Negociações para acordo entre Mercosul e União Europeia: decisões-chave
15/01/2014
- Opinión
A transcendência das negociações em curso para a assinatura de um acordo de liberalização econômica e comercial entre Mercosul e União Europeia (UE) requer que estas sejam conhecidas de forma ampla e postas em debate público. Devem ser eliminados sem mais demora os níveis de confidencialidade exigidos hoje pelos negociantes europeus e contraditoriamente defendidos como “compreensíveis” pelos porta-vozes do establishment local que não temem criticar publicamente (ou cinicamente) “a falta de transparência” ou reclamar “maior controle democrático da gestão pública”. Existe o perigo de aceitar uma negociação a portas fechadas para em seguida, como fato consumado, ser levada à análise pública e parlamentária.
É necessário reconhecer que a negociação Mercosul – UE tem uma enorme importância estratégica. Trata-se de vínculos de sociedades e economias com enormes potencialidades de cooperação e complementação. Não há dúvida de que melhorar e ampliar as relações entre duas regiões tão importantes deve ser um objetivo prioritário com chaves geopolíticas.
De toda forma, um tratado de livre comércio (TLC) com condições semelhantes às que a UE estabeleceu para outros países latino-americanos — por exemplo, os levados adiante recentemente com a Colômbia e o Peru — poderia ser absolutamente contraditório aos propósitos de desenvolvimento econômico independente que os governos têm proclamando reiteradamente e às tantas declarações orgulhosas dos principais líderes da região por terem rejeitado a proposto de um acordo semelhante, a ALCA [Área de Livre-Comércio das Américas], em 2005. Mesmo se o denominarmos com eufemismos tais como “acordos de cooperação econômica”, muitas de suas condições e exigências poderias ser ainda mais severas que as propostas pelo [então] impositivo governo de George W. Bush.
Abrir-se a troco de quê?
É necessário destacar que os aspectos comerciais são apenas um dos capítulos, e, talvez, não o mais importante, das negociações em curso. Ainda sem contar com informação detalhada imprescindível, é possível supor que a UE estaria solicitando que haja um comprometimento para a eliminação recíproca, em curto prazo, dos tributos de mais de 80% do espectro tarifário.
Com toda certeza, ainda que pudesse outorgar algumas concessões e promessas, a UE seguirá mantendo subvenções e protegendo seu setor agrícola. Se privariam, assim, os países do Mercosul do poder de alcançar aquele que seria o benefício comercial esperado mais importante em troca de uma abertura inédita massiva dos mercados locais a uma competição aberta com uma economia mais desenvolvida; sobretudo evidente para muitíssimos produtos industriais. Se repetiria, ainda em grau maior, um cenários de graves descompensações comerciais que hoje observamos na própria Europa por causa das assimetrias entre os países do norte em relação aos do sul e do leste.
De forma enganosa, é comum afirmar que se trataria apenas de uma negociação comercial. Não é assim: a maior parte dos temas em discussão são de caráter estrutural e comprometem o conjunto da economia em aspectos críticos tais como serviços, patentes, propriedade intelectual, compras públicas, investimentos e competição. A eventual provisão do tratamento de “nação mais favorecida” aos países da UE, ainda que fossem incluídas salvaguardas de exceção, tornaria vulneráveis os muito proclamados objetivos de defender e priorizar a diversificação das matrizes produtivas. Para isso se requerem estratégias e políticas públicas elementares de desenvolvimento, utilizadas historicamente também pelos países europeus, através da substituição de importações, [e de] priorizar a compra nacional, dar créditos diferenciados para o desenvolvimento de regiões ou setores mais desfavorecidos. O futuro de nossos países pode ser completamente comprometido por uma má negociação.
Nesse meio tempo, as exigências desse tipo de acordo, de inibir decisões soberanas independentes para introduzir mudanças legislativas, tarifárias, financeiras ou impositivas, vulnerariam a capacidade elementar de nossos países de reordenar, ponderar, realocar excedentes, priorizar a integração com a América Latina e realocar as rendas diferenciais obtidas pela exportação de recursos agropecuários, de mineração e energia.
