Brasil: Assassinatos expõem barbárie social

29/08/2004
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Brasil de Fato Em toda a região da Praça da Sé, coração da capital paulista, cartazes exigindo respeito, fi m da violência e com mensagens aos moradores de rua mortos e feridos compõem o cenário caótico de uma das áreas mais movimentadas da cidade de São Paulo. Em frente à Catedral, a poucas quadras de onde ocorreram os assassinatos, moradores de rua, a maioria homens, fazem fi la para garantir uma vaga em um albergue. As inscrições são feitas pelos funcionários municipais do Programa Acolher. Mais do que garantir um abrigo para passar a noite, os moradores procuram por segurança. “Você já sabe? Mataram um monte de gente aqui”, conta Roberto Almeida, 37 anos, que desde os 21 não dormia em um albergue. “Eu não durmo aqui (no Centro), fi co na Rua Vergueiro, no Paraíso (zona sul). Mas hoje vim para cá me inscrever, quero dormir no albergue depois do que aconteceu”. José Mendes, 22 anos, foge das perguntas, brinca, quer evitar o assunto. A funcionária da prefeitura interrompe a conversa: “Já se inscreveu?”. “Claro, e você acha que eu sou maluco? Não quero morrer, não”, diz em voz baixa. Esse é o clima entre os moradores de rua, depois dos crimes ocorridos durante as madrugadas dos dias 19 e 22 de agosto. No total, foram 15 pessoas agredidas a pauladas enquanto dormiam em ruas da região central de São Paulo. Seis morreram e nove estão feridos em estado grave. As investigações, feitas pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), apontam para um grupo organizado como autor do ataque. Para Hédio Silva Júnior, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção SP, essa hipótese é a mais grave. “Signifi ca que há uma cultura favorável para o surgimento de grupos organizados, algo que pode ter um alcance incomensurável”, acredita Silva Júnior. Para o filósofo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, o assassinato em série dos moradores de rua mostra como a sociedade brasileira se relaciona com os pobres. “Se não for confi rmado a motivação por fascismo ideológico, ou seja, um crime cometido por um grupo nazifascista, pode se dizer que se trata de uma atitude de fascismo primitivo, o que não seria novidade na sociedade brasileira”, analisa Romano, recordando o massacre da Candelária, no Rio de Janeiro, o assassinato do índio Pataxó, em Brasília, ou de trabalhadores sem-terra. Segundo Romano, além de o Brasil ter os piores índices sociais do planeta, há agora o recrudescimento da violência física direta, com anuência da elite do país. “Existe uma ética insuportável na sociedade brasileira que precisa mudar com muita urgência. Há uma prática de guerra genocida contra os pobres”, constata. Alguns números em São Paulo, retrato das desigualdades brasileiras, mostram que a população mais pobre é a maior castigada. Em média, em 2002, houve 58 assassinatos a cada 100 mil pessoas – média que coloca a cidade ao lado de Medellín e Calí, na Colômbia. Enquanto bairros de classe média, como Pinheiros, têm 10 homicídios a cada 100 mil habitantes, essa relação sobe para 103 a cada 100 mil habitantes em áreas mais pobres, como Parelheiros, na região sul. “Matar um ser humano a pauladas mostra que vivemos em uma sociedade selvagem. Lembrando Bertold Brecht, pode se dizer que o útero da besta ainda está muito fértil”, alerta Romano. Irmã Regina Maria Manoel, da Organização Auxílio Fraterno, que trabalha há 27 anos com população de rua, presenciou a explosão do número de moradores de rua em São Paulo – o crescimento foi de 30% entre 2001 e 2003, ultrapassando 10,4 mil pessoas. “Vivemos um momento delicado, em que o sistema econômico vigente gera um mecanismo de exclusão permanente. Quando a pessoa chega ao ponto de morar na rua, fi ca mais difícil fazer a sua inclusão social”, diz a religiosa.
https://www.alainet.org/es/node/110452
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