Vergonha, vergonha, vergonha

24/04/2018
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Leonardo Boff
Foto: Eduardo Matysiak
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A imagem é clara: sentado sob o sol perto do portão de entrada da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, a capital do Estado do Paraná, um homem de cabelos e barbas brancas, vestido com uma camisa vermelha e com um cachecol da mesma cor sobre os ombros, espera. Parece cansado.

 

Outra imagem é igualmente clara: um homem de estatura mediana, de cabelos igualmente brancos e vestindo uma camisa branca, sai pelo mesmo portão. Ele sim, conseguiu entrar, mas chegou somente até a mesa de recepção dos visitantes.

 

Os dois queriam o mesmo – e esse mesmo é algo que, a propósito, está assegurado pela legislação penal brasileira: no dia de visitas, poder se encontrar com o preso.

 

Uma juíza substituta de primeira instância vetou a visita. Ha sido una decisão arbitrária que violou a lei e agrediu os direitos do preso.

 

Mas se trata da justiça de Curitiba, a muito reacionária capital do muito reacionário Estado do Paraná. Uma justiça arbitrária, parcial, injusta, que dá mostras de abuso um dia sim e o outro também.

 

O homem de camisa vermelha se chama Leonardo Boff, é um dos mais nobres cidadãos deste país absurdo, um teólogo iluminado, um batalhador da vida. Estava sentado porque padece de problemas sérios em seus joelhos.

 

O homem de camisa branca se chama Adolfo Pérez Esquivel. É outro batalhador da vida e dos direitos do ser humano. E, ademais, é um prêmio Nobel da Paz.

 

O preso que queriam visitar é amigo dos dois. Se chama Luiz Inácio Lula da Silva. Foi presidente do Brasil por dois mandatos seguidos.

 

Entre muitas outras iniciativas, cometeu a façanha – ou crime, segundo o ponto de vista – de tirar 43 milhões de brasileiros da pobreza e da miséria, e afastar o seu país do mapa mundial da fome.

 

Está preso porque foi condenado num juízo absurdo, sem uma única e miserável prova do crime do que foi acusado, sentença que foi confirmada, com a pena ampliada, por um tribunal de segunda instância cujos integrantes leram quase que em uníssono votos que repetiam as palavras de uns e outros. Dizem os juristas que quando uma segunda instância de justiça examina a sentença do tribunal inferior, seus magistrados devem levar a decisão inicial a um debate. O que se viu neste caso específico foi completamente diferente, como num jogo de cartas clarissimamente marcadas. Uma assustadora encenação de uma comédia bufa.

 

Tudo isso, as visitas proibidas, ocorreram na quinta-feira passada. No dia seguinte, a notícia apareceu apenas na imprensa local. Como se impedir que um preso receba visitas, um direito assegurado por lei, fosse um procedimento de rotina. Como se ter como visitantes proibidos a um teólogo insuspeitável e um vencedor do Prêmio Nobel da Paz fosse parte do cotidiano de Curitiba.

 

Cada dia fica mais claro que meu país tem duas constituições. Uma, da República Federativa do Brasil. Outra, da República Abusiva de Curitiba. A segunda viola a primeira. E parece não haver ninguém capaz de defender o que está escrito no que, se supõe, seria a Carta Magna.

 

O tribunal de primeira instância, encabeçado por um fundamentalista travestido de justiceiro chamado Sergio Moro, que inaugurou una nova modalidade de Direito –um juiz que não julga, prefere acusar e condenar – é parte essencial do golpe institucional que destituiu uma presidenta legítima, Dilma Rousseff, instalou no poder uma quadrilha de corruptos vulgares, encabeçada por um sujeito indecente chamado Michel Temer, e que alcançou seu objetivo final ao levar Lula da Silva à prisão e impedi-lo de disputar as presidenciais marcadas para este ano, das quais fatalmente sairia eleito.

 

A crescente pressão internacional criticando a barbaridade cometida contra Lula, a qual inclui a proibição de que Adolfo Pérez Esquivel e Leonardo Boff o visitem na prisão, não tem, ao menos por enquanto, nenhum efeito sobre a obsessão de Moro e companhia.

 

Eles se sentem superiores, enviados do céu que pairam sobre as pequenezes da terra.

 

Ele e a juíza substituta, chamada Carolina Lebbos – que o substitui enquanto Moro perambula pelos Estados Unidos – se acha, e efetivamente são, imunes a tudo.

 

Não percebem que, com sua absurda arbitrariedade, estão cobrindo o país de vergonha.

 

Não percebem, nem os abusadores do Poder Judiciário brasileiro, nem as instâncias superiores, que pecam por covardia e omissão, o verdadeiro alcance dos seus atos.

 

Se sentem inalcançáveis.

 

Não percebem que são pura vergonha. São abjetos. São infames.

 

Lula tirou 43 milhões de brasileiros da pobreza e da miséria.

 

Michel Temer, em um ano, devolveu um milhão e meio de brasileiros a essa condição, que os elegantes acadêmicos chamam de “pobreza extrema”, e que na realidade da vida se chama miséria.

 

Um milhão e meio em apenas um ano. Em um ano, quatro vezes a população do Estado mexicano de Oaxaca de Juárez. Duas vezes a de Acapulco. É como imaginar a uma cidade de Guadalajara ou de Puebla toda ela cheia de miseráveis.

 

Lula foi condenado.

 

Temer foi permitido.

 

A justiça do meu país é essa vergonha. As instituições do meu país estão apodrecidas.

 

- Eric Nepomuceno, La Jornada

 

23/04/2018

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Vergonha-vergonha-vergonha/4/39978

 

https://www.alainet.org/es/node/192459
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