Diz ministro venezuelano

Combate às crises políticas passa pelas comunas

13/03/2014
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Da reunião de Hugo Chávez com seu gabinete ministerial em outubro de 2012, logo após vencer mais uma eleição presidencial, uma pergunta, feita por ele de forma enfática, ficou ressoando nos ouvidos dos venezuelanos: “Onde estão as comunas?”. Como um pai severo, Chávez tocava em uma ferida do processo revolucionário, que, depois, receberia atenção especial de Nicolás Maduro. Desde o início de seu mandato, o presidente se disse comprometido com o desenvolvimento do poder popular.
 
Um ano depois da morte de Chávez, ainda há muito a ser feito para que o Estado Comunal – principal meta da Revolução Bolivariana –, seja concretizado, reconheceu em entrevista exclusiva a Opera Mundi o ministro de Comunas, Reinaldo Iturriza. No entanto, ressalta o sociólogo e ex-professor da UCV (Universidade Central da Venezuela), mais do que os entraves burocráticos e institucionais, existe um “desejo” popular, “que faz a diferença para a criação de uma sociedade diferente”.
 
Luciana Taddeo/Opera Mundi
Iturriza: "povo venezuelano está um passo à frente das instituições.
Chávez era um monstro da política porque tinha o mesmo ritmo"
 
Segundo ele, o ritmo da população sobrepõe o das instituições. "Essa é a história da Revolução Bolivariana", salientou. Iturriza ainda sublinhou que, principalmente em momentos de crise política, como o atual, agravado pelo que Maduro chama de guerra econômica contra seu governo, o fortalecimento das comunas é essencial. “Na Venezuela, fazemos uma revolução pacífica e democrática há 15 anos, com muito esforço para dirimir os conflitos pela via eleitoral”, pontuou.
 
Leia a entrevista completa:
 
Opera Mundi: No último ano houve muita ênfase nas comunas. Quais são as principais iniciativas?
Reinaldo Iturriza: Maduro enfatizou já nas primeiras jornadas do “governo de rua”, querendo retomar o que foi parte substancial do legado de Chávez. No primeiro Conselho de Ministros depois de eleito em 2012, Chávez levantou vários temas, sendo a eficiência das comunas um deles. As comunas são uma das orientações estratégicas dele. No primeiro [programa] Alô Teórico de 2009, ele abordou essas angústias existenciais políticas e relativas ao estratégico. Ou seja, pôs o esforço pedagógico e prático para que ficasse claro o conceito. Mas ainda falta muito.
 
A comuna é a nova sociedade e ainda há elementos abstratos. No entanto, ela precisa ser concreta, do contrário, é enrolação, e isso angustiava Chávez. Ele sabia da importância de questionar as formas tradicionais de organização e queria a multiplicação de instâncias de participação reticulares, usando mecanismos novos. Maduro retoma essa consideração estratégica e, com seu ritmo, decreta um mês das comunas, querendo dar a visibilidade que o tema merece. As instruções foram muito especificas: tínhamos que impulsionar uma política ampla sem sectarismo. O ministério precisava se transformar em uma instituição aglutinadora.
 
Outro passo foi simplificar trâmites para o reconhecimento da comuna. Precisamos nos apressar para que não haja distância entre as que estão conformadas e trabalhando, de cuja existência sabemos, mas que ainda não têm registro, e das outras. Na normativa legal, conselhos comunais se articulam e conformam uma comissão, promovem uma discussão e elaboram uma carta fundacional. Depois, ao menos 15% devem aprovar o registro. Uma das revelações é que havia muito mais iniciativas do que imaginávamos. Chegamos a estimar 900 comunas no país, mas haviam 1.400.
 
OM: Isso demonstra que a população se move mais rápido que o Estado?
 