É necessário reconhecer que a negociação Mercosul – UE tem uma enorme importância estratégica. Trata-se de vínculos de sociedades e economias com enormes potencialidades de cooperação e complementação. Não há dúvida de que melhorar e ampliar as relações entre duas regiões tão importantes deve ser um objetivo prioritário com chaves geopolíticas.
De toda forma, um tratado de livre comércio (TLC) com condições semelhantes às que a UE estabeleceu para outros países latino-americanos — por exemplo, os levados adiante recentemente com a Colômbia e o Peru — poderia ser absolutamente contraditório aos propósitos de desenvolvimento econômico independente que os governos têm proclamando reiteradamente e às tantas declarações orgulhosas dos principais líderes da região por terem rejeitado a proposto de um acordo semelhante, a ALCA [Área de Livre-Comércio das Américas], em 2005. Mesmo se o denominarmos com eufemismos tais como “acordos de cooperação econômica”, muitas de suas condições e exigências poderias ser ainda mais severas que as propostas pelo [então] impositivo governo de George W. Bush.
Abrir-se a troco de quê?
É necessário destacar que os aspectos comerciais são apenas um dos capítulos, e, talvez, não o mais importante, das negociações em curso. Ainda sem contar com informação detalhada imprescindível, é possível supor que a UE estaria solicitando que haja um comprometimento para a eliminação recíproca, em curto prazo, dos tributos de mais de 80% do espectro tarifário.
Com toda certeza, ainda que pudesse outorgar algumas concessões e promessas, a UE seguirá mantendo subvenções e protegendo seu setor agrícola. Se privariam, assim, os países do Mercosul do poder de alcançar aquele que seria o benefício comercial esperado mais importante em troca de uma abertura inédita massiva dos mercados locais a uma competição aberta com uma economia mais desenvolvida; sobretudo evidente para muitíssimos produtos industriais. Se repetiria, ainda em grau maior, um cenários de graves descompensações comerciais que hoje observamos na própria Europa por causa das assimetrias entre os países do norte em relação aos do sul e do leste.
De forma enganosa, é comum afirmar que se trataria apenas de uma negociação comercial. Não é assim: a maior parte dos temas em discussão são de caráter estrutural e comprometem o conjunto da economia em aspectos críticos tais como serviços, patentes, propriedade intelectual, compras públicas, investimentos e competição. A eventual provisão do tratamento de “nação mais favorecida” aos países da UE, ainda que fossem incluídas salvaguardas de exceção, tornaria vulneráveis os muito proclamados objetivos de defender e priorizar a diversificação das matrizes produtivas. Para isso se requerem estratégias e políticas públicas elementares de desenvolvimento, utilizadas historicamente também pelos países europeus, através da substituição de importações, [e de] priorizar a compra nacional, dar créditos diferenciados para o desenvolvimento de regiões ou setores mais desfavorecidos. O futuro de nossos países pode ser completamente comprometido por uma má negociação.
Nesse meio tempo, as exigências desse tipo de acordo, de inibir decisões soberanas independentes para introduzir mudanças legislativas, tarifárias, financeiras ou impositivas, vulnerariam a capacidade elementar de nossos países de reordenar, ponderar, realocar excedentes, priorizar a integração com a América Latina e realocar as rendas diferenciais obtidas pela exportação de recursos agropecuários, de mineração e energia.
Onde estão as análises do custo-benefício?
Para poder decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul é imprescindível que os governos, entidades setoriais, partidos e organizações sociais e acadêmicas que proclamam defender o interesse nacional e regional não se deixem levar por enunciações superficiais e se convoque imediatamente a análise séria, tanto geral, como regional e setorial, que inclua pareceres sobre efeitos estruturais de curto e longo prazo e possíveis alternativas.
