O jornalista Pepe Escobar destaca o início e um período contrarrevolucionário nos países árabes

A primavera que o Ocidente pediu a Deus

09/12/2011
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A JUNTA MILITAR que governa interinamente o Egito confi rmou a nomeação de um ex-premiê da era Hosni Mubarak (1981 – 2011) para liderar o próximo governo. Kamal Ganzouri, 78 anos, foi primeiro-ministro entre 1996 e 1999. Sua nomeação provocou uma reação negativa entre a população. Mais de 100 mil manifestantes se reuniram na praça Tahrir no centro do Cairo para realizar o maior protesto desde a nova fase das manifestações.
 
A Primavera Árabe estaria retrocedendo? Teria ela entrado num “limbo”? Talvez. A permanência da influência das potências ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos sobre os países árabes reforça tais indagações. A situação no Egito é apenas um exemplo. E recentemente, após o assassinato de Muamar Kadafi , na Líbia, Israel resolveu aumentar a tensão junto ao Irã. Esses são alguns dos destaques que o jornalista Pepe Escobar, especialista em Oriente Médio, do Asia Times, tentou “encadear”, numa conversa com o Brasil de Fato.
 
Brasil de Fato – A guerra entre a Otan/“rebeldes” líbios contra as forças de Muamar Kadafi, resultando na morte do líder, pode ter significado o fim de um ciclo da Primavera Árabe?
 
Pepe Escobar – Ninguém no Ocidente esperava a Primavera Árabe, muito menos da forma como ela começou. Aquele ato do [jovem vendedor ambulante tunisiano] Mohamed Bouzazi lembrou os monges no Vietnã no início dos anos 1960, o de atear fogo em suas próprias vestes exigindo direitos e justiça sociais. O fato de começar num país periférico no mundo árabe como é a Tunísia deixou muita gente no Ocidente um pouco perplexa.
 
Por que na Tunísia? Havia várias condições: repressão governamental a movimentos sociais, teve o elemento “Google-Facebook”, que foi super importante com a juventude desempregada bem informada, e um ditador no poder durante mais de 20 anos.
 
Quando o movimento chegou ao Egito, o Ocidente, especialmente os estadunidenses fi caram desesperados, porque ao contrário da Tunísia, que é um país periférico, o Egito é um país central na política externa estadunidense. A “cadeirinha” dos Estados Unidos no Oriente Médio pressupõe o pilar egípcio, o israelense, e o da Arábia Saudita. Quando caiu o pé da cadeira Egito, os estadunidenses se perguntaram “E, agora? O que virá depois?”. Desde o começo das revoltas, eles privilegiavam uma solução negociada com o objetivo de manter o regime. Ao analisar as declarações da época, não só [Barack] Obama, Hillary Clinton, Pentágono, CIA, todo mundo queria [general e ex-chefe do setor de inteligência egípcio] Omar Souleiman, que era o chefe da tortura basicamente. O pessoal da Praça Tahrir o chamava de “Sheik of Torture”. Desse modo, como sucessor do então presidente egípcio, Osni Mubarak, tudo fi caria igual.
 
Os militares arrumaram um sistema onde botaram uma ditadura militar de fato [na prática], se livraram do chefe do regime, e de seu sucessor, que é o Omar Souleiman, hoje isolado. O regime ficou intacto.
 
Nada mudou essencialmente para os Estados Unidos porque eles continuaram a cooptar esse regime militar.
 
De que forma? Parece que existe uma cooptação direta, sem dissimulação.
 
Eles estão cooptando não só diretamente, mas via seu aliado principal na região, a Arábia Saudita, que há pouco “doou” US$ 4 bi para a ditadura militar do Egito se manter nos próximos meses. O Egito é um país quebrado, tem que comprar comida de fora, tem que pagar funcionários públicos e é um país que está à beira da bancarrota.
 
