperação do impacto do coronavírus será particularmente severa nos países mais vulneráveis; no próximo ano, a produção nos «países frágeis e afetados por conflitos e nos pequenos estados insulares ainda estará 7,5-8,5 %» abaixo de seu nível pré-pandemia.

 

David Malpass, presidente do Banco Mundial, declarou que existe um fosso entre as taxas de crescimento dos países ricos e dos países pobres. Enquanto a renda per capita cresceu 5 % no ano passado nas economias avançadas, ela cresceu apenas 0,5 % nos países de baixa renda, disse ele. «Estamos indo na direção oposta do que se desejaria para um bom desenvolvimento», disse ele. «Temos um grande problema pela frente que pode durar anos».

 

Ayhan Kose, chefe da unidade de previsão econômica do banco, declarou que os países em desenvolvimento enfrentam «uma pletora de riscos» que aumentam a probabilidade de uma aterrissagem brutal, incluindo o surgimento de novas variantes, o aumento da inflação, o estresse do mercado financeiro à medida que as taxas de juros subam e os desastres relacionados ao clima. Ele pediu uma ação mais agressiva por parte da comunidade global em relação às vacinas, dívidas e mudanças climáticas.

 

De acordo com Kose, as economias emergentes e em desenvolvimento não foram capazes de responder à pandemia com medidas fiscais e monetárias tão importantes quanto as instauradas pelas economias avançadas, e várias delas já foram forçadas a retirar suas medidas de estímulo elevando as taxas de juros para lidar com um aumento da inflação. «Eles fizeram tudo o que podiam, mas está longe do que as economias avançadas foram capazes de fazer», disse ele. Ele acrescentou: «Trata-se de é uma pandemia de desigualdades que terá consequências para gerações».

 

Em particular, ele defendeu uma ação mais ambiciosa para proteger as economias em desenvolvimento contra o vírus. «No caso das vacinas, o problema é muito claro e não tratar dele tem consequências», disse ele. «Estamos fingindo que podemos superar a pandemia sem vacinar grandes populações em todo o mundo. Isso não é verdade».

 

O aviso do Banco Mundial ecoa apelos similares lançados por outras instituições mundiais. Rebeca Grynspan, secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), disse que a distribuição de vacinas em todo o mundo tem sido «péssima e irracional», com economias avançadas fechando acordos de fornecimento ultrapassando em 3 bilhões de doses de vacinas as necessárias para suas próprias populações – quase o suficiente para fornecer duas doses para toda a África. «O custo da pandemia está crescendo além de tudo o que já vimos antes, e não apenas em termos de dívidas e da saúde de milhões de cidadãos», disse ela. Ela acrescentou que a disseminação de novas variantes «já está afetando a recuperação e corroendo a legitimidade dos governos e das instituições democráticas em todo o mundo… Se não encontrarmos a vontade política e o espaço para negociação, infelizmente a realidade nos levará a resultados muito ruins» [1].

 

Em 2021, Kristalina Georgieva, diretora administrativa do FMI, advertiu que o mundo estava «enfrentando uma piora na recuperação a duas velocidades», devido às diferenças na disponibilidade de vacinas, taxas de infecção e a capacidade variável dos países de fornecer apoio político. Chamou este «um momento crítico que requer ação urgente por parte do G20 e dos formuladores de políticas».

 

Os avisos emitidos pelo Banco Mundial e pelo FMI são fundamentados, mas a autocrítica está totalmente ausente. Além disso, estas duas instituições não mudam em nada suas políticas concretas: elas continuam a recomendar a continuação das políticas neoliberais, as mesmas que levaram ao desastre atual.

 

O final de 2021 e o início de 2022 são marcados por aumentos muito fortes nos preços da energia. Isto começou a provocar motins, como no Cazaquistão em janeiro de 2022. Com o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis imposto pelos programas de ajuste estrutural e apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial, as pessoas estão enfrentando enormes dificuldades para aquecer suas casas onde for necessário ou para cozinhar alimentos, ferver água e torná-la potável.

 

Governos e grandes instituições multilaterais como o Banco Mundial, FMI e bancos regionais de desenvolvimento têm usado o pagamento da dívida pública como uma ferramenta para as políticas gerais que têm deteriorado os sistemas de saúde pública. Isto os tornou muito mais vulneráveis a pandemias como o coronavírus.

 

Antes mesmo do surto da epidemia de Covid-19, essas políticas já haviam resultado em enormes perdas de vidas humanas e os trabalhadores da saúde em todo o mundo haviam organizado protestos.

 

Se queríamos ter condições de combater o coronavírus e melhorar a saúde e as condições de vida das pessoas, teríamos que tomar medidas urgentes. A suspensão imediata dos pagamentos da dívida e, melhor ainda, seu cancelamento deveria ter sido uma prioridade.

