Homens e mulheres: novas relações criativas

13/05/2014
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A criatividade é a dinâmica do próprio universo. Seu estado natural não é a estabilidade mas a mutação criativa. Tudo é fruto da criação natural ou humana. A Terra é fruto de uma Energia criadora, misteriosa e carregada de propósito. Um dia, um peixe primitivo, “decidiu”, num ato criador, deixar a água e explorar a terra firme. Desse ato criativo, vieram os anfíbios, em seguida os répteis, depois os dinossauros, por fim os mamíferos e nós.
 
Se não fôssemos criativos, nunca teríamos chegado até aqui. Detenhamo-nos, por um momento, na relação homem-mulher, ponto central nas discussões atuais na Igreja. Sabemos que há dez mil anos, a história foi marcada pelo patriarcado. Este representou uma via-sacra de sofrimento para todas as mulheres. Mas o que foi construído historicamente pode ser também historicamente deconstruído. Essa é a esperança subjacente nas lutas das mulheres oprimidas e de seus aliados entre os homens, esperança de um novo patamar de civilização não mais estigmatizado pela dominação de gênero.
 
Mais e mais homens e mulheres são definidos não a partir de seu sexo biológico ou fator cultural, mas a partir do fato de serem pessoas. Entendemos aqui por pessoa todo aquele ou aquela que se sente dono de si e que exercita a liberdade para plasmar sua própria vida. A capacidade de autoprodução em liberdade (autopoiesis) é a suprema dignidade do ser humano que não deve ser negada a ninguém.
 
Depois do reconhecimento da pessoa como pessoa, decisivas são os valores da cooperação e a democracia como valor universal no sentido da participação na vida social, da qual as mulheres historicamente foram alijadas.
 
Sua ausência ajudou a instaurar a dominação e a subordinação histórica das mulheres. Hoje é pela cooperação de ambos, numa ética da solidariedade e do cuidado mútuos, que se construirão relações inclusivas e igualitárias..
 
A cooperação supõe cofiança e respeito mútuo numa atmosfera onde a coexistência se funda no amor, na proximidade, no diálogo aberto como tem insistido e mostrado o Papa Francisco.
 
Bem enfatizava o grande biólogo chileno Humberto Maturana: a permanência do patriarcalismo representa a tentativa de regressão a um estágio pré-humano que nos remete ao nível dos chpimpanzés, societários mas dominadores.
 
Por isso que a luta pela superação do patriarcalismo é uma luta pelo resgate de nossa verdadeira humanidade. Mulheres pelo fato de serem mulheres, recebem menor salário fazendo o mesmo trabalho. E elas compõem mais da metade da humanidade.
 
A democracia participativa e sem fim, fundamentalmente, quer dizer participação, sentido do direito e do dever e senso de co-responsabilidade. Antes de ser uma forma de organização do Estado, a democracia é um valor a ser vivido sempre e em todo o lugar onde seres humanos se encontram. Essa democracia não se restringe apenas aos humanos mas se abre aos demais seres vivos da comunidade biótica, pois se reconhece neles direitos e dignidade. A democracia integral possui, pois, uma característica sócio-cósmica..
 
A superação da ancestral guerra dos sexos e das políticas opressivas e repressivas contra a mulher se dá na mesma proporção em que se introduz e se pratica a democracia real e cotidiana. Foi em nome desta bandeira que a grande escritora e feminista Virgínia Wolff (1882-1941) podia proclamar: “Com mulher não tenho pátria, como mulher não quero pátria, como mulher minha pátria é o mundo inteiro”.
 
A luta contra o patriaracado supõe um reengendramento do homem. Seguramente nessa tarefa ele não conseguiria dar o salto de qualidade por si mesmo. Daí ser importante a presença da mulher ao seu lado. Ela poderá evocar nos homens o feminino escondido sob cinzas seculares. Ela poderá ser co-parteira de uma nova relação humanizadora.
 
O primeiro a fazer é privilegiar os laços de interação mútua e a cooperação igualitária entre homem e mulher. Aqui se impõe um processo pedagógico na linha de Paulo Freire: ninguém liberta ninguém, mas juntos, homens e mulheres, se libertarão num exercício partilhado de liberdade criadora.
 
A partir deste novo contexto devem-se recuperar aqueles valores considerados antigos e próprios da socialização feminina, mas que agora devem ser gritados aos ouvidos dos homens e junto com as mulheres procurar vivê-los. Trata-se de um ideal humanitário para ambos. Permito-me resgatar alguns:
 
- As pessoas são mais importantes que as coisas. Cada pessoa deve ser tratatada humanamente e com respeito.
 
- A violência jamais é um caminho aceitável para a solução dos problemas.
 
- É melhor ajudar do que explorar as pessoas, dando atenção especial aos pobres, aos excluidos e às crianças.
 
- A cooperação, a parceria e a partilha são preferíveis à concorrência, à auto-afirmação e ao conflito.
 
- Nas decisões que afetam a todos, cada pessoa tem o direito de dizer a sua palavra e ajudar na decisão coletiva.
 
- Estar profundamente convencido de que o certo está do lado da justiça, da solidariedade e do amor e de que a dominação, a exploração e a opressão estão do lado do errado.
 
Outrora tais valores, tidos por femininos, foram manipulados pela mentalidade patriarcal para manter as mulheres subordinadas e dóceis. Hoje, com a mudança do quadro do mundo e da sociedade, tais valores são aqueles que nos poderão salvar. Eis a razão porque homens e mulheres devem ser criativos em suas relações que assim se humanizam.
 
- Leonardo Boff é teólogo e escritor, escreveu com Rose-Marie Muraro Feminino-masculino:uma nova consciência para o encontro das diferenças, Recordo 2002,
https://www.alainet.org/pt/articulo/85534
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