O “X” da questão foi quando a Primavera Árabe se mudou para a Península Arábica e para o Golfo Pérsico. Aí começou a atacar os interesses práticos regionais dos estadunidenses. No caso do Iêmen, na Península Arábica, a única coisa que interessa é a Al Qaeda. No Barein, eles têm a Quinta Frota estacionada. Essa polícia em meio ao Golfo Pérsico está do lado do Irã. A região para os estadunidenses é como se fosse os estados de Maryland ou Virgínia. É deles. Ninguém toca.
 
No Iêmen houve também um movimento popular, legítimo, com muitos jovens, exigindo o fi m também de uma ditadura de três décadas. Ali Abdullah Saleh caiu. Mas quando ele resolveu se exilar, ele foi para a Arábia Saudita, acolhido por seus primos, que disseram “nós acolhemos você e se ficar muito pesado, nós arrumamos um cara da sua confiança”.
 
No Barein é muito mais complicado. Existe uma maioria xiita dominada por uma ditadura sunita de 240 anos que os trata como cidadãos de segunda classe. Sede de uma quinta frota estadunidense e ligada aos interesses da Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Um lugar assim jamais pode ser uma democracia.
 
Mas quando a Primavera Árabe teve seu caráter modifi cado, se é que isso ocorreu?
 
Existia a Tunísia e o Egito. No mundo inteiro criou-se a expectativa de que agora esse movimento pró-democracia iria tomar conta do norte da África e do Oriente Médio inteiro. Quando chegou no Barein, segundo minha leitura, foi o ponto crucial. Primeiro porque a Arábia Saudita invadiu o Barein e acabou com o movimento. No começo eles destruíram o centro dos protestos, num entroncamento no centro da cidade. Eles destruíram, inclusive, fisicamente o monumento, que é muito bonito, cilíndrico, com pérolas estilizadas em cima, que contava a história de Barein. E isso depois de três semanas do início dos protestos. Essa invasão da Arábia Saudita a gente só foi saber depois. Foi um pacto elaborado entre a casa de Saudi e o departamento de estado estadunidense. Fizeram um trato.
 
Como esses acontecimentos dialogam com o que ocorreu na Líbia?
 
Os Estados Unidos já estavam de olho na Líbia, porque lá havia começado um movimento em fevereiro, mas que foi depois capturado por um bando de oportunistas de todos os matizes. O que aconteceu na Líbia foi um Golpe de Estado, que começou a ser tramado em outubro de 2010.
 
Antes da Praça Tahir.
 
Muito antes. Lá no Egito começou, de fato, em janeiro. Em outubro de 2010, um chefe de protocolo de Kadafi , ele abandonou o governo e foi a Paris. Entrou em contato com a inteligência francesa, contou o que estava acontecendo, que era possível armar um golpe, não só em Trípoli, mas especialmente no leste, em Benghasi. Ele tinha todos os contatos, e conhecia um monte de gente que ia cair fora do governo e apoiar esse golpe. Os franceses adoraram a ideia.
 
O Sarkozy queria um motivo para criar um problema com a Líbia porque Kadafi não estava comprando o que ele disse que iria comprar dos franceses, como jatos Rafale e centrais nucleares.
 
No âmbito comercial, Kadafi havia feito sua escolha pelos Brics?
 
Mais para os russos, chineses e indianos. Além disso, a maior parte das exportações de petróleo não iam para a França e sim para a Itália. Existe, inclusive um gasoduto que vai do norte da Sicília até a Líbia, que se chama Green Xtreme, que abastece o sul da Itália. A Total (empresa de óleo e gás) francesa estava fazendo pressão em cima de Sarkozy.
 
Há outro elemento fundamental também: a água. As três maiores empresas de água privatizada são francesas. A Líbia tem o maior sistema de bombas de sugar água do mundo, e que foi pago pelo governo líbio, usando técnicos canadenses, sem usar um tostão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Esse sistemas levam água do deserto do sul da Líbia para a costa mediterrânea. Os franceses já pensaram em privatizar essa água. “A gente teria mil anos de água fresca para vender para o planeta inteiro”. Todos esses interesses se mesclam.
 
