Valoriza o teu voto
15/10/2006
- Opinión
No segundo turno das eleições, não te submetas ao desencanto, à inércia, à frustração, fraudando o teu voto como moeda sem valor. Lembra que a humanidade não conhece melhor caminho de avanço fora do processo democrático de livre escolha dos governantes. Amesquinhar o voto é abrir ainda mais espaço à corrupção, ao caudilhismo, à tirania, e rejeitar a democracia como meio legítimo e pacífico de conquistas sociais.
Não te iludas com o marketing que aplica aos candidatos um arsenal de cosméticos capaz de torná-los todos simpáticos, confiáveis, dispostos ao mais imaculado desempenho caso se elejam. Nem te deixes enganar pela retórica dos palanques, das promessas enganosas, das frases de efeito, dos compromissos tão altruístas quanto quem dá esmolas para se ver livre dos pedintes. Investiga teu candidato, conhece-lhe os atos, as idéias, a vida pregressa e, sobretudo, a ética de suas atitudes e escolhas.
Não te deixes saturar de nojo pela política e repúdio às instituições, pois são elas que nos permitem o acesso a direitos, liberdade e cidadania, sem trilhar a sofrida via do conflito armado, do terrorismo, da quebra da convivência democrática.
Lembra que todos os detalhes de tua vida resultam da qualidade da política que predomina no país: o alimento que ingeres, o transporte que utilizas, o salário que recebes, a cultura que respiras, a segurança de que desfrutas. Se a política serve à maioria, reduzem-se as desigualdades sociais, o desemprego, a violência, a miséria e a fome. Pois tudo isso é provocado pela política que serve à minoria, privilegia o sistema financeiro e os credores da dívida pública, favorece a ganância dos oligopólios e o estéril gigantismo do latifúndio.
Teu voto pode alterar ou reforçar tão injusta realidade ao eleger homens e mulheres para governar o Brasil. Tomara que os teus candidatos sejam pessoas imbuídas dessa ousada visão humanista que forjaram Tiradentes, Padre Cícero, Chico Mendes, Irmã Dulce, Francisco Cândido Xavier, Betinho, Dom Luciano Mendes de Almeida e todos aqueles que tombaram sob a ditadura militar em defesa da democracia.
Não te deixes embalar pelo entusiasmo fácil, as frases de efeito em vinhetas televisivas, a música envolvente, o discurso enfático. Nem permitas iludir-te por impressões superficiais. Debate com teus amigos, lê análises, convoca candidatos e partidos à sabatina, reflete, tenha clareza do projeto de nação que alimenta teus sonhos. Se te mantiveres indiferente e repudiares a campanha, outros haverão de escolher por ti, e pode ser que elejam quem haverá de contrariar teus direitos e anseios.
Avalia o teu município, o teu estado, a tua nação. O que necessita nosso povo? O que macula nossos direitos de cidadania? Quais as causas do desemprego, da fome, da miséria, da violência e das drogas? Por que metade das crianças que chegam à quarta série é analfabeta? Por que o peso dos impostos, a falta de moradia e saneamento, de saúde e educação? Quem elege os políticos corruptos?
Seja o teu voto, não a expressão de tuas ambições individuais, de tua amizade com o candidato, de tua simpatia, e sim da compaixão aos mais pobres, de tua fome de justiça, de teu senso cívico, de teu respeito pelos direitos humanos, de teu projeto de Brasil soberano, independente, livre de discriminações e injustiças.
Não cometas o erro de dar teu voto a quem defendeu a ditadura, meteu a mão no dinheiro público e jamais beneficiou os que labutam arduamente pela sobrevivência. Nem aos pusilânimes, aos arrivistas, aos alpinistas sociais e aos que multiplicam seu patrimônio familiar à custa do poder público. Vota com sabedoria e coragem, e empenha-te pela vitória de teus candidatos.
Indaga como e em quem votarão as pessoas que admiras. Pergunta a ti mesmo quem são os candidatos preferidos por aqueles que julgas exemplo de ética, de transparência cívica, de dedicação aos interesses da coletividade, de exercício do poder como serviço preferencial aos excluídos.
A depender de teu voto, pode ser que, na data da próxima eleição o Brasil esteja ainda mais endividado, aviltado, conflitado e colonizado. Mas pode ser que se alargue o espaço democrático, robusteça-se a cidadania, ampliem-se a participação popular e o controle da sociedade sobre o poder público.
Se for nulo o teu voto, nula serão também as tuas queixas e estarás condenado à amargura cívica. À margem do processo político, teu protesto inócuo haverá de favorecer aqueles que merecem ser banidos da vida política. À tua omissão eleitoral agradecerão os que se locupletam com recursos públicos e promovem tráfico de influências, nepotismo e maracutaias.
Contudo, se votares nas reformas que o Brasil tanto necessita, como a agrária, e na redução do desemprego e na conquista do desenvolvimento sustentável, com plena soberania nacional, não serão os eleitos que te agradecerão, e sim teus filhos e as gerações vindouras, pois por elas e nelas estarás votando.
- Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.
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