RI: Essa é a historia da Revolução Bolivariana. Em geral, o povo venezuelano está um passo à frente das instituições, que caminham lentamente, inclusive as criadas no processo. Chávez era um monstro da política porque tinha o mesmo ritmo do povo. E os últimos acontecimentos demonstraram que, mesmo sem ele, o povo chavista continua aí.
 
OM: É possível, com um ministério, desenvolver um estado comunal? Não acredita que essa estrutura pode ser...
RI: Um obstáculo? Claro.
 
OM: E como resolver isso?
RI: Concretizando as políticas. Não estamos condenados à institucionalidade, mas é fundamental reconhecê-la como um problema. O povo tem a obrigação e o direito de controlar popularmente a gestão e nós, como instituição, de criar as condições. A partir de medidas concretas, que afetam dinâmicas territoriais, é possível avançar. Mas, é preciso primeiro reconhecer que, com o Estado assim concebido, a renda sempre será da mesma classe – inimiga dessa revolução.
 
OM: Chávez chegou a perguntar se precisaria eliminar o ministério e clamou por transversalidade, que todos os ministros se envolvessem com as comunas...
RI: Houve avanços notáveis, mas ainda falta articulação. Um bom exemplo é a relação com o Ministério de Moradia, com quem o laço intrainstitucional é extraordinário. Houve um decreto para criar uma comissão presidencial para o impulso das comunas, integrada por quase metade do gabinete, que conta com mais de 30 ministérios. Já realizamos cerca de três reuniões, sempre em comunas, e há subcomissões que funcionam regularmente na questão econômica, que é onde estamos colocando ênfase agora, no tema geral de participação.
 
OM: Em momentos de crises e distúrbios, qual é a importância da comuna?
RI: Decisivo. Não só as comunas, mas todas as formas de organização popular. Na Venezuela, fazemos uma revolução pacífica e democrática há 15 anos, com muito esforço para dirimir os conflitos pela via eleitoral. Mas quando é preciso dissolvê-los na rua, é dessa forma, com a organização popular. Sempre que o chavismo disputa na rua, vence. Segundo alguns meios [de comunicação], há uma guerra civil aqui. Mas, na verdade, a maioria do povo venezuelano está esperando o momento em que precise atuar, ocupando as ruas, justamente o que Maduro vem fazendo.
 
OM: Há comunas opositoras?
RI: Nenhuma. A maioria está em municípios chavistas e, em localidades opositoras, praticamente todas em setores governados pelo chavismo. Ou seja, há uma relação diretamente proporcional entre o controle do Estado e a aparição e consolidação de comunas. Além disso, com a desinformação, somada à “lenda negra” do antichavismo sobre as comunas, é absolutamente inconcebível uma comuna antichavista. Já conselhos comunais opositores existem. Eles dificilmente se organizam para demandar o mesmo que a média nacional, como saúde e educação. Normalmente querem mais segurança.
 
OM: Como conciliar responsabilidades diárias com a construção das comunas em cidades grandes, em comparação com as no campo?
RI: Não tenho resposta. Sem dúvida as dinâmicas são muito diferentes. Dizem que as comunas são, por definição e natureza, rurais. Tem que ser assim. Contra o latifúndio, temos que continuar apoiando os comuneiros no campo.  Mas a comuna urbana não é inconcebível. Ela parte de outra lógica. Ter a comuna como um território onde se produz cereais ou leite e que se restringe a como barateá-los para que cheguem à população, é limitado e economicista. Não se produz cultura, relações em geral? Há pouca gente pensando isso além dos comuneiros na cidade. Por isso, parte do nosso trabalho também é criar as condições. Por isso é revolucionário. Senão, bastaria reproduzir o que já existe. Uma dívida nossa é sistematizar todo o caudal de saber produzido nessas comunas urbanas. Elas estão se criando e recriando, e não é somente para obter recursos do Estado. Outro é elaborar políticas próprias. As pessoas querem outra coisa, só não sabem o que. Nós também não, mas esse desejo é o que faz a diferença para a criação de uma sociedade diferente. Das 582 comunas registradas, quase metade está nas cidades.
 
