A dança imóvel e os impasses da transição
21/04/2003
- Opinión
O balanço dos primeiros meses da política econômica do governo Lula
revela que as medidas adotadas, sem exceção, obedecem cegamente os
ditames do FMI. Atônita, a população que apostava na mudança assiste
a Palocci e a Meireles praticando um malanismo ortodoxo, condenado
pelo voto popular. Mesmos remédios, mesmos efeitos. A instabilidade
econômica não arrefece e as autoridades continuam a reboque de
movimentos especulativos do mercado – eufemismo utilizado para
designar os interesses do capital financeiro. E, assim, o enorme
entusiasmo gerado pela vitória da esperança começa a ser empanado
pelo sentimento claustrofóbico de que tudo continua igual.
Administrando a crise
O mercado cambial demonstra-se incólume às pirotecnias das
autoridades monetárias e oscila erraticamente ao sabor dos humores
dos grandes especuladores internos e externos, alimentando as burras
de quem especula contra o Real às custas do Tesouro Nacional. Apesar
da presença de um "capo" do mercado financeiro internacional na
presidência do Banco Central, a especulação contra o Real não
arrefece. O valor do dólar resiste à baixa, a escassez de
financiamento externo persiste e a fuga de capital não cessa.
Puxada pela aceleração dos preços dos produtos direta ou
indiretamente atrelados ao dólar, a inflação ignora as metas
combinadas com o FMI, colocando em xeque o futuro da precária
estabilidade. A abertura da economia, funcional para conter a
elevação dos preços na época do câmbio supervalorizado e da fartura
de financiamento externo, agora, revela seu lado pró-inflacionário.
O sistema de indexação das tarifas dos serviços públicos recém
privatizados, sistema legitimado pelas agências reguladoras criadas
por FHC, gera inércias inflacionárias difíceis de serem debeladas
sem grandes sacrifícios para o nível de atividade e para o emprego.
O aperto monetário e o choque de juros para refrear a especulação
contra o Real e asfixiar o repasse da inflação aos preços reforçam
as tendências recessivas e agravam o desemprego. São medidas que
premiam o rentismo em detrimento da produção, jogando o custo do
ajuste nas costas dos trabalhadores. Enquanto a decisão de aumentar
em 1,5 ponto percentual os juros dos títulos públicos representa uma
transferência anual de aproximadamente R$ 13 bilhões para os
detentores de títulos públicos federais – mais de 7 vezes o aumento
líquido de recursos destinados aos programas englobados no Fome Zero
-, o desemprego bate recordes e o rendimento médio do trabalho
registra novas diminuições.
O reforço do superávit primário para neutralizar o impacto dos juros
sobre o déficit público – um compromisso com o FMI – perpetua
antigas injustiças fiscais, inviabiliza a política social e joga
mais água no moinho da recessão. A sanha de elevar a arrecadação a
qualquer custo faz com que a ação da Receita Federal siga
rigorosamente o mesmo padrão da era FHC, como fica evidente no recuo
em relação à correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoa
Física. O corte adicional de R$ 14 bilhões promovido no já
extraordinariamente apertado orçamento federal, sendo R$ 5 bilhões
nos ministérios da área social, praticamente paralisa a ação do
governo federal.
A decisão de privilegiar o corte de gasto como meio de buscar o
superávit primário, com o argumento de que assim se estaria atuando
sobre as causas dos desequílibrios fiscais – a elevada presença do
Estado na economia -, é um retrocesso em relação à administração
anterior, revelando um inaceitável alinhamento das autoridades
econômicas com os espectros mais reacionários da família neoliberal.
Ao preservar do corte as políticas que atuam sobre os efeitos dos
problemas, como o Fome Zero, o ônus do ajuste fiscal ficou por conta
dos programas sociais estratégicos, que atacam as causas da pobreza
e das desigualdades sociais.