Os estadunidenses queriam uma base na África, com o comando do Pentágono que se chamava Africomm (Comando da África). Agora ele está em Stuttgart, na Alemanha, pois nenhum país africano o quis. E adivinha quem foi o principal coordenador entre os africanos para impedir que os estadunidenses estabelecessem essa frota no continente? Muamar Kadafi
 
No ponto de vista da Otan – Organização do Tratado dos países do Atlântico Norte, que nada mais é que o braço armado do Pentágono na Europa, com aqueles lacaios todos que já conhecemos. O plano para os próximos anos, já aprovado numa cúpula em Lisboa, em novembro do ano passado, é de transformar o Mar Mediterrâneo num lago da Otan, e eles falam mesmo em “Nato Lake” (Lago da Otan). O problema é que há três países que não entram nem na Otan e nem são membros das milhões de parcerias que a organização possui: Líbano, Síria e Líbia.
 
O interesse do Pentágono, da Otan, dos franceses e dos ingleses é isolar os Brics desse mercado, e somar os interesses dos outros árabes das monarquias, sobretudo Arábia Saudita e Catar. E por que Catar? Esse país é super próximo à França. O emir do Catar é amigo íntimo do Sarkozy e de empresários franceses, que investem muito no capital do Catar e vice-versa. Esse país queria se aproximar da Otan e ser colocado quase como um parceiro estratégico no Oriente Médio dos europeus, em termos políticos, comerciais e militares.
 
Quanto à Arábia Saudita, havia uma briga de dez anos entre o seu rei Abdulla e Kadafi , por causa da invasão do Iraque. Kadafi criticou o rei Abdulla ao vivo, chamando-o de traidor e dizendo “você está deixando os estadunidenses acabarem com os países árabes, é um absurdo”.
 
Mas é importante notar que Otan tem 27 membros e somente 12 participaram da guerra. A Alemanha, por exemplo, achou tudo isso um horror e desde o início não se envolveu.
 
Agora, como iriam legitimar essa guerra? Tinha um movimento legítimo de jovens pró-democracia, no oeste da Líbia, que se chama “17 de fevereiro”. Quando eles fi zeram os primeiros protestos em Bengazhi, essa foi a deixa para juntar todo esse pessoal a partir dos caras que tinham ido para a França em outubro de 2010. O pessoal que ia cair fora do regime em Trípoli, os islamistas do leste do Líbia, que estavam só esperando a deixa, aliados de conveniência. O pensamento era “OK, vamos começar um protesto e vamos tentar cortar o oeste da Líbia do leste, a gente se arma e depois tentamos invadir o oeste”.
 
Com o tempo, percebeu-se que a ofensiva dos rebeldes era descoordenada porque eles não tinham comando estratégico, não sabiam operar armas. De uma hora para outra eles passaram a ter um perfeito conhecimento do terreno, armas que não se sabe da onde veio, e estavam reprimindo as forças do Kadafi do oeste para o leste.
 
Criou-se a ficção de que Kadafi iria exterminar todo mundo quando chegasse a Bengazhi, cidade de 700 mil pessoas. Um absurdo! Ele queria ir até lá para acabar com uma guerra civil. Ele ia atrás dos cabeças, como em qualquer guerra. Se fosse nos Estados Unidos, na Itália, na Alemanha, seria inadmissível não agir dessa forma. O governo tem o direito de se proteger.
 
Isso criou o pretexto para a resolução da ONU do “No Fly Zone”, para impedir que caças de Kadafi bombardeassem civis. Soube-se depois que a Anistia Internacional foi à Líbia, de que não havia nenhuma prova de que seria cometido um massacre de Kadafi . Mas do ponto de vista da ONU, ou de quem manda no Conselho de Segurança, ou seja, EUA, Inglaterra e França, era suficiente.
 
Os Estados Unidos fizeram um pacto com a Casa de Saudi. “Se vocês nos derem o voto da Liga Árabe, dizendo que condenam a Líbia em relação a esse possível massacre, nós deixaremos vocês fazerem o que quiserem no Golfo Pérsico”. Foi aí que a Primavera Árabe se transformou em Contrarrevolução árabe.
 
O que aconteceu?
 
