O papelão da mídia nos acontecimentos da Venezuela
17/04/2002
- Opinión
Mas que papelão o da mídia em relação à cobertura dos acontecimentos na
Venezuela. Ao contrário do que disseram os militares golpistas e que
principalmente os canais de televisão passaram adiante, o presidente Hugo Chávez
não tinha renunciado ao mandato, mas foi deposto por um golpe de Estado, que já
estava sendo previsto com antecedência. CNN e TV Globo cunharam novas expressões
para o afastamento forçado de um presidente: a daqui ficou com a ?renúncia?,
enquanto a emissora de Ted Turner preferiu o ?abandono? (do poder). Ao mesmo
tempo em que Chávez ?renunciava?, ele era conduzido para um quartel de Caracas.
A única diferença de golpes militares de outros tempos, desta vez a chefia do
governo foi dado para o empresário Pedro Carmona Estanga, um civil, o mesmo que
vinha liderando há tempos os protestos contra o governo de constitucional.
Quem tem boa memória deve se lembrar que o presidente Chávez vinha sendo
pressionado não apenas por setores econômicos internos como externos,
descontentes com os rumos do país. Até o secretário de Estado norte-americano,
Colin Powell, chegou a manifestar o desagrado do atual governo dos Estados
Unidos para com Chávez. Logo depois que se confirmou o retorno de Chávez ao
governo, Condoleezza Rice, a assessora especial de George W. Bush, chegou a
afirmar com a arrogância que lhe é característica, que esperava que o presidente
deveria ?aprender a lição? e ?corrigir os erros?. A Casa Branca culpou Chávez
pelo que aconteceu, não condenando a quebra constitucional, como fez a maioria
dos governos latino-americanos. Trocando em miúdos: o governo Bush mostrava a
sua verdadeira face, o de apoiar esquemas autoritários desde que sirvam aos
interesses dos Estados Unidos. Mas a mídia não entrou em detalhes sobre isso.
Para começar a brincadeira, ao tomar posse, Carmona falou em eleições gerais em
um prazo de um ano e fechou a Assembléia Nacional. Foi com muita sede ao pote.
Se continuasse no Palácio Miraflores (sede do governo), uma de suas primeiras
medidas seria o de retirar a Venezuela da Opep (Organização dos Países
Exportadores do Petróleo), segundo observadores raramente citados pela mídia. Os
democratas do Fundo Monetário Internacional ficaram tão contentes com o golpe,
que em menos de 24 horas informavam que ?o novo governo? receberia toda a ajuda
possível. A mídia, com raras e honrosas exceções, uma delas a Tribuna da
Imprensa do Rio de Janeiro, preferiu ficar na moita. Vale citar ainda o caso da
principal TV brasileira, a Globo, que ao anunciar a "renúncia" (e não o golpe)
demonstrou total engajamento com o Departamento de Estado. O analista William
Waak , fez questão de assinalar, logo de saída, embora ninguém tivesse
perguntado a respeito, que o que estava acontecendo na Venezuela não tinha
nenhuma influência do governo norte-americano, era apenas uma questão interna. A
revista ?Época?, também das Organizações Globo, ficou tão radiante com o golpe
que apareceu nas bancas com a manchetona ?Fim de Chávez é exemplo para a América
Latina?. A publicação apareceu no sábado. Deixou de ser um furo em termos
jornalísticos para virar um rombo, em termos de mediocridade. A Veja não ficou
atrás, para variar, com a seguinte jóia do pensamento único: ?Venezuela: A Queda
de um presidente falastrão?. Além de publicarem mentiras sobre os
acontecimentos, por exemplo, a de que Cuba negara pedido de asilo para Chávez,
os jornais diários deram espaço a ?analistas? que desancaram contra o
presidente constitucional. O senhor Alberto Dines, que se pretende um guru
?observando a imprensa?, chegou ao ponto de comparar Chávez ao o general Ariel
Sharon. Em suas conclusões, Dines esqueceu de dizer uma coisa: além de
truculento, Sharon é um assassino responsável por assassinatos, no passado e no
presente (haja vista o campo de refugiados de Jenin, e os de 1982 de Sabra e
Shatila, quando deu sinal verde para uma milícia aliada de Israel matar centenas
de palestinos). E Chávez, matou quem, prendeu quem em três anos de governo?
