Em dia de golpe cívico-militar, mais de 50 mil vão às ruas

28/03/2011
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Dia foi transformado em feriado nacional há seis anos; marchas se dividiram entre “independentes” e “governistas”
 
O chamado “microcentro” de Buenos Aires é um espaço cujas ruas estão, normalmente, ocupadas por carros, pedestres e centenas turistas. No dia 24 de março, entretanto, deu lugar a milhares de manifestantes, assim como ocorre todos os anos neste dia que marca o golpe cívico-militar da última ditadura argentina. Neste ano, comemorou-se 35 anos do golpe de 1976 que colocou no poder as forças armadas que ali ficaram até 1983.
 
O poder de destruição do governo cívico-militar argentino pode ser aferido por seus números elevados. Em apenas sete anos, o governo de fato pôs em prática uma política de genocídio contra militantes sociais que levou à morte 30 mil pessoas, a maioria desaparecida até hoje. No plano econômico, a dívida externa subiu de 8 bilhões de dólares para 35 bilhões e a porcentagem de argentinos considerados pobres aumentou quase seis vezes.
 
Oficialmente, desde 2002, o 24 de março é reconhecido como Dia da Memória pela Verdade e Justiça. Três anos depois, no governo de Néstor Kirchner, foi reconhecido como feriado nacional. Para Nora Ciapponi, militante da Frente Popular Darío Santillán, afirma que a marcha é uma forma de dizer “que aqui estamos, não perdoamos, seguimos resistimos e que ninguém vai se apropriar de nosso repúdio [à ditadura]”.
 
Duas marchas
 
No cruzamento da Avenida Nove de Julho e Avenida de Maio, a poucas quadras do Obelisco, a marcha se detém por um tempo. As consignas, canções e palavras de ordem são gritadas com efusão. Mas não em uníssono. No cruzamento, acabam se encontrando as duas marchas feitas no dia. Uma saiu da Praça do Congresso Nacional, com cerca de 25 mil pessoas, formada por organizações que, no espectro político, estão à esquerda do governo federal de Cristina Kirchner. A outra, vinda do Mercado Central, reúne setores mais alinhados ao governo, como a organização liderada pelo filho de Cristina e Néstor Kirchner – La Cámpora. Também uma manifestação massiva, com cerca de 30 mil pessoas. Caminhando junto estavam as Madres da Praça de Maio (linha de Hebe de Bonafini), que discursaram ao lado do ministro da Economia, Amado Boudou. Algumas integrantes das Madres – Linha Fundadora, como Nora Cortiñas, marcharam como “independentes”, junto com a Frentre Popular Darío Santillám, Partido Obrero (PO), Proyecto Sur (de Pino Solanas) e Barrios de Pie, dentre outros.    
 
Em poucos segundos, o cruzamento entre as duas avenidas se transforma em uma batalha de canções e palavras de ordem, cada grupo querendo gritar mais que o outro, mas sem que nenhuma tentativa de agressão se esboce. Alguns fazem tentativas de união. Um rapaz faz o sinal de “V” com as mãos (a letra é um sinal usado pelos peronistas, devido à consigna “Perón vuelve”, usadas no período em que o ex-presidente estava exilado e o peronismo proibido). O rapaz do outro lado sorri e retribuiu. “Eu cheguei perto deles e disse: por que não contamos juntos contra os militares ao invés de cantar por Cristina?”, conta Nora. “Mas me olhavam e não diziam nada”.
 
Desaparecimentos de hoje
 
Nora acredita que a decisão de marchar separadamente corre o risco de ser vista como sectária. “Mas não nos dão opção”, afirma. A seu ver, o tom claramente governista da outra marcha impossibilita que todos argentinos que saem a repudiar a ditadura possam marchar juntos.
 
O atual governo impulsionou o processo de julgamentos dos militares envolvidos no genocídio da última ditadura cívico-militar argentina. Entretanto, para alguns setores, há ainda muito no que avançar. Um levantamento de Hijos (grupo de organiza jovens e filhos de desaparecidos), da regional de La Plata, afirma que “depois de quase oito anos do fim das leis de anistia graças à luta popular, o Estado argentino somente realizou 42 julgamentos com sentença em todo o país. Desses, somente 10 % do total de repressores processados foram condenados, e na maioria dos casos com condenações menores ao máximo da pena. Houve nesses processos 16 absolvições de importantes integrantes das patotas de Terrorismo de Estado”.
 
Outro ponto é esclarecer os desaparecimentos em democracia, como o caso emblemático de Júlio López. Preso durante três anos na ditadura, López era testemunha chave no julgamento de Miguel Echecolatz, policial condenado a prisão perpétua por genocídio em 2006. Pouco tempo antes de prestar depoimento no julgamento, López – cujo testemunho envolvia cerca de 62 militares – desapareceu.
 
Outro caso é o de Silvia Suppo, assassinada no ano passado também pouco antes de prestar depoimento. Organizações apontam que não há vontade política de apurar esses crimes. A esses, se somam os casos do jovem Luciano Arruga, seqüestrado e desaparecido pela polícia da província de Buenos Aires em 2009. “Em termos de Direitos Humanos, não se resolveu tudo, ainda há desaparições políticas e repressão”, atesta Nora, que acredita que a estrutura militarista persiste hoje na polícia do país.  
 
Após chegar à praça de maio, onde está a Casa Rosada, a manifestação não alinhada ao governo se dispersou rapidamente para que a outra marcha pudesse passar. Ali a comemoração se estendeu até a noite, com shows e discursos.
 
- Dafne Melo de Buenos Aires (Argentina)
https://www.alainet.org/es/node/148632
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