 

Entretanto, nem o Banco Mundial nem o FMI cancelaram nenhuma dívida desde o início da pandemia do coronavírus. Ambas as instituições têm feito muitas declarações para dar a impressão de que estavam tomando medidas muito fortes. Isto é totalmente falso. O mecanismo de suspensão do serviço da dívida criado pelo FMI, o Banco Mundial e o G20 em abril de 2020 é muito semelhante ao mecanismo criado após o tsunami na Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Indonésia em dezembro de 2004. Ao invés de cancelamento, os credores públicos estão simplesmente adiando os prazos. É importante notar que os credores privados não são obrigados a fazer nenhum esforço. Quanto ao FMI, ele não interrompe o reembolso, nem mesmo o suspende. Criou um fundo especial que é alimentado por países ricos e do qual o FMI retira para pagar a si mesmo.

 

Pior ainda, desde março de 2020, o FMI prorrogou acordos de empréstimo que envolvem a continuação de medidas neoliberais e de austeridade. O mecanismo de suspensão do serviço da dívida estabelecido pelo FMI, o Banco Mundial e o G20 em abril de 2020 é muito semelhante ao mecanismo estabelecido após o tsunami na Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Indonésia em dezembro de 2004.

 

Quanto ao Banco Mundial, entre março de 2020 e abril de 2021, ele recebeu mais reembolsos dos países «em desenvolvimento» do que concedeu financiamentos, seja na forma de doações ou empréstimos.

 

Em 2021, diante da crise internacional e da pandemia, o CADTM internacional participou na iniciativa de um Manifesto «Acabemos com o sistema privado de patentes!», que recebeu uma forte resposta internacional: Lista das primeiras 360 assinaturas de pessoas que apoiam o Manifesto Fim do Sistema Privado de Patentes! #FREECOVIDPATENTES. Mais de 250 organizações também são signatárias internacionalmente.

 

Para combater as crescentes desigualdades e enfrentar a pandemia de coronavírus, a rede internacional CADTM e os signatários do manifesto promovido pela CADTM apelam para:

  1. A suspensão das patentes privadas sobre todas as tecnologias, conhecimentos, tratamentos e vacinas relacionados à Covid-19;
  2. A eliminação dos segredos comerciais e publicação de informações sobre custos de produção e investimentos públicos utilizados, de forma clara e acessível ao público;
  3. A transparência e controle público em todas as etapas do desenvolvimento de vacinas;
  4. O acesso universal, livre e gratuito à vacinação e tratamento;
  5. A expropriação e a socialização sob controle cidadão da indústria farmacêutica privada como base para um sistema de saúde pública universal que promove a produção de tratamentos genéricos e medicamentos;
  6. O aumento dos investimentos públicos e dos orçamentos destinados às políticas de saúde pública e de assistência comunitária, incluindo um aumento nas contratações, salários e melhores condições de trabalho para o pessoal desses setores;
  7. A introdução de taxas sobre a riqueza (riqueza e renda dos 1 % mais ricos) para financiar a luta contra a pandemia e assegurar uma saída socialmente justa e ecologicamente sustentável das diversas crises do capitalismo global;
  8. A suspensão do pagamento de dívidas durante a duração da pandemia e o cancelamento de dívidas ilegítimas e aquelas contraídas para financiar a luta contra o vírus.

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Em toda parte do planeta, o «sistema dívida» acentua as desigualdades. Embora os contextos sejam diferentes, o mecanismo é semelhante no Norte e no Sul: os estados sobreendividados são estrangulados por reembolsos insustentáveis e colocados sob o controle dos credores.

 

As soluções impostas no Sul e no Norte são idênticas: planos de ajuste estrutural ali, políticas de austeridade aqui, privatizações, submissão sistemática da natureza e medidas antissociais em toda parte. Para que os povos se libertem da tutela dos credores, o CADTM defende o cancelamento de todas as dívidas identificadas como ilegítimas, ilegais, insustentáveis ou odiosas com base em auditorias que esclareçam sua origem e identifiquem a parte que não deve ser honrada por não ter beneficiado a população.

 

A mobilização dos cidadãos é a pedra angular fundamental das mudanças que o CADTM pretende promover. Uma de suas estratégias para alimentá-la consiste em fortalecer as organizações membros de sua rede internacional e, ao mesmo tempo, desenvolver sinergias com as redes que trabalham com a dívida e suas colaborações com outros movimentos sociais para que integrem a questão da dívida e a exigência de seu cancelamento em sua agenda política. Deve-se notar que, aos olhos do CADTM, o cancelamento de todas as dívidas ilegítimas não é um fim em si mesmo. É antes um meio, uma condição necessária mas não suficiente para a construção de um mundo que permita a consagração universal dos direitos humanos fundamentais, a emancipação social e o respeito à natureza.


Tradução: Alain Geffrouais

https://www.alainet.org/pt/articulo/214939
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