O desafio de articular um projeto de desenvolvimento
- Opinión
As entidades que elaboraram o documento “Por um Brasil Justo e Democrático – Mudar para Sair da Crise, Alternativas para o Brasil Voltar a Crescer” (acesse o Vol. I e Vol. II) prestaram um grande serviço à luta por uma estratégia de desenvolvimento econômico e social nacional. Suas propostas merecem a atenção e o debate de todos os que se preocupam com os destinos das classes populares e com a inserção do Brasil no atual mundo em mudanças.
No momento, chama a atenção haverem considerado que suas propostas “precisam fazer sentido em conjunto, articuladas num projeto nacional de desenvolvimento que não temos por aqui desde os anos 1980⁄90”. Ou seja, aceitam a tese de que, “depois de três décadas aproximadamente, o Brasil segue sem conseguir definir e consolidar uma estratégia nacional e internacional hegemônica”.
Em relação a isso, seria mais adequado dizer que a esquerda e as forças progressistas ainda não conseguiram “definir, consolidar e tornar hegemônica uma estratégia nacional e internacional” para o Brasil. Nosso país não deve ter interesse numa “estratégia nacional e internacional hegemônica” de poder. Ao contrário, quanto mais multipolar e multilateral for o mundo, maiores condições o Brasil terá para realizar um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.
Além disso, seria conveniente relembrar que até meados dos anos 1990 o PT possuía uma estratégia que comportava um projeto nacional de desenvolvimento, embora incompleto e com falhas.
Essa estratégia foi modificada para negar apenas o projeto neoliberal em curso na ocasião. Estratégia que se consolidou com a Carta aos Brasileiros, em 2002, comprometendo-se a não modificar radicalmente a estratégia econômica imposta pelo sistema financeiro.
Essa estratégia conciliadora não impediu o desvio tático de crescimento econômico e redução da miséria, favorecido pela conjuntura internacional (por isso chamado neodesenvolvimentista, por uns, e social-desenvolvimentista, por outros). Mas aceitou as visões contra a interferência do Estado na economia, e contra uma estratégia que promovesse um desenvolvimento soberano e democrático.
Em contraposição à estratégia conciliadora, que norteou os governos petistas de coalisão e nos conduziu à atual crise, o documento “Mudar para Sair da Crise, Alternativas para o Brasil Voltar a Crescer”, afirma que “a articulação de um projeto nacional de desenvolvimento deve passar… pelo desmonte de uma institucionalidade que beneficia tão somente a riqueza financeira e os fluxos de rendimento que ela gera”, resgatando “o protagonismo da indústria” e tornando a “necessidade de respeito e preservação ao meio ambiente uma vantagem comparativa do país em meio às transformações mundiais”.
Isso está correto se não levar à conclusão de que a “articulação do projeto de desenvolvimento”, que resgate a indústria e transforme o meio ambiente numa vantagem comparativa, depende do desmonte da “institucionalidade” que privilegia a riqueza financeira.
Em termos estritamente políticos, tal conclusão significaria subordinar a luta contra o atual golpismo reacionário e pela mudança da atual política econômica à luta imediata pelo desmonte daquela “institucionalidade”. Ou seja, dar prioridade imediata à luta por reformas da estrutura política que assegura o sistema subordinado e dependente brasileiro.
Tal prioridade seria viável se, na atualidade, houvesse se configurado no Brasil uma mobilização política idêntica à existente em 1988 e 1989. Naquela ocasião, o aventureiro candidato das elites teve que se mascarar de “caçador de marajás” e de “opositor dos magnatas” para evitar a vitória do torneiro mecânico que ameaçava realizar um governo de desenvolvimento soberano com perspectivas socialistas.
Hoje, no entanto, vivemos um quadro político em que as medidas governamentais, tendo à frente o PT, afastam sua base social e colocam parcela considerável dela politicamente contra as propostas e sugestões oriundas do petismo.
Muitas das manifestações populares que expressaram “a demanda pelo reforço da democracia participativa, prestação de contas pelos governantes e representantes, responsabilidade pública pela qualidade dos serviços, transparência no processo decisório e definição de prioridades que sejam do interesse geral e não do interesse particular”, destacadas por “Mudar para Sair da Crise…, tiveram como alvo principal o governo e o PT. O que abriu chance à oposição de direita impor ao Congresso Nacional “contrarreformas que caminham na contramão dos apelos sociais”.
Nessas condições, embora seja fundamental ter uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e social, que inclusive delineie as mudanças necessárias na “institucionalidade”, a questão política chave imediata consiste em contrapor-se à atual política econômica e envidar esforços para mudá-la.
Apenas uma virada efetiva nessa política econômica pode permitir reconquistar politicamente a base social e democrática que representa a maioria da população brasileira.
Sem isso, as forças populares e democráticas correm o risco de assistir ao golpe constitucional do impedimento, articulado pela direita, ou a continuidade do governo atual, em qualquer dos casos com o retorno pleno da política neoliberal.
Portanto, a “inversão do posicionamento do Estado em relação ao papel do Brasil na divisão internacional do trabalho”, como sugere o documento, só poderá ser efetivada se o lado popular e democrático vencer a batalha das “medidas emergenciais inicialmente colocadas”, referentes ao desajuste econômico promovido pelo governo e à ofensiva reacionária da direita.
É a mudança do desajuste econômico e a defesa firme das liberdades democráticas e das conquistas populares que permitirão colocar na ordem do dia a luta pela “reforma política reivindicada pela sociedade (ao contrário da que foi aprovada pelo Congresso)”, e transformá-la na “mais importante das reformas” e “prioridade das forças progressistas”, assim como iniciar a implantação de uma nova estratégia de desenvolvimento econômico e social soberana.
Crédito da foto: EBC
07/10/2015
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