Ninguém. Esqueceu o articulista de dizer que Chávez é bem recebido por
dirigentes europeus como Lionel Jospin e Tony Blair, enquanto Sharon no velho
continente corre o risco de ter a sua prisão decretada pela Justiça belga. Dines
joga com o senso comum maniqueísta, do gênero contra militares só por que são
militares. Esquece o analista que há militares e militares, assim como há
palestinos e palestinos, judeus e judeus. Vale assinalar que nem todo mundo
embarcou na canoa do senso comum. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Distrito Federal, por exemplo, divulgou, nas primeiras horas após a volta de
Chávez ao governo, uma nota de solidariedade ao povo venezuelano e de repúdio ao
golpe, que honra os profissionais da imprensa, em uma demonstração inequívoca,
para que Dines saiba, que há também jornalistas e jornalistas na área. Como não
poderia deixar de ser, a grande mídia não divulgou uma linha a respeito.
E para finalizar, já que o espaço é limitado, nenhum jornal, rádio ou TV do País
quis aprofundar o tema relativo ao esquema de desestabilização que sofreu Chávez
nestes três anos. Só para os senhores gurus da mídia terem uma idéia, contra o
presidente constitucional da Venezuela voltaram-se várias forças, inclusive a da
Fundação Nacional Cubano Americana, que dirige o filho do falecido Mas Canosa.
Este grupo anticastrista com sede em Miami não só inundou de dólares a campanha
eleitoral de Salas Romer (o social-democrata adversário de Chávez derrotado pelo
voto na eleição presidencial), como fez doações milionárias a setores
antichavistas nos meios de comunicação venezuelanos para a divulgação de
mentiras das mais variadas, conforme revela o jornalista Carlos Aznárez, diretor
do Resumo Latino-Americano (uma publicação independente na Internet). E informa
ainda Aznárez, assinalando que da referida estratégia golpista participou o
racista (anti-semita) Lindon Larouche, responsável pela Executive Intelligence
Review (EIR), que tem uma representação no Brasil chamada Movimento de
Solidariedade Ibero-Americana (cuja especialidade é criticar o MST, o PT, o
Fórum de São Paulo, que reúne os partidos de esquerda da América Latina, e
defender com unhas e dentes o coronel argentino Mohamed Ali Seineldin, um
torturador que tentou dar um golpe militar contra o presidente Carlos Menem e
está cumprindo pena de prisão perpétua). O senhor Larouche, juntamente com
outros personagens obscuros, reuniu-se na República Dominicana com o ex-
presidente Carlos Andrés Péres e com os dirigentes da Fedecâmaras (a Fiesp
venezuelana), Pedro Carmona e da Central de Trabalhadores da Venezuela (CTV),
Carlos Ortega. Na ocasião, segundo ainda o jornalista Carlos Aznárez, ficou
decidido ?quando e como? seriam feitas as ações, da mesma forma que se
determinou que o novo presidente ?de transição? seria o próprio Carmona. A
propósito, este senhor Larouche engana a tanta gente que anos atrás andou
circulando pelo Brasil e chegou até a se reunir em Brasília com parlamentares de
esquerda. Estes, desinformados, talvez por omissão da mídia, ouviram
atentamente Larouche, que usa uma linguagem antiimperialista, que pode enganar
os incautos, embora seja de extrema-direita. A história mostra que postura dessa
natureza tiveram personagem nefastos como Adolf Hitler ou Benito Mussolini,
para ficar somente em alguns. Isto é história, talvez algo muito profundo para
ser comentado pelos analistas de plantão.
Ah, sim, para finalizar mesmo: por que será que a mídia simplesmente omitiu a
informação segundo a qual os mortos baleados em Caracas (antes do golpe) foram
chavistas e que já foram presos três franco-atiradores, ligados à Polícia
Metropolitana de Caracas (anti-Chávez)?
Foi o não um papelão o da mídia nos acontecimentos da Venezuela?
* Mário Augusto Jakobskind é editor internacional da Tribuna da Imprensa
https://www.alainet.org/es/node/105791
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