Atentado contra a reforma agrária
21/01/2002
- Opinión
A reforma agrária tem suas idas e vindas. Como questão não resolvida
cotidianamente temos notícias de fatos das mais diversas formas de
violência contra os sem-terra que lutam pelos direitos sagrados da
vida, da terra, da moradia, do trabalho, da educação, da saúde e o
direito de continuar lutando.
No dia 19 de janeiro, José Rainha Júnior, Fátima Siqueira e Sérgio
Pantaleão foram vítimas de emboscada quando retornavam do acampamento
Chico Mendes na fazenda Santa Rita do Pontal, de três mil e oitocentos
hectares, no município de Rosana - região do Pontal do Paranapanema.
Esta fazenda está ajuizada faz três anos e as famílias a ocuparam
porque foram informadas da publicação da emissão de posse no Diário
Oficial. A tocaia foi bem planejada, pois bloquearam a estrada,
impedindo o veículo dos sem-terra de prosseguir e quando o carro
diminuiu a velocidade, três homens armados começaram a atirar contra o
carro. Rainha conseguiu correr até uma cerca, foi ferido pelas costas
por dois tiros, mas conseguiu despistar os atiradores. Sérgio e Fátima
conseguiram escapar. A polícia prendeu o fazendeiro Roberto Junqueira
acusado de ser um dos pistoleiros que atentaram contra as vidas dos
sem-terra.
As balas certeiras que alvejaram Rainha estão carregadas de histórias
de violência, porque não é de hoje que se mata gente no Pontal do
Paranapanema para defender o latifúndio. Esse fato, mais uma vez, traz
à tona a questão agrária da região. São diversos os livros de
Geografia e História que contam com detalhes o processo de grilagem de
mais de uma milhão de hectares de terras do Pontal. Desde meados do
século XIX, as terras vêm sendo griladas e dos conflitos com os índios
caiuás e caingangues, que tiveram seus territórios usurpados e foram
exterminados, vieram os conflitos contra os posseiros, que foram
expulsos, muitos assassinados e tiveram suas casas e roças queimadas.
Hoje são os conflitos contra os sem-terra que lutam por terras
devolutas e griladas. Em todo esse tempo, os fazendeiros – grileiros
permaneceram incólumes.
Desde a década de noventa, com as primeiras ocupações de terras pelo
MST, o Estado realizou alguns processos de desapropriação para
implantar assentamentos. Entre 1990 e 2000, o MST realizou 336
ocupações com a participação de 18 mil famílias. Por causa dessa luta,
as famílias conquistaram 76 assentamentos, distribuídos em 100 mil
hectares, nos municípios da região, onde 4 mil famílias foram
assentadas.
Todavia, recentemente, com a criminalização das ocupações por meio de
medidas provisórias editadas pelo presidente da Fernando Henrique
Cardoso, os sem-terra viram a luta popular tornada crime por um ato
presidencial, que beneficiou os latifundiários. Mas, por outro lado,
não foi tomada a mesma atitude contra a violência e a impunidade dos
mandantes e dos assassinos de trabalhadores. Exemplo nacional é a
morosidade do julgamento dos culpados pelo massacre de Eldorado dos
Carajás. Também em 1996, dois sem-terra foram feridos durante uma
ocupação na fazenda São Domingos, no município de Sandovalina, no
Pontal, e ninguém foi preso. Com a criminalização das ocupações, as
ocupações no Pontal diminuíram sensivelmente. Sem luta pela terra, no
ano de 2001 nenhum assentamento foi criado. E para piorar essa
situação, o secretário da Justiça e da Cidadania afirmou que não há
mais terras devolutas no Pontal.
Assim, num passe de mágica, do dia para a noite, as terras devolutas e
griladas do Pontal deixaram de existir. Mas, as famílias sem-terra
não. Elas estão lá, na beira da estrada, debaixo dos barracos de lona
preta, sobrevivendo precariamente, contando com a esperança da terra
para continuar a existir. E a terra estava ali, do outro lado da
cerca, terra devoluta, que se tornaria terra de trabalho, mas o
secretário afirmou que o fazendeiro é dono e que não há terras para os
sem-terra.
Mas se não há terra, há balas certeiras que atingem pelas costas,
assim como afirmar que as terras devolutas do Pontal acabaram. Sai
século, entra século e as terras do Pontal continuam nas mãos dos
grileiros. O Estado, única instituição competente para recuperá-las,
já não as reconhece mais.
A emboscada contra Rainha é um atentado contra a reforma agrária. O
Instituto de Terras do Estado de São Paulo precisa, urgentemente,
retomar a implantação de assentamentos no Pontal. Negar a existência
de terras devolutas é o mesmo que querer desconhecer a questão agrária
do Pontal. O trabalho de maquiar essa realidade é dos ruralistas, que
já fazem propaganda suficiente.
* Bernardo Mançano Fernandes, geógrafo, professor da Unesp, campus de
Presidente Prudente
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