A estratégia é reciclar o modelo
Preocupado com o sentimento de perplexidade que toma conta de sua
base de apoio social e político, o presidente pede calma. Afirma que
estamos em um período de transição e condiciona o abandono da
orientação ultra-ortodoxa da política econômica à implementação das
chamadas "reformas institucionais". É um paradoxo. A agenda e o
conteúdo das reformas propostas sinalizam exatamente o contrário. As
mudanças consideradas estratégicas, a serviço das quais o governo
joga todas as suas energias políticas e subordina todos os prazos
legislativos – a reforma da previdência, a reforma tributária e a
autonomia para o Banco Central –, fazem todas elas parte de
compromissos assumidos pelo governo FHC com o FMI, agora, renovados
pelo governo Lula (compromissos explicitados na Carta de Intenções
enviada em agosto de 2002 e renovados em fevereiro de 2003). São
medidas desenhadas para aprofundar o neoliberalismo no Brasil,
reforçando ainda mais a blindagem institucional que fecha a
possibilidade de políticas econômicas alternativas. Não é de
estranhar o entusiasmo e o assanhamento do mercado.
Reforma da Previdência
A reforma da previdência prometida ao Fundo, que inclui a criação de
fundos de aposentadoria complementar para os servidores públicos, a
cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos e a
definição de carreiras para as quais os servidores podem ser
contratados pelo regime de previdência do setor privado, peca pelo
seu viés fiscalista, privatista e imediatista. Trata-se de
desresponsabilizar o Estado pelo amparo do funcionalismo público
inativo e abrir espaço para a entrada das empresas privadas no rico
filão dos planos de previdência privada.
O absoluto descaso com as especificidades do funcionalismo e sua
importância estratégica para o bom funcionamento da burocracia
estatal, a injustificável despreocupação com a previdência como
instrumento de combate às desigualdades sociais, bem como o
incompreensível descuido com a necessidade de equacionar a
sustentabilidade financeira a longo prazo da previdência, o que
exigiria a adoção de uma política econômica compatível com o
crescimento e a geração de empregos, revelam a visão canhestra com
que o debate vem sendo conduzido. Por fim, o modo distorcido de
apresentar o problema da previdência pública, lançando mão de
manipulações estatísticas primárias, mal esconde a intenção de
transformar o funcionalismo em bode expiatório da gravíssima crise
financeira do Estado. Tal modo de conduzir o debate em nada
contribui para a discussão democrática e racional da questão da
previdência - um problema complexo e de grande repercussão sobre a
organização do Estado e da sociedade brasileira. Se a situação da
economia nacional é tão grave que não existem condições objetivas de
o Estado honrar todos os seus compromissos, seria bem mais coerente
com a prioridade de privilegiar o combate à pobreza e às
desigualdades sociais o governo romper com o padrão histórico de
socialização dos prejuízos e jogar o ônus da crise nos segmentos
abastados da sociedade.
Reforma Tributária
As mudanças tributárias exigidas pelo Fundo – harmonização da
legislação e das alíquotas do ICMS, transformação do Cofins em
imposto sobre o valor adicionado, redução do grau de vinculação das
receitas federais, elevação de impostos para compensar a perda de
receita com a redução esperada do CPMF - são medidas que têm em
vista: preservar a capacidade de arrecadação da União e dos governos
estaduais; coibir a escalada da guerra fiscal entre os estados;
corrigir distorções na racionalidade tributária provocadas pela
epidemia de impostos em cascata, desonerando a sobretaxação dos
produtos brasileiros exportados; e dotar a União de maior
flexibilidade na utilização dos recursos tributários, eliminando
bloqueios institucionais que engessam o orçamento federal, reduzindo
o grau de liberdade para a execução da política de ajuste fiscal.
Ainda que algumas destas medidas tenham um caráter eminentemente
técnico, de mera racionalização da máquina tributária, não é difícil
identificar a lógica perversa que as preside: a necessidade
desesperada de gerar megasuperávits comerciais e fiscais.
Dificilmente se poderia atribuir a tais modificações a envergadura
de uma "reforma tributária" que, de fato, implicasse em uma mudança
de qualidade na capacidade de gasto do Estado brasileiro e que, por
isso, tivesse o poder de provocar uma reversão nas expectativas dos
investidores, de modo a alavancar um novo ciclo de crescimento.
