Mais uma vez a esperança

30/10/2006
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Assim como os fiéis passam de mão em mão a água benta, assim nós também devemos passar de coração em coração a esperança. Assim dizia Charles Peguy, escritor francês do século XX que tinha especial predileção por esta segunda virtude teologal - depois da fé e antes da caridade - chamando-a filha menor do bom Deus.

Ao escrever esse artigo as eleições do segundo turno ainda não se realizaram. No entanto, pode-se prever com alguma certeza seu resultado. Seja porque queria o outro candidato eleito, seja porque desejava a vitória do vencedor, mas votava nele com algumas senão várias restrições, o fato é que muitos brasileiros sairão destas eleições nem plenamente convencidos nem plenamente satisfeitos.

Votaram e escolheram sim, mas na boca lhes fica um travozinho amargo que não deixa a alegria ser total. Nesses momentos é que a esperança desempenha papel fundamental. Ajuda a ultrapassar todo pessimismo e a olhar o futuro de frente. Ajuda também a não ceder à tentação da negatividade e a pensar positivamente e apostar naquilo que poderá ser melhor no futuro que se avizinha e vem ao nosso encontro.

Razões de sobra temos para olharmos desconfiados o resultado desta eleição e cuidarmos para não esperar muita coisa. Temos medo de outra decepção depois de tantas que já tivemos, de nos animar e achar que agora será diferente e tudo continuar como era antes. Não queremos ter outro desapontamento, outra desilusão. O clima que cerca a eleição, bem diferente do louco entusiasmo de 2002, deixa perceber isso.

Trata-se de atitude madura, ponderada, de adultos que já não têm os arroubos e fervores indiscretos da juventude e pensam duas ou mais vezes antes de entusiasmar-se com promessas ou discursos feitos pelos tristemente limitados e falhos seres humanos que somos. Porém, não podemos deixar que essa pretensa maturidade mate em nós a esperança que nos ajuda a seguir em frente.

A esperança é discreta. A fé é ardente, poderosa, move montanhas e faz queimar de emoção os corações. A caridade é perfeita, pois para o que ama não existe lei. Entre o ardor da fé que motiva, impulsiona, incendeia, e a dedicação e oblação sem fim do amor que se oferece e se dedica sem limites, está a esperança, que mantém fielmente a vida.

São Paulo diz que a esperança não decepciona. Nisso temos de acreditar. Não nos decepcionará termos ido às urnas uma vez mais e acreditado na democracia. Não nos decepcionará o fato de termos apostado mais uma vez em uma sociedade mais justa, que ainda não vemos mas acreditamos ser possível. Não nos decepcionará havermos feito o que podíamos e o que sentíamos que devíamos. Não nos decepcionará haver esperado, ainda que não vejamos frutos muito concretos desta esperança.

O Brasil foi ontem mais uma vez às urnas. Talvez arrastando os pés, cansado, sem forças nem entusiasmo. Mas como a esperança não decepciona e dança na corda bamba de sombrinha, bem no fundo de cada coração brasileiro a chama dessa esperança estará bruxuleando como vela, que é batida pelo vento mas não se apaga.

Filha caçula do bom Deus, a esperança não deixará que nosso país se deixe vencer por maus presságios e profecias sombrias.

Porque finalmente, se nada mais se puder esperar, ao menos consola o coração saber que os pobres fizeram sua escolha, decidiram essa eleição e votaram segundo sentiam em seus sofridos corpos e corações que era o caminho da justiça e de uma vida melhor. Se esperança não sentimos, creiamos ao menos na esperança dos pobres.

- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.

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