O voto na Liga Árabe, que tem 22 membros, foi um voto falso. No dia da votação, havia 11 votos. Seis votos eram de um mecanismo que era Conselho de Cooperação do Golfo, do qual a Arábia Saudita é líder. Outros dois desses 11 votaram contra, Síria e Argélia, que por sinal estarão na mira dos ocidentais em breve. Então só faltava cooptar mais três para votar a favor e ter 9 votos entre os 11, que eles venderam como votos da maioria da Liga Árabe. No fi m, foram 9 votos entre 22 da Liga Árabe. Venderam para os estadunidenses a ideia de que a Liga Árabe apoiaria o ataque à Líbia. Eles votaram e no dia seguinte estava redigida a resolução da ONU 1973, pelos ingleses, pelos franceses e pelos estadunidenses. Três dias depois o Conselho de Segurança aprova o ataque. Quem se absteve foram os Brics e a Alemanha. Com os Mirages franceses e os mísseis lançados de um porta-aviões estadunidense no Mediterrâneo, 180 tomahawks em cima de Trípoli começou a guerra.
 
E como Israel se insere no contexto da Primavera Árabe? Qual o desenrolar dessa tensão com o Irã?
 
Eles estão num ponto de loucura tão grande que eles até tiveram de convencer o [Avigdor] Lieberman, ex-porteiro de boate na Moldávia convertido em ministro das Relações Exteriores de Israel, de que eles têm que fazer algo contra o Irã em breve. Até esse cara, que é um fascista provado, teve que ser convencido, para se ver o nível desse governo israelense.
 
Primeiro, perderam um aliado dócil que era o poodle Mubarak. Ou seja, tudo o que o Egito fazia era aprovado por Israel e vice-versa. Tanto é assim que o principal homem de confiança de Israel no Egito era quem? Omar Souleiman. “Ele conhece a gente, lida com a CIA direto”. Então o “X” da questão no Egito são as eleições. Se houver uma eleição realmente livre e legítima no Egito, vão ganhar partidos e candidatos que sem dúvida negociaram o acordo de Camp David. É insustentável.
 
E a Irmandade Muçulmana já tem um partido?
 
Para se ter uma noção de como as coisas estão complicadas no Egito, há cinco facções da Irmandade Muçulmana por lá. Desde as mais radicais, entre os antigos, até os mais jovens, os ultra-democráticos. Os mais radicais guardam uma concepção antiga da Irmandade Muçulmana, de ser muito mais religiosa e desse ponto de vista, intolerante. Mas do ponto de vista de renegociar esse acordo entre Egito e Israel, todo mundo está mais ou menos de acordo.
 
Renegociar o Canal de Suez. E especialmente, renegociar tudo em relação ao tratamento aos palestinos, que é o “X” da questão para a população egípcia. Se você conversar com o motorista de táxi no Cairo ou com o pescador no Nilo, ele vai te dizer exatamente a mesma coisa. Tem que renegociar porque os palestinos precisam ser tratados como um povo legítimo e soberano.
 
Os israelenses já estavam preocupados com essa história da Primavera Árabe. Quando chegou ao Golfo Pérsico, eles disseram que o Irã estaria se aproveitando politicamente. Aí eles começaram a pensar como a Arábia Saudita.
 
O problema de Israel é que eles precisam de inimigo externo, sempre. Eles tem inimigos fracos, como o Hammas e o Hesbolah; e uma grande potência regional, que é o Irã. Eles vendem a ideia, ara o mundo inteiro, e só quem compra são estadunidenses e alguns países europeus de que o Irã é uma ameaça existencial. Os aiatolás não são loucos de atacar Israel porque Israel possui mais de 200 armas nucleares, e o Irã, nenhuma, pelo menos até agora.
 
O que existe é uma competição pela preeminência regional. Israel, embora cercada por todos os lados, têm apoio militar estadunidense e armas nucleares, embora queiram se apresentar como estado vulnerável. Só quem compra são uns bairros de Nova Iorque, gente do interior e alguns europeus. Inclusive os judeus progressistas que vivem em Israel não compram isso. É uma ficção absoluta. O problema é que os judeus progressistas de Israel são minoria. Eles, inclusive, nem fazem parte do governo. E são muito fragmentados. Se houvesse uma esquerda forte em Israel estaria negociando com a Síria, pelo Golã, e estaria negociando com os palestinos. Mas essa é uma outra história, na qual o eleitor israelense deve resolver.
 
