O saque aos aposentados e a indecência governamental
26/04/2005
- Opinión
E agora vocês, ricos, comecem a chorar e gritar por causa das desgraças que estão para cair sobre vocês. (...) Vejam o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês: retido por vocês, esse salário clama, e os protestos dos cortadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos.
Tiago
Os homens fazem a história, mas não em circunstâncias que eles escolhem, e sim em circunstâncias dadas.
Karl Marx
O governo do “Partido dos Trabalhadores” impôs aos aposentados uma imoral taxação com a qual o slogan de campanha “Quero um Brasil decente” mostrou-se apenas isso: um slogan de campanha eleitoral. A moda de trocar lealdades por vantagens não é o único que assemelha o governo Lula ao governo que lhe antecedeu. Os aposentados são roubados para cobrir rombos de quadrilhas impunes, para financiar privilégios imunes.
A fé ativa, entretanto, é a que se reflete nas palavras do apóstolo Tiago. Mentir, roubar, enganar, abusar do mais fraco, são antivalores contra os quais devemos nos insurgir sob risco de nos tornarmos cúmplices. Professores universitários aposentados são obrigados a pagar para a previdência social mesmo já “fora da atividade,” punidos por terem cumprido com o dever, como bem remarcara um colega em recente assembléia da ADUFPB-JP.
Na Argentina, semelhante confisco foi barrado pela mobilização dos aposentados, que obrigou o governo daquele país a respeitar os parcos vencimentos de quem “se retirou da vida ativa”. Tal inatividade, todo aposentado sabe, e muito mais uma força de expressão do que uma realidade. Deixar de trabalhar é um luxo reservado a esses ricos que vivem do trabalho dos demais.
Escolher no quê trabalhar, um luxo de quem, após ter contribuído à geração da riqueza cultural do seu povo, ainda pode decidir em quê setor de atividade se somar, quer de forma gratuita ou remunerada. Trabalhos voluntários, frequentemente comunitários, recebem de bom grado a experiência, o saber e o sabor de quem deixou boa parte da sua saúde nas salas de aula. A expressão artística renasce. Floresce.
Não se suplica um direito. Não se pede sensibilidade a quem vive da miséria do seu próprio povo. Resiste-se com a força da moral e da dignidade, do trabalho de formiga, freqüentemente anônimo, mas nem por isso menos fecundo ou menos socialmente útil. Em tempos antigos, os sábios eram chamados para aconselhar a comunidade. Nos dias de hoje, descartados como sucata. Agredidos pela dureza de um sistema sem alma.
Tratados de “vagabundos” pela “socialdemocracia” amarela recentemente apeada do Poder com as suas excessivas luzes intelectuais. Tratados de “otários” por uma sucessão governamental à qual, por respeito a uma militância de base decentíssima, nos vemos obrigados a tratar ainda com respeito. Que comam os que têm fome. E os professores aposentados, que continuem a resistir, um ofício em que são craques.
Sabemos que não há déficit da Previdência social, ao contrário, ela é superavitária. Quando o governo se torna o lugar da amoralidade, a cidadania insiste em resistir com o que têm: sua força moral, a certeza da verdade, a satisfação do dever cumprido. Não nos aposentamos depois de quatro anos de atividade, como os marajás que sugam o nosso sangue e danificam a nossa capacidade de sustentarmos as nossas famílias.
Carecemos de decência governamental. Não há juiz que levante a balança em favor dos que somos roubados pela instituição que deveria zelar pelos nossos direitos. Há um tempo para tudo, sim. Verdadeiramente há um tempo de falar e um tempo de calar. Mas há horas em que calar é ser conivente com o delinqüente. Com quem assalta, rouba, mata, suprime o futuro dos nossos filhos, trafica com a fé.
Como cidadão, como contribuinte, como sobrevivente de uma das maiores operações de intimidação coletiva sofridas por qualquer população do mundo –a ditadura militar argentina e suas predecessoras, as oligarquias tão parecidas ao Governo Lula na sua forma de espremer o povo, mentindo, enganando, roubando—não temo o que a autoridade ilegítima possa fazer para me calar. Há organismos de direitos humanos que falarão.
A Universidade Pública definha de forma continuada, por falta de recomposição salarial que dignifique o trabalho docente e dos funcionários competentes, por falta de concursos para professor efetivo –ao invés dos professores descartáveis instituídos pelo antecessor do atual governo--, por falta de uma política decente e honesta de preservação de um patrimônio público que vem sendo deixado às traças, ou, dando nome aos bois, à iniciativa privada.
Um país sem educação superior aberta é um país sem identidade e sem memória. Um país sem universidade pública, gratuita e de boa qualidade, é um país entregue à dominação estrangeira. Ao invés de salário mínimo digno, esmola. Vale gás, vale escola, vale tudo. Menos a decência. Em um mundo em que os valores superiores migraram da cena pública para se refugiarem em pequenos círculos de relações fraternais e íntimas, é dever cidadão abrir a boca, denunciar o rumo errado, a política antissocial, destrutora da família e da tradição,
Sras e Sres., isto é uma vergonha.
* Rolando Lazarte, Prof. Dr em Sociologia. Autor de Max Weber ciência y valores (Buenos Aires: Homo Sapiens, 2005) Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Sociedade da UFPB. Membro da base da Associação dos Docentes Universidade Federal da Paraíba ADUFPB-JP.
https://www.alainet.org/de/node/111831
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