Na realidade, o debate em curso ignora os grandes temas de uma
verdadeira reforma tributária, tais como: as causas estruturais da
crise federativa que ameaça a unidade nacional – a subordinação do
Brasil às exigências da globalização dos negócios; a raiz dos
problemas responsáveis pela endêmica fragilidade fiscal do Estado
brasileiro – a extrema debilidade do Estado brasileiro em relação
aos interesses privados; os fatores responsáveis pelo desequilíbrio
estrutural das finanças públicas – o elevado peso do serviço da
dívida nos gastos públicos e o efeito depressivo das baixas taxas de
crescimento sobre a arrecadação tributária, ambos produtos diretos
da política de austeridade em curso; o caráter ultra-regressivo do
sistema tributário – resultado da profunda privatização do Estado
brasileiro; a necessidade de recompor a capacidade de endividamento
do setor público – o que requer uma reestruturação da dívida pública
e uma grande reforma do sistema bancário; a absoluta irracionalidade
de uma estrutura de gasto público que dedica ano após ano
aproximadamente 8% do PIB para o serviço da dívida pública; e a
necessidade de rever a Lei de Responsabilidade Fiscal, que
transforma os investimentos públicos e as políticas sociais em
variáveis de ajuste do orçamento público para gerar excedentes a
serem destinados aos credores do Estado.
Independência do Banco Central
Mesmo não sendo a independência do Banco Central uma obrigação
formal do empréstimo do FMI, as autoridades econômicas jogaram-se de
corpo e alma nesta cruzada. Pressionado pelo "mercado", que quer
aproveitar a surpreendente maleabilidade do ministro da Fazenda aos
pleitos do grande capital para reforçar a blindagem financeira em
prol de seus interesses, o governo transformou em prioridade
absoluta a mudança no artigo 192 da Constituição Federal e a
aprovação de um mandato para as autoridades monetárias que seja fixo
e não coincidente com o da presidência da República.
Para o leigo, que não tem a menor obrigação de entender os
labirintos da macroeconomia, a independência do BC pode parecer uma
questão secundária que deveria ser relegada aos especialistas em
economia monetária. Não é. O caráter das decisões econômicas sob a
competência do BC mostra bem a relevância do que está em jogo. Entre
outras atribuições, cabem-lhe as funções de regular a liquidez do
sistema financeiro, fiscalizar a saúde econômica dos bancos, definir
a taxa de juros básica, estabelecer o regime cambial, controlar os
movimentos de capitais, administrar as divisas internacionais,
regular o mercado de câmbio, supervisionar o mercados de
derivativos, socorrer bancos que atravessam crises temporárias de
falta de dinheiro, liquidar instituições financeiras inadimplentes
etc.
Não existe gestão monetária neutra. As autoridades monetárias estão
sempre pressionadas por interesses econômicos contraditórios que
colocam em xeque a confiança na moeda nacional. Decidir a favor dos
credores ou dos devedores, defender o patrimônio dos rentistas ou
favorecer a geração de renda e emprego, privilegiar a estabilidade
ou priorizar o crescimento, valorizar a moeda nacional, aumentando
seu poder de compra no exterior, ou desvalorizá-la, empobrecendo os
que possuem patrimônio denominado em moeda nacional em relação aos
estrangeiros, sancionar a fuga de capitais ou centralizar o câmbio,
deixar um banco quebrar ou socorrê-lo, eis a natureza dos conflitos
que constituem o cotidiano de um Banco Central. Não há como
escamotear o caráter eminentemente político destas decisões.
Em outras palavras, como guardião da moeda – a mercadoria que
funciona como equivalente geral de todas as mercadorias,
sintetizando os nexos sociais e as relações de poder entre
capitalistas e trabalhadores de uma determinada formação social e de
suas relações com as demais sociedades do sistema capitalista
mundial -, o Banco Central é a instituição que estabelece as
condições de acesso dos capitalistas e do Estado à moeda nacional e
às divisas internacionais. Ele exerce papel crucial em vários planos
da economia nacional: na definição de dois preços fundamentais do
capitalismo - a taxa de juros e a taxa de câmbio; na determinação da
oferta de crédito; no estabelecimento das condições de pagamento das
dívidas privadas e públicas; na defesa das reservas internacionais;
na inibição de manobras especulativas que colocam em risco a solidez
do sistema financeiro; na definição da relação entre os preços
internos e externos.
