Terrorismo de Estado israelense reflete seu próprio “desespero”

09/06/2010
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“Foi uma atitude desesperada”. A análise sobre o ataque das forças militares de Israel, na madrugada de 31 de maio, a integrantes de uma missão humanitária internacional – ação que, pelo que se sabia até o fechamento desta edição, em 1º de junho, deixou dez mortos, além de dezenas de feridos –, é do artista plástico israelense, radicado no Brasil, Gherson Knispel.
 
A professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP), Arlene Clemesha, soma-se ao coro. Ela atesta que a situação política interna israelense está bastante conturbada e que o ministro da Defesa, Ehud Barak, que deu o aval à ação dos soldados em mares internacionais, vem sofrendo forte pressão por sua renúncia. A opção do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de acordo com Arlene, é a de levar a cabo uma “política de fatos consumados”, assim como ocorreu no massacre de cerca de 1.500 civis na Faixa de Gaza entre o fim de 2008 e o começo de 2009.
 
Netanyahu é o principal mandatário de Israel desde fevereiro de 2009. Desde então, lidera um governo que é considerado um dos mais à direita da história do país, fundado em 1948. Sua política internacional, por exemplo, é encabeçada pelo ultra-direitista Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores.
 
“Os judeus do mundo todo têm duas possibilidades: manter aposição de defender qualquer coisa que o Ministério das Relações Exteriores decidir ou questioná-lo. Quem o dirige é um fascista”, dispara Gherson. “Todos os valores dos judeus foram esmagados neste governo”, pontua.
 
“Frota da Liberdade”
 
A frota de seis barcos da chamada Frota da Liberdade transportava 750 ativistas de cerca de 60 países – inclusive, uma cineasta do Brasil – e carregava alimentos e remédios para doar à população palestina que vive em Gaza, região que há três anos e meio sofre um bloqueio aéreo, marítimo e terrestre por parte de Israel. Segundo os integrantes da frota, não havia armas a bordo.
 
 
O medo de sofrerem algum tipo de represália era um sentimento comum aos ativistas, mas estes não imaginavam uma ação com tal grau de magnitude. O argumento utilizado pelo Estado israelense é o de que haviam terroristas nas embarcações. “São tão terroristas como aqueles 1.500 civis palestinos assassinados entre o final de 2008 e início de 2009”, ironiza Gherson.
 
Com os últimos ataques, Israel acumulou mais crimes que permitiriam sanções da comunidade internacional. As forças armadas israelenses atacaram em águas internacionais navios de bandeiras da Turquia e da Grécia, o que é considerado um ataque ao próprio país de onde é originária a embarcação.
 
Atacou, também, civis desarmados, matando pelo menos uma dezena de pessoas. “Se as condições de correlação de forças for favorável, poderá ser até possível a uma condenação da atitude israelense, unilateral e desproporcional”, destaca o sociólogo brasileiro Lejeune Mirhan. O especialista pondera, entretanto, que a única vez na história da ONU que isso ocorreu foi em junho de 1967, quando até os Estados Unidos votaram contra a ocupação do Egito, Palestina e Colinas de Golã (Síria).
 
Isolamento
 
O “desespero” israelense, no entanto, não se justifica apenas pela conjuntura interna. Sua situação externa tampouco anda das melhores. Lejeune aponta que, principalmente após o massacre ocorrido na Faixa de Gaza entre 2008 e 2009, “o isolamento do Estado judeu, sectário e discriminador só se tem ampliado”. Segundo ele, Israel forjou-se, especialmente a partir de então, como um “Estado pária, à margem do direito e das leis internacionais”, que “se dá ao luxo de não respeitar nenhuma resolução da ONU que seja contrária aos seus interesses”.
 
Israel vive o maior impasse político de sua história. O sociólogo reforça que, atualmente, o Estado judeu tem o apoio somente dos Estados Unidos, do “cão poodle inglês que lhe segue” e da Alemanha. Além disso, tem problemas com a França, Rússia e China, outros membros com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.
 
Atenuar seu próprio isolamento seria tão útil a Israel como ao povo palestino da Faixa de Gaza.“Aceitar a chegada de uma flotilha de seis navios, ainda que pacíficos, seria, na prática, aceitar o fim de seu odioso bloqueio econômico imposto desde 2007”, pondera.
 
