A clausura europeia
21/09/2012
- Opinión
Estamos diante de uma encruzilhada histórica, pelos acontecimentos que o planeta está mergulhado. Por qualquer ângulo que se procure interpretar os acontecimentos, nos deparamos com tentativas de respostas, e novas indagações serão apresentadas. É impossível abordar, ou encontrar uma que seja universal e nos dê a explicação ou resposta definitiva. Tentaremos por um caminho.
Nos séculos XVIII e XIX as turbulências ocasionadas pela chamada revolução industrial, causaram impacto imenso na sociedade mundial mais particularmente na Europa. As mudanças profundas causadas na sociedade e particularmente na família, pela implantação de novas tecnologias despertadas pelos descobrimentos da ciência, veio gerar um cenário social na época jamais imaginado. A transferência de milhares de habitantes agrícolas para as cidades, pela falta de oportunidade naquela, e novas nesta, gerou uma turbulência social fantástica. No final desembocou na parte mais crucial do ser humano: a fome.
As terras européias desgastadas por milhares de anos de exploração não mais conseguiam atender as necessidades, com um agravante da chamada explosão demográfica que até então não havia se manifestado. A feliz descoberta pela ciência da causa mortis, das grandes pestes, que macabramente mantinha a população em crescimento vegetativo, a níveis suportáveis pelas condições ambientais, e - com a aplicação de medidas de saneamento básico, - fez reduzir saudavelmente as taxas de mortalidade. Pelo lado da fecundidade nestes duzentos anos até a década de 50 do século passado, nada se alterou, onde era comum famílias serem geradoras de 10 filhos para cima. Logo, mantendo-se altos índices de natalidade, e uma redução drástica nas taxas de mortalidade paralelamente, então se explica naquele período a explosão demográfica acima referenciada.
Tão antigo como nas eras da evolução antropológica para se deslocar na busca de novas fontes de alimentos, vamos verificar no período em análise este grande deslocamento. Num primeiro momento, embora ainda não tão dramático, a America foi uma descoberta altamente oportuna. A passividade dos índios americanos e sua cultura ainda da idade da pedra (nem conheciam a roda), tornou-se fácil o domínio e posse deste imenso continente pelos europeus.
Dando um salto na história, vê-se uma Europa agora rica e endinheirada no período pós 2ª. Guerra até a chegada desse século. Tudo isto por conta de uma política imperialista, colonizadora e exploradora, particularmente sobre África, despojando-a da sua cultura, dos seus recursos materiais e humanos, contaminando-a com a febre perniciosa do consumo, para se tornarem mercado. De que forma poderá ela encarar este novo milênio numa espécie de fortaleza armada e compacta em cujo interior todos são felizes (eram até a pouco), enquanto que no exterior, a fome e o desespero se alastram? Os movimentos político-sociais nos países árabes e africanos é uma pequena ponta deste imenso iceberg.
Serve como metáfora, o conto de Edgar Allan Poe “A máscara da morte vermelha”, onde o príncipe se fecha dentro de seu palácio com festas à todo seu séquito esperando a peste passar lá fora. A história se repete agora com toda a Europa fechada em si mesma. A sociedade européia é hoje (ainda) rica desfrutando altos níveis e qualidade de vida, graças essencialmente a tudo que espoliou da África como da América, mais particularmente no período colonial. Mas a “peste” (ou a fome) acabou de chegar, rondando toda a Europa..
Mais triste neste cenário, é de quem roubou, saqueou, matou e violou por centenas de anos venha querer dar lições sobre moral internacional e direitos humanos. As universidades européias e americanas (esta por extensão) estão cheias desta hipocrisia.
Pouco se rememora a vergonha da exploração imperialista e capitalista aplicada aos povos africanos de alguns séculos atrás. Pouco se é lembrado pelo massacre dos ingleses sobre o Kenya e dos despojos na Rodésia. Os franceses, o quanto roubaram em Dakar e Costa do Marfim. Os alemães com sua disciplina férrea aplicado nos desertos da Namíbia, na exploração do diamante, tem a coragem de conservar o crânio de guerreiros dizimados, como troféu para pesquisa de uma “raça inferior” conservados no Museu de Medicina em Berlim. Diamantes cravados em colares, anéis, tiaras, turbantes, coroas; a grande maioria manchadas de sangue de inocentes pela cobiça de alguns poucos. Até a minúscula Bélgica com seu domínio, praticaram as maiores atrocidades no Congo, quando na minha infância aprendemos no atlas com nome de Congo Belga. Não se pode esquecer também dos portugueses que por lá estiveram em escavações depredadoras na cobiça pelo ouro na Angola e nas caçadas de escravos em Moçambique, para exportarem para as fazendas no Brasil, Antilhas e America do Norte. A cobiça européia para satisfazer as vaidades ridículas de príncipes e princesas, levou ao derramamento de sangue até de crianças inocentes na cata de diamantes e pedras preciosas da Serra Leoa. Vários outros países europeus tiveram também em menor grau, sua cota de pilhagem.
Em momentos recentes estamos vendo outra rapinagem no chifre da África das grandes (e últimas) reservas de Atum, no golfo de Aden, por organizações pesqueiras européias e de outras nações asiáticas. Para completar, aproveitando-se o desgoverno de um país que está sendo dizimado pela fome, despejam todo o lixo industrial e nuclear na região.
A Suíça é um caso particular. Impedida de lançar-se aos mares, escondida entre a cadeia dos Alpes, se intitulou guardiã de todo o dinheiro rapinado pelo mundo. No início do século XIX, o escritor francês Chateaubriand escreveu que se tornaram neutros nas grandes revoluções nos Estados que os rodeavam. Assim, eles se enriqueceram à custa da desgraça alheia e fundaram os bancos em cima das calamidades e desgraças humanas, através de uma senha secreta, chamada sigilo bancário.