Em suma, o Banco Central é uma instituição-chave que permite ao
poder público arbitrar a concorrência intercapitalista, buscando
subordiná-la aos objetivos da sociedade nacional. É o controle da
moeda que dá ao Estado alguma capacidade de graduar o ritmo, a
intensidade e o sentido do processo de destruição criadora que
caracteriza o desenvolvimento capitalista. Ceder a independência do
BC às "forças do mercado" significa simplesmente renunciar à
soberania do povo sobre os rumos da política econômica – uma
usurpação de poder que fere a essência do mandato popular concedido
ao presidente Lula. A independência do Banco Central significa
literalmente aprisionar o futuro no passado, comprometendo a
política econômica com a obrigação de honrar os gigantescos encargos
financeiros externos e internos herdados da era FHC e de sancionar
os extraordinários privilégios do capital internacional na economia
brasileira. Por essa razão, trata-se de uma medida inaceitável para
quem luta a favor dos interesses populares e nacionais.
ALCA
A ausência de estratégia para enfrentar a política norte-americana
de enfiar o Acordo de Livre Comércio das Américas – ALCA – goela
abaixo da sociedade brasileira é mais um preocupante sinal de
paralisia do governo Lula frente às pressões da ordem global,
sobretudo quando se tem em conta as reiteradas declarações do
presidente da República durante a campanha eleitoral de que a ALCA
representa uma ameaça de anexação do Brasil aos Estados Unidos.
O cumprimento de um cronograma de negociação prepotente e insensato,
que obrigava a nova administração a apresentar propostas
estratégicas apenas quinze dias após a posse, foi uma desnecessária
demonstração de fraqueza. O envio, sem retoque, para as câmaras de
negociação de um documento preparado pelo governo FHC é mais um
elemento a sugerir a conformidade das novas autoridades com os
dogmas do neoliberalismo. A falta de discussão da proposta
brasileira com representantes dos trabalhadores dá prosseguimento a
um tradicional elitismo no modo de encaminhar a relação do governo
com a sociedade - sobretudo, quando se leva em consideração que,
segundo consta, o documento foi submetido ao crivo de entidades
patronais. Por fim, a intransparência nas negociações e o sigilo que
ainda persiste sobre o conteúdo das propostas brasileiras para o
ALCA deixam o cidadão diante da paradoxal situação de conhecer as
intenções do governo norte-americano e de permanecer na mais
absoluta ignorância em relação às finalidades de seu próprio
governo.
É claro que não se pode descartar a hipótese de que o governo
brasileiro esteja apenas ganhando tempo, apostando na possibilidade
de que a intransigência norte-americana acabe provocando, por si
mesma, um impasse intransponível e que, portanto, não haveria por
que sofrer o desgaste de um atrito comercial desnecessário com a
maior potência do globo. É uma aposta arriscada, pois, como insistiu
o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos maiores especialistas
do país nas negociações da ALCA, hoje vice-ministro das Relações
Exteriores, o envolvimento progressivo nas negociações pode criar
uma situação de fato que inviabiliza a possibilidade de, em um
momento posterior, o governo decidir pelo abandono dos entendimentos
– posição defendida pelo embaixador como sendo a mais apropriada por
ser a única capaz de preservar os interesses estratégicos do Brasil.
A docilidade do governo brasileiro é tanto mais preocupante quando
se leva em consideração que as indecorosas propostas apresentadas
pelos norte-americanos parecem confirmar as mais sombrias avaliações
de que a integração à ALCA representa o fim da soberania nacional.
Esperando Godot
As ações e omissões do governo Lula indicam que as novas autoridades
econômicas – tal como as antigas - apostam todas as fichas na
possibilidade de que uma reversão das expectativas da comunidade
econômica internacional volte a colocar o Brasil na rota dos fluxos
de capitais internacionais – condição necessária para dar novo
fôlego ao exaurido modelo econômico neoliberal. É uma cartada
arriscada. O risco é ficar esperando Godot. É exatamente o que
aconteceu no segundo mandato de FHC.
Até o momento, as efusivas declarações de simpatia dos porta-vozes
do grande capital financeiro e o entusiástico apoio dos organismos
internacionais à nova administração não resultaram em nada de
prático para afastar definitivamente o espectro de um colapso
cambial. O chamado "risco Brasil" – o indicador que calcula o grau
de confiança dos credores internacionais no país – permanece nas
alturas. Tampouco há o menor indício de uma reversão do estado de
"aversão ao risco" que afugenta os credores internacionais dos
mercados emergentes. A economia norte-americana caminha para um
segundo mergulho recessivo e a guerra contra o Iraque só faz
exacerbar ainda mais o quadro de incertezas econômicas que afugenta
o capital de economias consideradas de alto risco. Além disso, a
recessão deprime o comércio internacional e desvaloriza as cotações
das commodities brasileiras, comprometendo a possibilidade de uma
vigorosa expansão das exportações.
