Agora, a Espanha quer saber de nós
29/01/2013
- Opinión
Desde que em 2011 o presidente venezuelano Hugo Chávez propôs a criação – e criou – a Celac, Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe, a reunião realizada agora em Santiago do Chile foi, se não a mais frutífera, a mais esclarecedora. Compareceram 61 presidentes e altos representantes, 33 latino-americanos e o resto de países europeus ou de organismos internacionais.
Se em suas origens Chávez, em outro de seus impulsos voluntariosos, propôs criar uma nova OEA sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá, a Celac acabou por se transformar em uma organização paralela, e com peculiaridades. Não tem sede, nem funcionários, nem nasceu a partir de tratados e acordos. E, talvez por isso mesmo, por reunir apenas chefes de governo e de Estado, acabou por fluir sozinha e em bom ritmo. É um foro de vida própria, um espaço para debater problemas comuns e tentar encontrar soluções comuns.
É evidente que entre seus 33 integrantes convivem governos de ideologia e propostas políticas e econômicas diversificadas, muitas vezes contrastantes, e que dentro do bloco se consistiram outros blocos com intenções prioritárias comuns. Manter a harmonia e buscar pontos de convergência é o exercício prioritário dos participantes.
Nessa reunião de Santiago do Chile houve um pouco de tudo. Para começar, a presidente Dilma Rousseff cancelou sua agenda e deixou vários temas em suspenso para viajar de urgência a Santa Maria para prestar solidariedade às vítimas da tragédia da discoteca Kiss. Seu gesto não apenas foi perfeitamente compreendido pelos demais participantes, como gerou elogios. Mas, seja como for, assuntos que dependiam de seus encontros pessoais com outros mandatários para serem finalizados ou, em alguns casos, iniciados, ficaram pendentes. Continuam a ser tratados por equipes técnicas à espera de novas oportunidades para conversas entre Dilma e seus colegas.
Houve outros detalhes bem representativos do estado das relações entre alguns países europeus e da América Latina e do Caribe. O esforço gritante da primeira-ministra alemã Angela Merkel para evitar todo e qualquer contato com o presidente cubano Raúl Castro chamou a atenção. Mais do que uma questão diplomática ou de política de governo, primou pela falta de educação.
Já com Mariano Rajoy, o encontro com o cubano, o primeiro entre os dois, mostrou o contrário. Apesar da distância que separa o governo direitista de Madri com o processo de Havana, foi um diálogo curto, formal, cordial.
O próprio presidente chileno, Sebastián Piñera, ao passar a presidência temporária para Raúl Castro (segue-se o turno por ordem alfabética na Celac) evitou qualquer menção às distâncias ideológicas que separam os dois governos. E Raúl Castro, numa mostra de seu humor tão peculiar, a certa altura de seu discurso, olhando para alguns mandatários, disse, pícaro: “Não se preocupem, só vou ficar um ano”.
O principal destaque, em todo caso, ficou com os espanhóis. Na situação gravíssima em que se encontra o país, a agitação da delegação espanhola chamou a atenção. O ministro de Relações Exteriores, José Manuel García-Magullo, foi dos mais diligentes. Sua conversa com seu colega venezuelano Elías Jaua foi longa, na tentativa de retomar negociações interrompidas há vários anos sobre temas pendentes.
Os espanhóis insistiram, com veemência, em dois temas específicos. O primeiro, reivindicar o papel de principal canal de diálogo entre a América Latina e a Europa. Se dizem peça-chave para qualquer aproximação. Não explicam exatamente como atuariam. Pedem investimentos latino-americanos (mirando principalmente o Brasil, a Venezuela e o México) na Espanha, e pedem oportunidade para fazer negócios em nossas comarcas. Ao mesmo tempo, numa brisa permanente de prepotência, recordam a imperiosa necessidade de oferecer garantias jurídicas para suas empresas instaladas em nossos países.
Se referem especificamente a experiências amargas recentes, como a nacionalização da argentina YPF, com o Estado comprando as ações da espanhola Repsol, e ao que enfrentam na Bolívia e no Equador. Em nenhum momento há menções explícitas, que, aliás, seriam desnecessárias. E em nenhum momento há observações sobre os métodos predatórios aplicados pelas empresas nacionalizadas, observações essas que aliás seriam contraproducentes.
O diálogo entre a União Europeia e os países latino-americanos é difícil, complexo, intrincado. Basta ver as negociações entre dois blocos específicos, a própria UE e o Mercosul, que se arrasta há quase uma década avançando parcos metros. O que se viu agora uma vez mais – um grupo de europeus dizendo buscar avidamente canais de diálogo enquanto avançam com barreiras de exigências descabidas – pode ser considerado um indicio claro de que essas dificuldades continuarão existindo.