Outro pesquisador e compatriota suíço Jean Ziegler, há mais de 30 anos vem denunciando a imoralidade helvética. Estima ele que os banqueiros do país, amparados pelo segredo bancário, fazem frutificar trilhões de dólares de fortunas privadas estrangeiras sem procedência legítima, sendo que as entidades legais como fundos de pensão são nitidamente minoritários. Sua função básica é guardar, recolher, contar, especular e ocultar o dinheiro, atos que se revestem de uma prepotência ontológica, que nenhuma palavra deve macular e tudo é realizado no mais absoluto silêncio e recolhimento. Pergunta ele (Ziegler), onde estão as fortunas recolhidas pela Alemanha Nazi? Fortunas colossais de ditadores como Mobutu do Zaire, Eduardo dos Santos de Angola, dos Barões da droga Colombiana, Papa-Doc do Haiti, de Mugabe do Zimbabwe, da Máfia Russa e outras corrupções pelo mundo a fora?
Mais trágico para os países espoliados, é quando morrem os detentores das contas na Suíça ou quando apeados do poder, elas ficam eternamente esquecidas e em segredo, pois tornam-se impossível serem alcançadas pelos herdeiros legítimos ou dos próprios países roubados. Tudo isto se reverte para o tesouro suíço, e por conseqüência se tornou por muitos anos o pais de maior renda per capita do mundo. Quanta ironia.
Agora a Europa com sua truculência e justificativa de que estão em maus lençóis pela crise econômica, como que este cenário não faça parte de suas responsabilidades dá-se o direito de repelir barcaças de africanos desesperados de fome que chegam as suas costas marítimas, com argumentos torpes, que eles infectarão suas glamorosas praias mediterrâneas!
Parece-nos muito hipócrita a resistência com que a Europa procura evitar a chegada de imigrantes africanos famintos, que não são outra coisa senão o resíduo patético das suas invasões e explorações coloniais de vários séculos.
Quanta hipocrisia. Se a Europa fosse coerente com as suas próprias políticas de direitos humanos teriam que acolher com braços abertos todos os africanos e pedir-lhes perdão pela prepotência e exploração praticada pelos seus ancestrais, oferecendo-lhes agora repartir generosamente aquilo que levaram das suas terras.
Curiosamente, os miseráveis africanos não pedem mais do que de direito deveriam receber, mas até ao contrário, oferecem sua força física por um mísero emprego a fim de que possam sustentar suas famílias que ficaram nas suas terras nativas aguardando o pão nosso de cada dia. Se o emprego não for possível, ao menos que os deixem entrar para pedir as migalhas de uma esmola, vender bugigangas nas praças, entregar jornais, varrer as ruas das principais cidades ou lavar automóveis. Trabalhos estes “não dignos” para a classe européia, mas é o suficiente para sustentar milhões de africanos que ficaram nas suas pátrias de origem. O irônico de tudo isto, é que veio da Europa toda a civilização ocidental que hoje praticamos, através dos costumes, das artes, das ciências, da ordem jurídica e da fé cristã.
As lições da história ainda estão vivas, quando todo o poder de Roma não conseguiu impedir sua queda às mãos dos bárbaros povos germânicos e tártaros. Em tempos recentes (década de 40), os britânicos se curvaram perante as massas “desordeiras” de hindus, liderados por um homenzinho frágil, com sua imensa sabedoria e um grande coração: Mahatma Gandhi. Outro personagem ainda vivo, o preto Nelson Mandela que conseguiu evitar com seu antiapartheid um banho de sangue de Onze Milhões de negros explorados por um punhado “civilizado” de brancos (500 mil), que dominavam a África do Sul.
A Europa e seu corolário norte americano, na mão esquerda levam a Bíblia cristã proclamando a paz, a justiça, o perdão, respeito aos mais pobres e fracos, e na mão direita impondo a submissão pela espada (ou melhor pelo gatilho dos mísseis). Quanta contradição.
Europa, o mundo ruge desesperado à sua volta. Não dá para entender quando se contempla tanta beleza nas artes, nas ciências, na filosofia, possa ao mesmo tempo terem corações tão duros e insensíveis... Não foi isto que a fé cristã lhes ensinou!
Durante cinco séculos a Europa ditou o que o mundo deveria fazer. Esqueceu que outros povos também têm alguma sabedoria para apreender. Apenas usou o conhecimento dos outros naquilo que pudesse fortalecer sua hegemonia, seu imperialismo. Deixou de pensar na ecologia, só se preocupou no crescimento, mas um crescimento insustentável – afirma Boaventura de Souza Santos – sociólogo português.
Tornamos oportuno uma referência do historiador belga Jacques Pirenne, citado em Novembro/2011 pelo presidente do Conselho da Europa, Van Rompuy: “A Europa é um verdadeiro caos, formada por antigos povos romanos, cuja civilização tem origens milenárias, e por novos povos que incluem todos os graus de barbárie e semi barbárie. A Igreja, unindo-os no cristianismo, cria a Europa. Não será uma entidade política, nem uma entidade econômica, essa será exclusivamente uma comunidade cristã”. Isto é o que se espera com a criação da União Europeia. Infelizmente uma união muito mais pautada, no medo do poderio econômico chinês, do que uma comunhão sincera de seus povos.
Nessa nova estrutura, temos esperança que certamente ela abrirá seu coração, suas portas, sua generosidade... e apreenderá algum dia a tratar todos os seres humanos como iguais. Esta é a grande oportunidade de limpar o barbarismo de seu DNA.
- Sergio Sebold – Economista e Professor Independente
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