A absoluta impotência das autoridades para romper os automatismos de
mercado, que bloqueiam o crescimento e conspiram impiedosamente
contra o bem estar do povo, deixa patente que o Brasil está
completamente enredado nas malhas do capital financeiro.
Não há solução fácil e indolor para enfrentá-lo. O poder descomunal
do grande capital de sabotar toda iniciativa que possa representar
uma ameaça à continuidade do neoliberalismo inviabiliza qualquer
possibilidade de mudança no rumo da política econômica sem uma
abrupta desorganização da economia e traumática ruptura
institucional. No entanto, permanecer igual seria ainda pior, pois
mesmo que a estratégia de reciclagem do modelo seja bem sucedida e
que a economia consiga retomar uma trajetória de crescimento, nada
retirará do modelo reciclado seu caráter intrinsecamente anti-
social, antinacional e antidemocrático. Dentro da lógica do modelo
econômico, é simplesmente impossível compatibilizar o combate à
pobreza e às desigualdades sociais – a esperança da quase totalidade
da população brasileira – com o compromisso de pagar a qualquer
custo as dívidas externa e interna – a exigência dos grandes
detentores de riqueza nacionais e internacionais.
Criatividade e coragem para mudar
O governo Lula não conseguirá priorizar o combate à pobreza e às
desigualdades sociais, se não vencer as barreiras econômicas,
institucionais e mentais que procuram, por todos os meios, tornar o
neoliberalismo irreversível. A chave do problema reside na negação
de um padrão de acumulação baseado na cópia das pautas de consumo
das economias centrais (opção que, como vimos, condena o Brasil a
perpetuar a concentração de renda, o desemprego estrutural e a
desnacionalização crescente da economia) e na afirmação de um modelo
de desenvolvimento que coloque em primeiro plano o atendimento às
necessidades sociais das camadas desfavorecidas da população e a
defesa intransigente da soberania nacional.
O ponto de partida desta mudança passa pela negação do legado
neoliberal e pela recuperação da capacidade de intervenção do Estado
na economia. Na prática, isto significa: (1º) restaurar o poder das
autoridades econômicas sobre a moeda; (2º) recompor a capacidade de
fazer política fiscal; e (3º) reinstituir mecanismos de regulação da
atividade econômica.
Os primeiros passos devem ser: libertar a política econômica do jugo
do FMI; revogar os dispositivos que asseguram a plena mobilidade dos
capitais e centralizar as operações cambiais para defender as
divisas internacionais; desmontar a armadilha da dívida externa,
ajustando o volume do serviço da dívida às reais capacidade de
pagamento do país; reestruturar a dívida interna; inverter o sentido
de prioridade institucionalizado na Lei de Responsabilidade Fiscal,
que transforma os investimentos públicos e a política social em
variável de ajuste das contas públicas, transformando o serviço da
dívida pública em variável de ajuste da política fiscal; restaurar a
preponderância do poder político na condução da gestão monetária,
eliminando a autonomia já imperante (de fato mas ainda não de
direito) do Banco Central. É também fundamental retirar
imediatamente o Brasil das negociações da ALCA, para impedir uma
deterioração adicional na situação nacional.
As forças populares devem evitar o equívoco de acreditar em
"milagres" do governo Lula – como, diga-se de passagem, de qualquer
governo. Os novos dirigentes só terão condições de cumprir as
promessas da campanha se a correlação de forças for suficiente para
superar os gigantescos bloqueios que subordinam a sociedade
brasileira aos interesses das finanças internacionais e ao mando
despótico da burguesia. A história do Brasil ensina que só a pressão
social de baixo para cima é capaz de promover os interesses das
classes populares. Não pode haver ilusão. O povo brasileiro não deve
esperar nenhuma transformação social que ele não possa conquistar
com a própria cabeça e as próprias mãos.
* Plínio de Arruda Sampaio Jr. Professor do Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas (IE-UNICAMP)
https://www.alainet.org/es/node/107377
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