Curiosa mesma é a atuação da Espanha. Com uma mão, passa o chapéu pedindo ajuda. Com a outra, brande a chibata querendo impor respeito. Se for esse o seu conceito de diplomacia de aproximação, seria conveniente alguém advertir que as coisas não acontecem exatamente assim...
Se em suas origens Chávez, em outro de seus impulsos voluntariosos, propôs criar uma nova OEA sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá, a Celac acabou por se transformar em uma organização paralela, e com peculiaridades. Não tem sede, nem funcionários, nem nasceu a partir de tratados e acordos. E, talvez por isso mesmo, por reunir apenas chefes de governo e de Estado, acabou por fluir sozinha e em bom ritmo. É um foro de vida própria, um espaço para debater problemas comuns e tentar encontrar soluções comuns.
É evidente que entre seus 33 integrantes convivem governos de ideologia e propostas políticas e econômicas diversificadas, muitas vezes contrastantes, e que dentro do bloco se consistiram outros blocos com intenções prioritárias comuns. Manter a harmonia e buscar pontos de convergência é o exercício prioritário dos participantes.
Nessa reunião de Santiago do Chile houve um pouco de tudo. Para começar, a presidente Dilma Rousseff cancelou sua agenda e deixou vários temas em suspenso para viajar de urgência a Santa Maria para prestar solidariedade às vítimas da tragédia da discoteca Kiss. Seu gesto não apenas foi perfeitamente compreendido pelos demais participantes, como gerou elogios. Mas, seja como for, assuntos que dependiam de seus encontros pessoais com outros mandatários para serem finalizados ou, em alguns casos, iniciados, ficaram pendentes. Continuam a ser tratados por equipes técnicas à espera de novas oportunidades para conversas entre Dilma e seus colegas.
Houve outros detalhes bem representativos do estado das relações entre alguns países europeus e da América Latina e do Caribe. O esforço gritante da primeira-ministra alemã Angela Merkel para evitar todo e qualquer contato com o presidente cubano Raúl Castro chamou a atenção. Mais do que uma questão diplomática ou de política de governo, primou pela falta de educação.
Já com Mariano Rajoy, o encontro com o cubano, o primeiro entre os dois, mostrou o contrário. Apesar da distância que separa o governo direitista de Madri com o processo de Havana, foi um diálogo curto, formal, cordial.
O próprio presidente chileno, Sebastián Piñera, ao passar a presidência temporária para Raúl Castro (segue-se o turno por ordem alfabética na Celac) evitou qualquer menção às distâncias ideológicas que separam os dois governos. E Raúl Castro, numa mostra de seu humor tão peculiar, a certa altura de seu discurso, olhando para alguns mandatários, disse, pícaro: “Não se preocupem, só vou ficar um ano”.
O principal destaque, em todo caso, ficou com os espanhóis. Na situação gravíssima em que se encontra o país, a agitação da delegação espanhola chamou a atenção. O ministro de Relações Exteriores, José Manuel García-Magullo, foi dos mais diligentes. Sua conversa com seu colega venezuelano Elías Jaua foi longa, na tentativa de retomar negociações interrompidas há vários anos sobre temas pendentes.
Os espanhóis insistiram, com veemência, em dois temas específicos. O primeiro, reivindicar o papel de principal canal de diálogo entre a América Latina e a Europa. Se dizem peça-chave para qualquer aproximação. Não explicam exatamente como atuariam. Pedem investimentos latino-americanos (mirando principalmente o Brasil, a Venezuela e o México) na Espanha, e pedem oportunidade para fazer negócios em nossas comarcas. Ao mesmo tempo, numa brisa permanente de prepotência, recordam a imperiosa necessidade de oferecer garantias jurídicas para suas empresas instaladas em nossos países.
Se referem especificamente a experiências amargas recentes, como a nacionalização da argentina YPF, com o Estado comprando as ações da espanhola Repsol, e ao que enfrentam na Bolívia e no Equador. Em nenhum momento há menções explícitas, que, aliás, seriam desnecessárias. E em nenhum momento há observações sobre os métodos predatórios aplicados pelas empresas nacionalizadas, observações essas que aliás seriam contraproducentes.
O diálogo entre a União Europeia e os países latino-americanos é difícil, complexo, intrincado. Basta ver as negociações entre dois blocos específicos, a própria UE e o Mercosul, que se arrasta há quase uma década avançando parcos metros. O que se viu agora uma vez mais – um grupo de europeus dizendo buscar avidamente canais de diálogo enquanto avançam com barreiras de exigências descabidas – pode ser considerado um indicio claro de que essas dificuldades continuarão existindo.
Curiosa mesma é a atuação da Espanha. Com uma mão, passa o chapéu pedindo ajuda. Com a outra, brande a chibata querendo impor respeito. Se for esse o seu conceito de diplomacia de aproximação, seria conveniente alguém advertir que as coisas não acontecem exatamente assim...
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