Carta da CUT ao Ministro de Relações Exteriores

07/02/2007
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São Paulo, 06 de fevereiro de 2007
Exmo. Sr.
Embaixador Celso Amorim
Ministro de Relações Exteriores
cc Exmo. Sr L. Fernando Furlan
Ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comercio
cc Dr. Mario Mugnaini
Diretor da CAMEX

Ref. Retomada das negociações na OMC

Prezado Senhor Ministro

Novamente a Central Única dos Trabalhadores – CUT, dirige-se a V. Excia. para expressar suas preocupações com a veiculação pela imprensa de que o governo brasileiro concordaria em aumentar as concessões tarifárias para os produtos não agrícolas, principalmente os industriais, visando obter um acordo na atual rodada de negociações na OMC. 

A imprensa nacional e internacional noticiou (nos dias 30 e 31 de janeiro) que os Estados Unidos e a União Européia estariam acenando com possíveis novos cortes nos subsídios agrícolas e pressionando o G.20, principalmente  países como a Índia e o Brasil, a aceitar um corte de cerca de 64% na alíquota média de importação de produtos industrializados, com a aplicação de coeficientes 15 e 20% da fórmula suíça, para poder conseguir um acordo no âmbito da OMC. No caso do Brasil, segundo as simulações da OMC, isto poderia significar a redução da alíquota média de 29,8%, para um índice entre 11% e 12,8%. Também foi aventada a possibilidade do Brasil aceitar participar das negociações setoriais e que o G20 teria concordado em ampliar as concessões em serviços, para poder acelerar as negociações.

Além disso, segundo a imprensa, V. Excia teria aventado a hipótese de aumentar a oferta tarifaria industrial e de criar benefícios compensatórios para segmentos da indústria nacional que fossem mais afetados pela nova redução de tarifas. No dia 02 passado a Agencia-Brasil estampou um pronunciamento de V.Excia desmentindo os percentuais veiculados, mas afirmando que “o Brasil está disposto a cortar tarifas para a entrada de bens industriais desde que os  Estados Unidos reduzam o apoio financeiro concedido pelo governo aos seus agricultores e que a União Européia melhore a oferta de acesso a mercados para produtos agrícolas dos paises em desenvolvimento.”
Ao
mesmo tempo, a Argentina, a África do Sul, a Índia e a Venezuela – importantes parceiros do Brasil no cenário internacional – declararam que não aceitam as ofertas de abertura na área agrícola que estão sendo feitas pelos países ricos dentro da Rodada Doha. E o Secretário de Relações Econômicas Internacionais do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, disse que esse país não pretende assinar qualquer acordo nas bases dadas até agora e mostra surpresa com uma nova oferta brasileira, lembrando que mudanças na tarifa industrial brasileira têm que ser acordadas antes com os outros sócios do bloco.


Deixando de lado os exageros da imprensa, e nos pautando apenas pela entrevista de V.Excia. à Agencia Brasil, ficamos preocupados do governo do Presidente Lula recuar da posição de resistência que tem ostentado na negociações da OMC. Posição que foi fundamental para a criação do G 20, instrumento que marca uma grande diferença com a rodada do Uruguay, quando os países em desenvolvimento tiveram que aceitar um acordo onde perderam muito e ganharam pouco nos setores de seu maior interesse.
O governo brasileiro tem se somado às criticas a um modelo de globalização que pratica um comercio injusto, onde os países mais ricos exigem a eliminação de tarifas nas áreas de seu interesse e, ao  mesmo tempo, restringem a entrada, em seus mercados, de produtos de maior interesse para os países em desenvolvimento. Um modelo sem reciprocidade, que reforça o controle dos países mais ricos sobre a tecnologia e os investimentos e inviabiliza a sobrevivência da industria nos países periféricos. Essa é a denuncia que o Presidente Lula tem feito, na luta contra a pobreza e a desigualdade.
Como, então, aceitar uma proposta em que não há reciprocidade? onde os países mais ricos reduzirão em menos de 30% suas tarifas e os paises em desenvolvimento terão que cortar 60%?

Segundo a Unctad, em todas as propostas colocadas na mesa de negociação da OMC até agora, os países em desenvolvimento enfrentarão proporcionalmente o maior aumento de importações e os maiores ajustes na produção industrial, perda de empregos e maior perda de renda tarifária.

Temos argumentado, e apresentado dados, que uma nova abertura tarifaria industrial resultará em aumento do desemprego e maior precarização do mercado de trabalho. O Brasil já viveu isso nos anos 90, quando a abertura da industria gerou enormes perdas na ocupação industrial, sem que houvesse correspondente geração de novos empregos em outras áreas. Segundo estudo recente da Profa. Vivianne Ventura-Dias, da Universidade Federal de Santa Catarina e do Latin American Trade Network (Latn), a abertura comercial brasileira, praticada entre 1991 e 1997, teria aumentado a produtividade e a qualificação da mão de obra, mas não teria elevado a oferta de emprego. Importações de bens de consumo e de bens intermediários explicariam 89% dos empregos industriais eliminados no período.  E, no entanto, não vemos  questões de tal gravidade como estas serem levadas em conta pelos negociadores na formulação das ofertas brasileiras.

Por outro lado, senhor Ministro, além, de não concordarmos que se sacrifique a indústria e o setor de serviços no Brasil, como contrapartida para a redução dos subsídios na agricultura, as ofertas de maiores cortes de subsídios, feitas por altos funcionários dos Estados Unidos e da União Européia, são incertas e improváveis. No primeiro caso, trata-se de uma proposta do governo Bush que tem que ser aprovada por um Congresso que majoritariamente está na oposição e, no caso europeu, não há consenso e nem autorização para a mudança.

Lamentamos ter fundamentado nossas preocupações em fontes jornalísticas, mas como nunca recebemos nenhum informe sobre a posição oficial brasileira na OMC, não dispomos de outro recurso para analisar o processo.

Temos insistido na importância da transparência da participação brasileira nas negociações externas  e na necessidade de que o governo consulte sistematicamente os setores empresariais, sindicais e sociais sobre essas negociações. Tem sido assim com relação ao Mercosul, deveria ser também em relação à OMC.
 
As reduções das tarifas devem ter em conta o nível de desenvolvimento de cada país e as políticas nacionais. Cada país deve ter flexibilidade para escolher a fórmula que melhor corresponda aos seus interesses.

Alem dos países menos desenvolvidos, também os países em desenvolvimento, devem estar isentos de reduções tarifarias posteriores. Da mesma forma, as margens de flexibilidade devem ser garantidas aos países menos desenvolvidos e aos países em desenvolvimento.

Não se pode ceder mais do que já foi oferecido na rodada anterior nas negociações de NAMA. Uma negociação comercial multilateral não pode comprometer o direito, dos países em desenvolvimento, a promover uma política industrial com garantia da oferta de empregos de qualidade para todos. Um princípio que V.Excia tem repetido constatemente e que reafirmou quando esteve no 9o. Congresso da CUT, ano passado.
Para prosseguir negociando esse tema o governo deveria contar com estudos de impacto e uma forte interlocução com a sociedade civil, notadamente com os setores sociais que se veriam afetados em seus níveis de vida e suas condições de trabalho.

Neste sentido, voltamos a solicitar que este Ministerio organize, o mais breve possível, uma reunião entre as diferentes areas governamentais que participam das negociações da OMC e as organizações sindicais, empresariais e sociais. 


Artur Henrique da Silva Santos
Presidente

João Antônio Felício
Secretario de Relações Internacionais

Nota

(1)       Valor Econômico, 02/02/2007


https://www.alainet.org/pt/active/15510?language=en
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