OM: Qual é a principal atividade produtiva?
RI: A partir da Gran Misión Vivienda Venezuela, tentamos vincular a proposta com ofícios urbanos, criar a plataforma para desenvolver uma indústria que nos permita cumprir com a meta de moradias. Quando ela está na mão da iniciativa privada, a construção encarece. Algumas comunas se organizam em brigadas de autoconstrução e, em alguns casos, instalamos unidades de fornecimento nas cidades para que as comunas vendam e distribuam o que produzem no campo.
 
OM: E qual é o potencial produtivo das comunas? Há números?
RI: Temos problemas de método. Por exemplo, em um território, seria melhor medir o que os comuneiros produzem ou todas as unidades de produção? Isso porque ali também existe o latifúndio e pequenos proprietários. O Ministério da Agricultura deve ter um dado próximo da realidade, mas das unidades de produção agrícolas. Para as comunas, primeiro é preciso definir como isso será investigado. Então, os comuneiros sugeriram critérios para identificar as potencialidades e tipologias das comunas. O saber comuneiro não é romântico. Eles se deparam com problemas o tempo todo e esse cenário é o perfeito exemplo de como eles estão à frente.
 
Luciana Taddeo/Opera Mundi
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OM: E como é a comuna venezuelana?
RI: A melhor maneira de definir uma comuna é pelo sujeito que a conforma. Na Venezuela, quem protagoniza a revolução é fundamentalmente quem nunca militou e até votou na direita no passado. Antes, a melhor forma de garantir que ninguém participasse era pedir que o fizessem. Mas Chávez interpelava esse sujeito que se constituía e vice-versa. Dessa forma, ele resignifica completamente o conceito de participação. O novo papel da mulher ilustra bem. Nos conselhos comunais, é uma realidade quase universal que a senhora que lidera os processos não havia ocupado esse espaço público. A maior presença de mulheres é palpável. Os porta-vozes continuam sendo homens e isso é um processo para ser investigado, mas quem mobiliza é a mulher. Como surge a comuna? Uma vez criados os conselhos, começa a transformação da realidade concreta nas comunidades. E as pessoas entendem que, unidas, são mais fortes, e criam a comuna. Isso foi gerado pelo povo chavista. Esse protagonismo define a revolução, algo raro de ser encontrado em outros lugares.
 
OM: Quando as comunas não irão mais depender do Estado?
RI: Ainda falta muito. Somos uma sociedade com elites edificadas sobre uma lógica monoprodutora, apoiada na renda do petróleo. Depois de 15 anos, ainda estamos longe de superá-la. Mas nossa sobrevivência depende de vitórias rápidas. Temos que começar ontem! Fazer frente à guerra econômica, que é a conjuntura atual, passa pela consolidação das comunas produtivas. Claro que no caminho haverá erros e a ação das forças do mercado. Mas acredito nas ferramentas e, principalmente, nas pessoas. Para isso, precisamos garantir as condições. Mas quando a comuna avança sozinha, a obrigação do governo é deixá-la quieta e ajudá-la a se consolidar.
 
OM: Os venezuelanos de hoje têm consciência de que estão construindo algo que provavelmente não verão concretizado nesta geração? O ânimo não arrefece?
RI: Acho que sabem disso, mas ao mesmo tempo, é um falso dilema a falta de perspectiva, porque as pessoas veem os resultados. Na média, o comuneiro vê isso como um projeto de longo prazo, construído com lutas, passo a passo. Mas não pode ser só construir. Vitórias são necessárias, como derrotar a guerra econômica, triunfar nas eleições etc. As crianças precisam comer, estudar, desfrutar de tudo o que a revolução deu em 15 anos. Porque amor com fome não dura.
 
- Luciana Taddeo e Marina Terra | Caracas
 
14/03/2014
 
https://www.alainet.org/es/node/83949
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