Vivemos tempos de Noé

26/04/2014
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Vivemos tempos de Noé. Pressintindo que viria um dilúvio, o velho Noé convocava as pessoas para mudarem de vida. Mas ninguém o ouvia. A contrário, “comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento até que veio o dilúvio e os fez perecer a todos”(Lc 17,27; Gn 6-9).
 
Os 2000 cientistas do IPCC que estudam o clima da Terra são nossos Noés atuais. O terceiro e último relatório de 13/4/2014 contem grave alerta: temos apenas 15 anos para impedir a ultrapassagem de 2graus C do clima da Terra. Se ultrapassar, conheceremos algo do dilúvio. Ninguém dos 196 chefes de Estado disse qualquer palavra. A grande maioria continua a explorar os bens naturais, negociando, especulando e consumindo sem parar como nos dias de Noé.
 
Entrevejo três graves irresponsabilidades: a geral e a específica e supina ignorância do Congresso norte-americano que vetou todas as medidas contra o aquecimento global; a manifesta má vontade da maioria dos chefes de Estado; e a falta de criatividade para montar as traves de uma possivel Arca salvadora. Como um louco numa sociedade de “sábios” ouso propor algumas premissas. Se algum mérito possuirem, é o de apontarem para um novo paradigma civilizacional que nos poderá dar outro rumo à história. Ei-las:
 
1. Completar a razão instrumental-analítica-científica dominante com a inteligência emocional oucordial. Sem esta não nos comovemos face à devastação da natureza e não nosengajamos para resgatá-la e salvá-la.
 
2. Passar da simples compreensão de Terra como armazém de recursos para a visão da Terra viva, superorganismo vivo que se autoregula, chamado Gaia.
 
3. Entender que, como humanos, somos aquela porção da Terra que sente, pensa e ama, cuja missão é cuidar da natureza.
 
4. Passar do paradigma da conquista/dominação ainda vigente, para o paradigna do cuidado / responsabiidade.
 
5. Entender que a sustentabilidade só será garantida se respeitarmos os direitos da natureza e da Mãe Terra.
 
6. Articular o contrato natural feito com a natureza que supõe a reciprocidade inexistente com o contrato social que supõe a colaboração e inclusão de todos, insuficiente.
 
7. Não existe meio-ambiente mas o ambiente inteiro. O que existe é a comunidade de vida com o mesmo código genético de base estabelecendo um parentesco entre todos.
 
8. Abandonar a obsessão pelo crescimento/ desenvolvimento pela redistribuição da riqueza já acumulada.
 
9. Devemos produzir para atender demandas humanas mas sempre dentro dos limites da Terra e de cada ecossistema.
 
10. Pôr sob controle a voracidade produtivista e a concorrência sem limites em favor da cooperação e da solidariedade pois todos dependemos uns dos outros.
 
11. Superar o individualismo pela colaboração entre todos, pois esta é a lógica suprema do processo de evolução.
 
12. O bem comum humano e natural tem primazia sobre o bem comum particular e corporativo.
 
13. Passar da ética utilitarista e eficientista para a ética do cuidado e da responsabilidade.
 
14. Passar do consumismo individualista para a sobriedade compartida. O que nos sobra, falta aos demais.
 
15. Passar da maximização do crescimento para a otimização da prosperidade a partir dos mais necessitados.
 
16. Ao invés de permanentemente modernizar, ecologizar todos os saberes e processos produtivos visando tutelar os bens e serviços naturais e dar descanço à natureza e à Terra.
 
17. Opor à era do antropoceno que faz do ser humano uma força geofísica destrutiva, pela era ecozóica que ecologiza e inclui todos os seres no grande sistema terrenal e cósmico.
 
18. Valorizar o capital humano/espiritual inexaurível sobre o capital material exaurível porque o primeiro fornece os critérios para as intervenções responsáveis na natureza e alimenta permanentemente os valores humano-espirituais da solidariedade, do cuidado, do amor e da compaixão, bases para uma sociedade com justiça, equidade e respeito à natureza.
 
19. Contra a decepção e a depressão provocadas pelas promessas não cumpridas de bem-estar geral feitas pela cultura do capital, alimentar o princípio-esperança, fonte de fantasia criadora, de novas idéias e de utopias viáveis.
 
20. Crer e testemunhar que, no fim de tudo, o bem triunfará sobre a maldade, a verdade sobre a mentira e o amor sobre a indiferença. Um pouco de luz poderá espancar uma imensidão de trevas.
 
- Leonardo Boff, teólogo e escritor escreveu Opção Terra: a solução da Terra não cai do céu, Record, Rio 2010.
https://www.alainet.org/pt/articulo/85109
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS