Índios e militares voltam a dialogar na Amazônia
20/02/2003
- Opinión
Mais de 40 representantes das principais organizações indígenas da
Amazônia, militares, representantes de vários órgãos do governo e
entidades da sociedade civil realizaram uma segunda rodada do
"Diálogo de Manaus", iniciado em dezembro do ano passado. O
principal avanço foi a elaboração de um documento pelo movimento e
organizações indígenas, coordenado pela Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia – Coiab, intitulado "Bases para o diálogo e
novas relações entre os povos indígenas e as forças armadas no
Brasil", contendo propostas objetivas e claras para esse diálogo.
O texto serviu de base para as conversações que buscaram superar as
relações muitas vezes conflituosas, de violência e desrespeito aos
povos indígenas. O documento expressa o que esses povos querem da
parte dos militares:
1 - Reconhecimento do Brasil como país multiétnico e pluricultural, e
respeito aos direitos diferenciados dos povos indígenas;
2 - Relação com os povos indígenas baseada no diálogo, numa nova
concepção de proteção das faixa de fronteira e na valorização dos
povos indígenas enquanto agentes historicamente importantes na
proteção da soberania e do território nacional;
3 - Apoio às ações de proteção das terras indígenas e seus recursos
naturais e da biodiversidade, sempre que solicitado pelas comunidades
e órgãos públicos responsáveis pela proteção dos direitos indígenas
(Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio, Polícia Federal,
Ministério do Meio Ambiente, entre outros);
4 - Incorporação no Programa de formação dos efetivos de cursos
específicos sobre direitos humanos e história e direitos dos povos
indígenas;
5 - Seleção criteriosa e preparação específica para os oficiais que
têm atuação direta nas comunidades indígenas;
6 - Revogação do Decreto 4.412/2002, que autoriza a construção de
instalações militares e policiais em terras indígenas;
7 - Criação de um Fórum Permanente Interinstitucional, para avaliar,
deliberar e propor medidas e critérios que regulem a presença dos
militares em terras indígenas.
Por outro lado, levando em conta os problemas já denunciados em
várias ocasiões tais como a desconsideração que há para com as
lideranças tradicionais e das organizações indígenas, a construção de
instalações militares sem consultar previamente as comunidades, os
abusos sexuais cometidos pelos efetivos contra as mulheres indígenas,
a realização de manobras militares em áreas de roças tradicionais o
cerimoniais, ações que têm comprometido a integridade sociocultural
dos nossos povos e comunidades, o documento aponta o posicionamento
das entidades que manifestaram ser contrárias às seguintes práticas:
1 - Localização de instalações militares nas terras indígenas;
2 - Desenvolvimento de manobras e operações militares nas terras
indígenas;
3 - Continuidade do Projeto Calha Norte atingindo terras indígenas;
4 - Localização de serviços públicos (escolas, postos de saúde,
correios, telefones) no interior das instalações militares;
5 - Relação de militares com as mulheres indígenas;
6 - Recrutamento forçado e discriminatório de indígenas;
7 - Impunidade dos abusos, das violações dos direitos humanos,
cometidos contra pessoas e comunidades indígenas por membros das
tropas;
8 - Alinhamento dos militares com interesses econômicos e políticos
contrários aos direitos dos povos indígenas;
9 - A construção da base militar na Aldeia Uiramutã, na região da
Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Na avaliação das lideranças indígenas e da maioria dos participantes,
dentre os quais assessora jurídica e secretário executivo do Cimi,
esse tem sido mais um passo de um diálogo complexo, mas que na
seqüência certamente levará a resultados positivos, através de um
canal mais permanente de diálogo até se estabelecer um novo patamar
nas relações entre os povos indígenas e os militares, no Brasil.
Brasília, 20 de Fevereiro de 2003
* Cimi- Conselho Indigenista Missionário
https://www.alainet.org/es/node/107000
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