Um desafio para o Papa Francisco: assumir plenamente a humanidade

07/09/2013
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Como comentário a uma entrevista que dei ao jornal La Libre Belgique de 9 de agosto de 2013, um leitor (Marc Den Doncker) escreveu estas palavras que considero dignas de serem refletidas. Ai diz ele:
 
“O bom Papa Francisco anuncia francamente uma revolução na linha de uma humanidade mais plenamente humana. Ele diz: ’se alguém é um homosexual que procura Deus e é de boa vontade, quem sou eu para julgá-lo’? Pode bem ser que em algum tempo, o Papa expressará amor por uma pessoa homosexual que não procura necessariamente Deus mas que é malgrado tudo, alguém de boa vontade. Aí estaria a influência do Espírito Santo”. Continua o comentário:
 
“Pode bem ser que, em algum tempo, o bom Papa Francisco, refletirá bem no fundo de seu coração sobre uma pobre mulher que se perfura com uma agulha de tricotar para se livrar de um feto, fruto de um violento estupro, porque já não aguenta mais e se encontra desesperada. Pode bem ser que o bom Deus, em algum tempo, em sua infinita bondade, fará o bom Papa entender a situação desesperadora desta mulher que tomada de profunda perturbação deseja morrer. Pode bem ser que o bom Deus, em sua infinita bondade, compreenderá que um casal que decidiu não ter mais filhos, utilize tranquilamente a pílula. Pode bem ser que o bom Deus, em sua infinita bondade, suscitará a consciência de que a mulher goza da mesma igualdade e dignidade que o homem”.
 
“Dilacero-me interiormente” - prosegue o comentarista – “porque a vida nos dá dia após dia uma abundância espantosa de fatos trágicos. Face a esta situação real, estaria a Igreja pronta para deslizar por um caminho escorregadio mas na direção de uma humanidade, enfim, plenamente assumida, animada pelo Espírito Santo que não tem nada a ver com princípios e casuismos que acabam matando o amor ao próximo? É preciso esperar”. Sim, confiantes, esperaremos.
 
De fato, não poucas autoridades eclesiásticas, Papas, cardeais, bispos e padres, com dignas excessões, perderam, em grande parte, o bom senso das coisas, esqueceram da imagem do Deus de Jesus Cristo, chamado docemente de Abba, Paizinho querido. Esse seu Deus mostrou dimensões maternas ao esperar o filho estraviado pelo vício, ao procurer a moeda perdida na casa e ao recolher sob suas asas as pessoas como o faz a galinha com seus pintainhos. Sua característica principal é o amor incondicional e a misericórida sem limites pois “Ele ama os ingratos e maus e dá o sol e a chuva aos bons e aos maus” como nos dizem os Evangelhos.
 
Para Jesus não basta ser bom como o filho fiel que ficou na casa do pai e seguia todas as suas ordens. Precisamos ser compassivos e misericordiosos com os que caem e ficam perdidos nas estradas. O único que Jesus criticou foi esse filho bom mas que não teve compaixão e não soube acolher o irmão que estava perdido mas que voltou para casa.
 
O Papa Francisco em sua fala aos bispos no Rio cobrou-lhes uma “revolução da ternura” e a capacidade ilimitada de compreensão e de misericórida.
 
Seguramente muitos bispos e padres devem estar em crise e são urgidos a enfrentar este desafio da “revolução da ternura”. Devem mudar radicalmente o estilo de relação para com o povo: nada burocrático e frio mas caloroso, simples e carregado de enternecimento.
 
Este era o estilo do bom Papa João XXIII. Há um fato curioso que revela como entendia as doutrinas e a importância do encontro cordial com as pessoas. O que conta mais: o amor ou a lei? Os dogmas ou o encontro cordial?
 
Giuseppe Alberigo, leigo de Bologna, extremamente erudito e comprometido com a renovação da Igreja, foi um dos maiores historiadores do Concílio Vaticano II (1962-1965). Seu grande mérito foi ter publicado uma edição crítica de todos os textos doutrinários oficiais dos Papas e dos Concílos desde os primórdios do Cristianismo: o Conciliorum Oecumenicorum Decreta. Ele mesmo conta no Il Corriere di Bologna que em 16 de junho de 1967 viajou, orgulhoso, a Roma para fazer a entrega solene ao Papa João XXIII do volumoso livro. João XXII gentilmente tomou o livro em suas mãos, sentou-se em sua cadeira pontifícia e tranquilamente colocou o volume no chão. E pôs ambos os pés em cima do famoso volume.
 
É um ato simbólico. Tudo bem que haja doutrinas e dogmas. Existem para sustentar a fé não para inibi-la ou servir de instrumento de enquandramento de todos e de condenação.
 
Pode bem ser que o bom Papa Francisco se anime a fazer algo parecido, especialmente com referência ao Direito Canônico e a outros textos oficiais do Magistério que pouco ajudam os fiéis. Em primeiro lugar vem a fé, o amor, o encontro espiritual e a criação de esperança para uma humanidade atordoado por tantas decepções e crises. Depois as doutrinas. Oxalá o bom Deus, em sua infinita bondade, conduza o Papa Francisco nesta direção corajosa e simples.
 
(Para os que quiserem veriificar a informação acima, deixo aqui a fonte de referência: Alberto Melloni: Introdução ao livro: Ângelo Giseuppe Roncali, Giovanni XXIII. Agende del Pontefice 1958-1963. Instituto per le Scienze Religiose, Bologna 1978 p. VII).
 
- Leonardo Boff é Teólogo e Filósofo
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/79149
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