E por que ressuscitar a questão com o Irã agora? Eles sabem que a Primavera Árabe está mais ou menos contida pelos estadunidenses e pela Casa de Saudi. Venceram uma guerra na Líbia, os EUA estão satisfeitos de terem entrado no norte da África e abriu caminho para fazer um belo carnaval no continente africano inteiro.
 
E o gasoduto que corta o norte da África?
 
Os estadunidenses querem não só participação como proteger esse gasoduto para que seu produto se destine somente aos aliados. Israel, por exemplo, descobriu um monte de gás em sua costa. Toda aquela região, do leste mediterrâneo tem muito gás. Parte vai pertencer à Turquia, parte ao Líbano e parte vai pertencer a Israel. Israel pode explorar esse gás, vendê-lo aos vizinhos, ao mundo inteiro, sem a necessidade de fazer guerra com ninguém.
 
É uma região “abençoada”.
 
Exatamente. O problema é que a mentalidade da elite israelense, que é toda militarizada, é de que eles precisam primeiro expandir o território, que é o conceito de “Eretz Israel”(Terra de Israel). É a cabeça sionista clássica, que não mudou. Todos esses líderes israelenses são ainda sionistas clássicos. E, ao mesmo tempo eles querem ter um domínio comercial na região, o que é impossível. Se você está em estado de guerra, você não vai aumentar seu comércio com seus vizinhos.
 
Nos últimos anos, dois inimigos externos se revelaram: árabes e persas. O que é um absurdo! Não se pode ser um micro-estado, no meio do Oriente Médio e estar em guerra com todos os seus vizinhos, que é a condição de Israel hoje. O único aliado seguro que eles têm ali é a Jordânia, que é uma “merrequinha” do lado de Israel e não vale nada, cujo os habitantes, via de regra, são palestinos.
 
Agora que a Primavera Árabe está num limbo, de tentar resolver o problema iraniano. Todo o equipamento, toda a logística, todo o lado militar estratégico israelense são estadunidenses. As bombas, os radares, os aviões, são todos estadunidenses.
 
O Obama não é maluco de entrar numa guerra com o Irã um ano antes da sua eleição, sabendo que é uma guerra infinita e pior que no Afeganistão e Iraque. Não há como ganhar essa guerra de maneira conclusiva, como teoricamente ganhou na Líbia.
 
Uma guerra entre potências ocidentais/Israel contra vai implicar coisas como por exemplo: se o Irã é atacado, ele fecha o estreito de Ormuz no mesmo dia. No estreito de Ormuz passa 40% do petróleo global, não só do Irã, mas da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes. Em uma semana a economia global entra em crise terminal. Ninguém vai querer ser responsável por isso.
 
Isso para o presidente estadunidense e para o sistema é um suicídio. Por isso, a única solução entre Irã e EUA é negociar. O problema é como conter esses extremistas de Israel que estão no governo.
 
O que poderá significar esse aumento de tom contra o Irã?
 
É um blefe. Eles estão esquentando a retórica.
 
Qual o significado político da morte de Osama Bin Laden para os anseios estadunidenses no Oriente Médio? Maior clareza de ação para o Pentágono com o “terreno mais limpo”?
 
Sem dúvida. Porque, seja o que for que tenha ocorrido com o Bin Laden, ninguém dentro do sistema sabe exatamente o que aconteceu. É um mistério total. A versão do Pentágono não bate com a da Casa Branca, que não bate com a versão dos paquistaneses. É uma loucura.
 
O fato é que ele não está mais no mapa. Isso liberou os Estados Unidos para a incursão na África, e a Líbia foi o primeiro país. Uma região que envolve Sudão, Uganda, República Centro Africana e Congo é super fundamental, e já ocupada pelos chineses. A contra-ofensiva estadunidense é militar, via o Africomm, do Pentágono.
 