Imediatamente, é preciso contrapor ultimatismos (Ex.: afirmar que deve negociar agora ou nunca), possíveis manobras (Ex.: eventuais ameaças de propor negociações “multiparte” de maneira independente, tal como se fez com a Comunidade Andina, para romper a unidade do Mercosul) ou a pura e simples distorção da realidade (não esclarecendo que as consequências econômicas reais do término de preferências tarifárias por parte da UE, a partir do próximo 1 de janeiro, serão marginais para a Argentina, o Brasil e o Uruguai podem ser assimiladas pontualmente).
Existem antecedentes internacionais que devem também ser estudados de opções mais equilibradas, para a negociação com a União Europeia e outros países e regiões mais industrializadas, para superar assimetrias.
Não se deve dar continuidade a uma negociação crucial com a União Europeia apenas pelas mãos de um grupo pequeno de “especialistas” e pela pressão de grupos de interesse ou meio de comunicação superficiais ou setorizados por posições ideológicas ou interesses econômicos particulares, como se repetiu ao longo de anos.
José Antonio Ocampo, que foi ministro da Fazenda de seu país, a Colômbia, e secretário-geral da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas) disse, recentemente, que “as negociações internacionais devem ter uma visão estratégica, agora há uma indigestão de TLC, porque assinamos onde nos deu na telha sem estudo suficiente e discussão sobre a sua conveniência”. Que não nos aconteça o mesmo. Por favor, aprendamos com a experiência.
- Jorge Marchini é professor-titular de economia da Universidade de Buenos Aires (UBA), pesquisador do Centro de Investigação e Gestão da Economia Solidária (CIGES), vice-presidente da Fundação para a Integração da América Latina (FILA)
Para poder decidir que tipo de entendimento com a Europa é possível e conveniente para o Mercosul é imprescindível que os governos, entidades setoriais, partidos e organizações sociais e acadêmicas que proclamam defender o interesse nacional e regional não se deixem levar por enunciações superficiais e se convoque imediatamente a análise séria, tanto geral, como regional e setorial, que inclua pareceres sobre efeitos estruturais de curto e longo prazo e possíveis alternativas.
Imediatamente, é preciso contrapor ultimatismos (Ex.: afirmar que deve negociar agora ou nunca), possíveis manobras (Ex.: eventuais ameaças de propor negociações “multiparte” de maneira independente, tal como se fez com a Comunidade Andina, para romper a unidade do Mercosul) ou a pura e simples distorção da realidade (não esclarecendo que as consequências econômicas reais do término de preferências tarifárias por parte da UE, a partir do próximo 1 de janeiro, serão marginais para a Argentina, o Brasil e o Uruguai podem ser assimiladas pontualmente).
Existem antecedentes internacionais que devem também ser estudados de opções mais equilibradas, para a negociação com a União Europeia e outros países e regiões mais industrializadas, para superar assimetrias.
Não se deve dar continuidade a uma negociação crucial com a União Europeia apenas pelas mãos de um grupo pequeno de “especialistas” e pela pressão de grupos de interesse ou meio de comunicação superficiais ou setorizados por posições ideológicas ou interesses econômicos particulares, como se repetiu ao longo de anos.
José Antonio Ocampo, que foi ministro da Fazenda de seu país, a Colômbia, e secretário-geral da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas) disse, recentemente, que “as negociações internacionais devem ter uma visão estratégica, agora há uma indigestão de TLC, porque assinamos onde nos deu na telha sem estudo suficiente e discussão sobre a sua conveniência”. Que não nos aconteça o mesmo. Por favor, aprendamos com a experiência.
- Jorge Marchini é professor-titular de economia da Universidade de Buenos Aires (UBA), pesquisador do Centro de Investigação e Gestão da Economia Solidária (CIGES), vice-presidente da Fundação para a Integração da América Latina (FILA)
https://www.alainet.org/pt/articulo/82347
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