Lobby em Washington
 
Até o fechamento desta edição, o governo estadunidense não havia proferido nenhum tipo de condenação mais contundente à ação dos soldados israelenses. Dentre inúmeros fatos que explicam isso está o percurso eleitoral do atual presidente estadunidense Barack Obama, apoiado e financiado pelo lobby judaico, que atende, nos Estados Unidos, pelo nome de AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), segundo nos elucida o sociólogo Lejeune Mirhan. “Os sionistas são extremamente fortes nos Estados Unidos. O chefe de gabinete de Obama, Rahm Emmanuel, é sionista, fala hebraico fluentemente, assim como seu vice-presidente [Joe Biden]”, destaca.
 
Para ele, isso tudo é bastante lamentável, pois Obama, ao contrário de Lula, tem perdido muito de sua credibilidade política internacional na “defesa de causas injustas e vai perdendo, a cada dia, a sua popularidade”. “Claro, agora, ele agiu de forma diferente de George Walker Bush, que apoiou abertamente os ataques de 2008/2009: Obama pede esclarecimentos e apuração rigorosa dos episódios. Entretanto, não condenou os ataques. Assim, isola-se também da comunidade internacional”, explica.
 
Segundo Lejeune, o que há de novo, após mais um ataque espalhafatoso israelense, é a formação de um novo eixo, envolvendo Irã, Síria, Líbano e Turquia. Apesar da Turquia já ter sido um grande interlocutor de Israel no Oriente Médio, atualmente sua postura tende a se inverter. “É provável que turcos possam ter morrido no ataque. Isso fará radicalizar as posições do governo de Recep Erdogan [primeiro-ministro], o que fará o país voltar-se a cada dia mais ao mundo muçulmano, aos árabes. Para a luta árabe e palestina, isso é muito positivo”, conclui.
 
Limpeza étnica
 
“Um estado pirata, que não respeita o direito internacional, que não define fronteiras”. Isso é o que afirma Jamile Abdul Latif, advogada ligada ao Movimento Palestina para Todos (Mopat) e membro da Federação Árabe Palestina, ao comentar o último crime cometido pelo Estado israelense. “Como não conseguem mais expulsar os palestinos como ocorreu, principalmente, de 1947 a 1949, tornam a vida não judia insuportável, a fim de que, aterrorizados, os palestinos saiam de lá e deixem a terra Goyn Rein (Livre dos não-judeus)”.
 
Segundo Latif, o desrespeito de Israel à vida dos não judeus é uma prática programada desde a concepção desse Estado. “Essa limpeza étnica, programada já antes da criação de Israel, continua até o presente, e há vários organismos internacionais e inclusive ONGs judaicas que denunciam que é algo planificado e seguido à risca com intuito de 'limpar a Palestina de não judeus'”, afirma. Trata-se, como reitera, do “sonho sionista” de o “Estado ser apenas para os judeus, assim como a Alemanha hitlerista deveria ser apenas para os arianos”.
 
O artista plástico israelense Gherson Knispel tem pensamento semelhante. Mas defende que existe um número considerável de israelenses, entre eles soldados, que não partilham da mesma visão que o governo de Netanyahu ou anteriores. Knispel fez parte das Forças Armadas israelenses. Em 1948, com 16 anos, atuou como soldado do exército e, em 1967, trabalhou como jornalista para a ,esma instituição. Em 22 de setembro desse mesmo ano, algumas semanas após o término da chamada Guerra dos Seis Dias, ele e outros 11 intelectuais e acadêmicos israelenses publicaram um anúncio no jornal Haaretz – segundo ele, uma “profecia” – que dizia: “O nosso direito de nos defender não nos dá o direito de oprimir outros. (…) As vítimas do terror são, em geral, pessoas inocentes. A manutenção dos territórios ocupados nos torna um povo de assassinos a serem assassinados (...)”.
 
De fato, a profecia vingou e, desde 1967, o terror se repete e Israel “cava seu abismo com os próprios pés”.
 
https://www.alainet.org/es/node/142076
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