O que veremos nos próximos anos, e que está começando agora, inclusive, é esse fenômeno crucial, guerra não declarada com a China, do ponto de vista comercial e o Pentágono, agindo do ponto de vista militar. Essa é a agenda deles.
 
Ao mesmo tempo eles estão liberados para contornar os efeitos que eles consideram negativos da Primavera Árabe.  Ou seja, democracia demais. Se chegar um partido no governo do Egito e querer renegociar o acordo com Israel, nem pensar. Xiitas em Barein, democratas querendo derrubar o governo onde fica a quinta frota, nem pensar. E assim por diante.
 
Nesse sistema, Obama é apenas uma peça, um contínuo de [George W.] Bush, e próximo presidente, seja o próprio Obama ou outro, será um contínuo também. Quem toma as decisões de política externa é o Pentágono. É esse organismo que representa o Complexo Industrial-Militar. O Pentágono não é só o Pentágono. O Pentágono é Boeing, Eight One. Há uma lista gigantesca de fornecedores do Pentágono e isso inclui empregos em 30, 40 estados, congressistas pagos por essas corporações e assim por diante. Ou seja, é um tentáculo, é um polvo, que não há como a cabeça dele, porque a polvo é a encarnação do sistema, e do próprio complexo-industrial estadunidense.
 
No Afeganistão eles não vão se retirar nunca. Vão retirar os 30 mil soldados que Obama colocou a mais, há um ano e meio. Mas vão continuar 100 mil lá dentro, do mesmo jeito. Eles dizem que vai acabar em 2014. Não vai, porque o Pentágono quer estabelecer base na Ásia Central.
 
Os chineses querem negociar com todo o mundo sem serem acuados. Que é exatamente o que o Pentágono quer fazer. Acuá-los na África, no mar do sul da China, no oceano Índico, acuá-lo no Afeganistão, porque faz fronteira com a China. É super sensível haver bases estadunidenses do lado da fronteira chinesa. Para Pequim é anátema, não pode.
 
Esse anseio dos EUA, esse império de bases militares (800 bases pelo mundo). Esse tipo de imperialismo lembra-me muito a queda de Roma.
 
Eu recomendaria aos seus leitores lerem Declínio e queda do Império Romano, do Edward Guiben, número um. E depois reler Paul Kelery, bem traduzido no Brasil, Ascensão e queda das grandes potências. Está tudo lá. E o que está acontecendo com o Império Estadunidense é isso. Eles estão super-estendidos e não conseguem mais controlar as províncias mais extremas, as velhas satrapias do Império Persa, por exemplo. E a lógica continua a mesma. É a lógica militar.
 
Que pode dar certo.
 
Não tem como dar certo. Eles não têm mais dinheiro, inclusive para manter essa lógica militar. Quando Roma começou a afundar, uma das razões é que não conseguia mais pagar as regiões que estavam no “fim do mundo”, no Oriente Médio, por exemplo, ou na Ásia Central. É a mesma coisa da campanha estadunidense lá.
 
Hoje é muito mais complexo porque como o mundo é muito mais interligado que na época do Império Romano, tem a crise financeira, que foi ocasionada no coração do sistema, Wall Street, a Meca do capitalismo de cassino, aquela Las Vegas gigante, mas com dinheiro virtual. É o que [Immanuel] Wallerstein chama de sistema-mundo, que é esse capitalismo basicamente  financeirizado no limite. Isso é insustentável ao longo prazo. Ele pode sobreviver porque a China criou um mercado interno gigante, em que as corporações se alocam na China e vendem para o resto do mundo. Mas a longo prazo, é inviável.
 
Esse é o problema. A extensão do Império estadunidense do ponto de vista militar e o colapso de um sistema econômico ao mesmo tempo. Isso é uma coisa que [Slavoj] Zïzek fala sempre. Que o casamento entre capitalismo e democracia acabou. É uma ficção absoluta.
 
Brasil de Fato – edição 457 - de 1º a 7 de dezembro de 2011
https://www.alainet.org/es/node/154570
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