O massacre da dignidade humana
26/06/2003
- Opinión
A historia da questão agrária brasileira já nos ensinou muitas
lições. São lutas de resistência dos camponeses, massacres de
milhares de pessoas, criminalização da luta pela terra; criação e
destruição de diferentes politicas públicas; conquistas de terras e
territorialização dos movimentos sociais, exemplos de sucessos dos
assentamentos rurais e das cooperativas dos pequenos agricultores. O
enfrentamento na luta persistente tornou a morte e a dor em marcas
do dia- a -dia.
Nesse vai e vem da vida, uma vez ou outra nos surpreendemos com
aberrações de todos os tipos. A mais recente, um panfleto anônimo
distribuido em São Gabriel (RS), sugere três formas de assassinar os
sem terra. A primeira é para incendiar as pessoas; a segunda é o
envenenamento e a terceira é para matar a tiros.
Para o(s) autor(es) do panfleto, os sem terra são ratos. A primeira
forma de assassinato não é nova. Em 1995, ela foi tentada no
municipio de Getulina, em São Paulo, na ocupação da Fazenda Jangada.
Lembro-me que estava realizando uma pesquisa e ao chegar no
acampamento encontrei vários barracos queimados. Os sem terra
informaram-me que durante a madrugada, alguns homens colocaram fogo
no pasto seco, que se alastrou rapidamente, atingindo os barracos.
Embora as pessoas estivessem dormindo, todos conseguiram se salvar.
Muitos sofreram queimaduras ao tentar retirar seus pertences, que
acabaram sendo consumidos pelo fogo.
A segunda forma de assassinar, em vinte anos como pesquisador da
questão agrária, eu não tomei conhecimento que houvesse ocorrido.
Mas a terceira forma é bastante conhecida de todos nós. É a mais
praticada. Matar a tiros as pessoas, ou pelos jagunços ou pela
milícia, infelizmente já faz parte de nosso cotidiano.
Poderiamos desconsiderar esse panfleto anônino, pois parece um ato
de loucura. Mas não podemos, porque conhecemos a prática fascista de
grande parte dos latifundiários. Este panfleto é um exemplo. Essa
tentativa de fascistizar a questão agrária representa o desespero de
quem pode perder parte do seu reino. Ao menor sinal de
democratização do acesso à terra, os latifundiários brasileiros se
erguem contra tudo e contra todos, procurando argumentos sem
sentidos para justificar seus privilégios.
No panfleto, há a afirmação que no município de São Gabriel, mesmo
com os latifúndios que possue, nunca conviveu com a miséria. Os
senhores da terra não vêem a miséria. Defendem a máxima que a guerra
garantirá a paz. A paz é compreendida como morte de todos os que
cruzam os seus caminhos, ocupam os seus territórios. O panfleto está
carregado de ódio. É bestial.
A tentativa de fascistizar a questão agrária é uma forma de
desvirtuar o seu sentido, que é o da luta de classes. No discurso do
panfleto, seu conteúdo transforma todos os cidadãos de São Gabriel
em iguais. Todos devem defender os interesses dos latifundiários. É
um discurso de exaltação doutrinária em defesa do território do
latifúndio, como se ele fosse de todos. Chama a todos para defender
o que é de alguns. Coloca o privado como se fosse público. É uma
tática bastabte conhecida, que não causaria espanto, se não fossem
as atrocidades propostas.
A atitude representa o desespero, porque eles conhecem o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Sabem que dificilmente
essa situação será revertida. O caminho está traçado. A marcha
começou. A luta pela terra chegou em São Gabriel. Conhecem Canudos,
Contestado, Corumbiara e Carajás. Sabem que a morte não pára a luta.
Infelizmente a morte é parte dessa longa e lenta história do Brasil.
Que o(s) autor(es) desse panfleto seja(m) preso(s). Que a paz seja
mantida. Que os latifúndios sejam desapropriados. Que a dignidade
humana seja resgatada.
MST Informa
Ano II - nº 42 sexta-feira, 27 de junho de 2003
Ano II - nº 42 sexta-feira, 27 de junho de 2003
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