Pagamos para andar com pernas do FMI
11/01/2006
- Opinión
Imagine que você pague antecipado em dois anos uma dívida de 15 mil, barata, e imediatamente tome emprestado outros mil, a juros muito mais altos. Faz sentido? Pois é isso que o Brasil acabou de fazer ao formalizar com grande solenidade no Planalto a antecipação em dois anos do pagamento de 15 bilhões de dólares ao FMI, com o anúncio simultâneo da captação no mercado privado internacional de bônus de um bilhão de dólares. Afinal, ele precisa ou não de dinheiro emprestado? Não é tudo, porém.
O presidente Lula anunciou orgulhosamente que, com o pagamento, o Brasil dava provas de que agora pode andar com as próprias pernas. Provavelmente não ouviu o que o ministro Palocci disse na mesma solenidade: que o pagamento não significava qualquer mudança na política econômica brasileira. Como essa política foi definida seguindo as condicionalidades do acordo feito com o FMI para tomar o empréstimo, continuamos andando voluntariamente com as pernas do FMI, não as nossas.
Ainda não é tudo. O senhor Rato, representante do FMI, tomou a liberdade de aproveitar a solenidade no Planalto para dizer na cara do Presidente que o Brasil deveria dar plena autonomia à direção do Banco Central. Não vou discutir a tese proposta do Banco Central independente, em si, mas a audácia da proposição. Quem é o senhor Rato para se meter na política interna brasileira para dizer como devemos organizar nossas instituições monetárias?
Depois das vibrantes provas de vassalagem do Governo Fernando Henrique perante os países ricos, e sobretudo os Estados Unidos, querendo inclusive nos enterrar na ALCA, a política externa do presidente Lula tem sido razoável e prudente, como disse na recente resenha do livro de Paulo Nogueira Batista Jr. Isso se deve, porém, ao Itamarati. Quando o assunto está no domínio do Ministério da Fazenda, aí caímos de novo no terreno da vassalagem e da submissão ao neoliberalismo e ao condomínio dos países ricos.
Seria ótimo que recomeçássemos a andar com nossas próprias pernas, como o Presidente anunciou. Acontece que a equipe econômica mantém nossas pernas amarradas ao neoliberalismo, o que nos coloca nas piores posições da América Latina em termos de crescimento econômico, ainda mais distantes dos países asiáticos, e mergulhados na pior crise social de nossa história, com quase um terço de nossa força de trabalho em desemprego absoluto ou no subemprego.
O modelo que nos impõe o FMI, junto com outras agências internacionais e as elites econômicas do Primeiro Mundo, está falido aqui e na esmagadora maioria dos países onde foi aplicado. Temos que sacudir esse peso das costas. Se é para isso que pagamos adiantado os 15 bilhões de dólares, ótimo. Mas a precondição para tirar FMI et caterva das costas do Governo é tirar a equipe econômica neoliberal das costas do Brasil. Ou isso, ou continuaremos numa espécie de pacto com o diabo da estagnação!
Mesmo na política externa é preciso manter reserva em face da influência nefasta de Palocci e dos seus. O Brasil, no âmbito da OMC, está insistindo com sede demais em queda de barreiras protecionistas de produtos primários nos Estados Unidos e na União Européia. É preciso ver o que esses países estão exigindo em contrapartida. De repente, em troca de uma liberalização que terá apenas efeitos marginais em nossas vendas de primários, teremos que fazer concessões inaceitáveis em investimentos, patentes, serviços e compras governamentais, de uma forma que cristalizará o nosso desenvolvimento.
Tome-se apenas um exemplo do risco prático que isso representa. O único grande programa industrial em curso no Governo Lula são as encomendas de navios e plataformas de petróleo pela Petrobrás a estaleiros instalados no Brasil. Pois bem, estivesse em vigor o acordo que os Estados Unidos e a União Européia exigem, em troca de redução de subsídios agrícolas, para compras governamentais, a maior parte das encomendas da Petrobrás acabaria em estaleiros da Coréia do Sul, do Japão ou mesmo da Europa. Como, a propósito, aconteceu no Governo tucano – que graciosamente quer agora voltar ao poder.
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