Brasil quer prorrogar presença militar no Haití

01/02/2007
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Enquanto governo brasileiro planeja permanecer mais 12 meses no país caribenho, ativistas pedem que intervenção militar seja trocada por investimento e apoio em programas sociais

O Brasil almeja ampliar em mais doze meses seus trabalhos à frente da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). Em fevereiro, pleiteará junto ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a renovação do comando militar das tropas até fevereiro de 2008. Integrantes de movimentos sociais, sobretudo do país caribenho, criticam o extensão da ocupação militar e apontam para a necessidade de haver maior autonomia do povo haitiano.

Além disso, o Brasil toma a decisão da manutenção de seus planos militares no Haiti sem ouvir a opinião dos brasileiros, o que também tem sido alvo de críticas. De acordo com o relatório final da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Haiti, 85% do pessoal e do orçamento da Minustah correspondem aos componentes militares e da polícia civil. Essas forças estão integradas por 7.495 efetivos de aproximadamente 30 países de todos os continentes.

O economista e ativista haitiano Camile Chalmers relata que um dos principais motivos de a população ter votado em René Préval (presidente eleito após a deposição de Jean-Bertrand Aristide) foi pelo fato de ele ser contrário à presença militar estrangeira. Chalmers concorda, porém, com a defesa que Préval tem feito à permanência das forças de estabilização no país para que o governo possa se reorganizar. De acordo com o economista, a missão - no entanto - precisa se converter sua ênfase do aspecto militar para o social.

Presença incômoda

O Itamaraty assegura que os objetivos de estabelecer um ambiente seguro e estável, de acordo com os parâmetros do Conselho de Segurança da ONU, vem sendo alcançado. “O batalhão brasileiro tem tido amplo sucesso em áreas difíceis, onde, no início da missão antes não entrava”, explica uma fonte do Ministério de Relações Exteriores, para quem as forças brasileiras são extremamente bem-vindas no país, diferentemente das tropas estadunidenses.

Já a economista Sandra Quintela, integrante da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Haiti, discorda radicalmente da posição do Itamaraty, afirmando que, em certos momentos de sua visita ao país, sentiu-se constrangida por ser brasileira. Segundo Quintela, os soldados brasileiros, sem saber falar crioulo ou francês, dirigiam-se à população aos gritos. “Por que não trocar soldados por técnicos agrícolas, educadores, veterinários, engenheiros, e oferecer bolsas de estudos para jovens haitianos”, indaga.

“Se o companheiro Camile diz que precisa do Bolsa Família lá, devemos respeitar a opinião dele, conhece muito mais a realidade de seu país que nós”, ressalta a economista Sandra Quintela, apontando para a necessidade de o governo brasileiro ouvir os próprios haitianos para o combate de seus problemas.

Em relatório divulgado em 2004 pela ONU, áreas como processos eleitorais, reconstrução de instituições, restauração da saúde pública, apoio à educação, criação de programas de geração de emprego e desarmamento estavam entre as principais ações em que a Minustah deveria auxiliar. Porém, segundo o relatório final da missão, o programa de desarmamento só conseguiu confiscar 265 armas das quase 200 mil que a ONU estimava que estavam em mãos de civis haitianos. Detalhe: nessa empreitada foram investidos 26 milhões de dólares durante os primeiros 18 meses da presença militar estrangeira no país.

Disparada da violência

Prova disso é a permanente violência no Haiti. No início da manhã do dia 24 de janeiro, grandes confrontos eclodiram entre Minustah e grupos armados locais na favela de Cité Soleil, na capital haitiana. Logo após o confronto, o Hospital St. Catherine recebeu 17 pessoas feridas a bala. Entre elas, estavam seis mulheres e uma criança de cinco anos.
O Itamaraty reconhece que é necessária a substituição gradual do contingente de soldados de todos os países por profissionais ligados à saúde e à engenharia. Mas afirma que isso depende, sobretudo, da recomendação que o secretário-geral das Nações Unidas fizer, de renovar ou reduzir o componente militar.

A redução do número de soldados pode favorecer a ampliação de projetos de desenvolvimento e gastos sociais no Haiti que, a mesma fonte do Itamaraty, já existem de modo consistente, independentemente das tropas. “Na área de reflorestamento, com o manejo de dejetos sólidos, na área de saúde, com a montagem de postos de saúde e treinamento pessoal”, relata. Há também dois projetos da Embrapa: um é relacionado ao processamento de castanha de caju, o outro ao processamento de mandioca.

Quintela ressalta que o gasto social do próprio Haiti está emperrado. O país continua pagando uma dívida contraída de forma ilegítima e ilegal no período ditatorial. “O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) cancelou pequena parte da dívida haitiana, mas nossa preocupação é que o cancelamento vem acompanhado por condicionalidades, que vão desde a privatização de serviços públicos essenciais até o ajuste fiscal”, acrescenta.

Laboratório Militar

Para a ativista do Jubileu Sul, o governo brasileiro, de certo modo, contribui com a doutrina militarista estadunidense. “É interessante aos Estados Unidos o Brasil se manter chefiando a Minustah porque o Comando Maior não é formado por países do Sul, mas por generais estadunidenses, canadenses, franceses. O Brasil é a 'bucha de canhão'”, aponta Quintela.

No período em que Estados Unidos, França e Chile ocuparam o Haiti, os estadunidenses já haviam concentrado suas forças no Iraque e no Afeganistão. Para Quintela, essa ocupação serviu inclusive para os Estados Unidos retomarem o diálogo com o governo francês, que estava estremecida desde a guerra do Iraque. Segundo a economista, o governo Lula ainda possui uma visão “sub-imperialista”, crendo que o Haiti não tem condições de resolver seus problemas internos.

Além disso, não somente para o Brasil, mas para os outros países, a Missão no Haiti traz a possibilidade de serem realizados treinamentos , um laboratório para que as polícias militares aprendam a reprimir manifestações populares, transformando-se em polícias políticas. “Citê Soleil é um favela semelhante ao complexo de Manguinhos no Rio de Janeiro. As ruas são muito estreitas. As características físicas são importantes para o treinamento e para a contenção de manifestações sociais. Trata-se da prática de uma polícia de contenção mesmo”, denuncia Quintela. (Com informações da Agência Brasil/ Médicos Sem-Fronteiras)


Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/es/node/119053
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