Ao menos 21 Terras Indígenas estão invadidas
Está em curso o extermínio programado dos povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário no Brasil.
- Declaración
Está em curso o extermínio programado dos povos indígenas livres ou em situação de isolamento voluntário no Brasil. Não se trata tão somente de uma omissão do governo federal, mas de sua ação deliberada para permitir que esses povos sejam massacrados. Faz parte desse plano criminoso e genocida a desconstrução de todo o sistema de proteção da Fundação Nacional do Índio (Funai), ao mesmo tempo que, ora de forma velada, ora de forma explícita, respalda os invasores de seus territórios.
Segundo os dados coletados entre janeiro e novembro deste ano pelo Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 21 Terras Indígenas com registros da presença de povos isolados estão invadidas: seja por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores, pescadores e extrativistas vegetais. O levantamento não engloba os territórios com a presença desses povos onde não há nenhuma providência em termos de demarcação e proteção de suas terras. No total existem no Brasil registros de 114 povos indígenas isolados, dos quais apenas 28 são confirmados pela Funai.
A estratégia de extermínio e genocídio se torna ainda mais evidente sabendo que o governo conhece muito bem a situação de vulnerabilidade em que se encontram esses povos, a fragilidade que têm para se defender e a liberdade de ação de criminosos em regiões sem a presença protetiva do Poder Público.
Os povos indígenas isolados, assim como os demais povos indígenas e comunidades tradicionais, a própria Floresta Amazônica e tudo que nela habita e seus aliados e defensores, não só são considerados como obstáculos, mas como inimigos a serem combatidos, vencidos ou destruídos, na medida em que atrapalham ou oferecem resistência aos planos governamentais.
Por isso, o governo convenientemente fecha os olhos e favorece a ação de assassinos e criminosos ambientais que se encarregam do serviço sujo. Uma vez “limpo” o caminho, estão dadas as condições para a apropriação das terras por latifundiários para a produção de commodities agrícolas e para que empresas promovam o saque das riquezas naturais da região, como a exploração mineral, inclusive pelo garimpo, que o governo pretende liberar nas terras indígenas. Essa lógica perversa, que permite o extermínio da sociobiodiversidade da Amazônia para satisfazer a ganância de poucos, precisa ser parada.
Na Terra Indígena Vale do Javari (AM), concentração do maior número de povos indígenas isolados no país, com 18 registros, de dezembro de 2018 até o momento já aconteceram cinco ataques a tiros contra a Base de Proteção Etnoambiental do Rio Ituí-Itacoaí denunciados pela União das Nações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e confirmados pelos funcionários da Funai que trabalham nessas bases.
Em setembro deste ano, o servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado em Tabatinga, no Amazonas, provavelmente devido ao seu trabalho de fiscalização na Base do Rio Ituí-Itacoaí. Além disso, missionários fundamentalistas, inclusive estrangeiros, estão entrando na TI Vale do Javari sem autorização dos povos indígenas e desrespeitando as medidas de proteção da Funai, colocando em sério risco a sobrevivência desses povos isolados.
A situação se espelha país afora. Paulo Paulino Guajajara, guardião da floresta, foi assassinado a tiros, em 1 de novembro, numa emboscada executada por invasores no interior da Terra Indígena Arariboia (MA), habitada pelo povo Guajajara e grupos isolados Awá-Guajá. Laércio Guajajara, que acompanhava Paulo Paulino, sofreu uma tentativa de homicídio ao ser atingido por dois tiros: um no braço e outro nas costas. A Terra Indígena sofre com a invasão de madeireiros e caçadores há anos. São indivíduos que se sentem à vontade para atacar os indígenas no interior de suas terras e são uma grande ameaça aos grupos isolados.
Na Terra Indígena Inãwébohona, localizada na Ilha do Bananal, no dia 9 de outubro, foram avistados oito indígenas isolados por um brigadista do PrevFogo durante ação de combate a um grande incêndio florestal, confirmando as informações de indígenas da região e do Cimi com insistentes pedidos e repasses à Funai para que as necessárias medidas de proteção fossem adotadas. As autoridades, apesar do evidente risco que corre esse povo isolado devido ao grande número de invasores explorando as riquezas naturais nessa Terra Indígena e dos grandes incêndios no período seco, e mesmo provocadas a agir pelo Ministério Público Federal (MPF), se mantêm em silêncio.
Na carta divulgada no dia 06 de novembro, dirigida “à sociedade brasileira e às autoridades competentes”, o conjunto de servidores lotados nas Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs) da Funai manifestam sua preocupação diante desse quadro assustador de ameaça a vida dos povos indígenas isolados e revelam sua angústia e impotência porque não são oferecidas as devidas condições de trabalho, a segurança e o respaldo para exercerem o seu papel de fiscalização dos territórios.
Os povos indígenas isolados, que se deslocaram para os lugares mais inacessíveis da Amazônia para fugir da violência das frentes de expansão econômica capitalista e para manter a sua liberdade, têm direito à vida, a seus territórios e o respeito à opção que fizeram, assegurados pela legislação brasileira e pelos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário. A ninguém cabe desrespeitá-los, muito menos aqueles a quem foi confiado a responsabilidade de zelar pelo seu cumprimento.
Trazemos aqui um trecho do documento final do Sínodo da Amazônia: “a ganância pela terra está na raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, além do assassinato e criminalização dos movimentos sociais e de seus líderes. A demarcação e proteção da terra é uma obrigação dos estados nacionais e seus respectivos governos”.
Conforme disse o papa Francisco em Porto Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018, os povos indígenas “são os mais vulneráveis entre os vulneráveis (…) continuem defendendo esses irmãos mais vulneráveis. Sua presença nos lembra que não podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da avidez do consumo”.
Brasília, 12 de novembro de 2019
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
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