Beatificação de Dom Romero?
15/05/2007
- Opinión
A mídia burguesa, parcial e interesseira, como era de se esperar, deu destaque especial às críticas levantadas por Bento XVI à teologia da libertação, enquanto voava em direção ao Brasil. No entanto, não foi capaz de noticiar com igual ênfase a menção do Papa ao Arcebispo Mártir de San Salvador, El Salvador, Dom Oscar Arnulfo Romero (cf. http://noticias. terra.com. br/brasil/ visitadopapa/ interna/0, ,OI1613746- EI8325,00. html), assassinado em 1980, por forças de ultradireita interessadas em conter o avanço do processo revolucionário salvadorenho, desencadeado pela FMLN (Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional), e impedir que se seguisse, aí, o “mau exemplo” da Nicarágua Sandinista que acabava de triunfar.
Um processo de canonização de Dom Romero fora aberto em San Salvador, em 1994 e, em 1997, repassado à Congregação para a Causa dos Santos, em Roma, tendo sido, aí, paralisado.
Na alusão a Dom Romero, Bento XVI ressalta que “não se pode negar que tenha sido uma grande testemunha da fé e das virtudes cristãs, comprometido com a paz e contra a ditadura”. Além disso, “ele foi assassinado durante a consagração e, portanto, se trata de uma morte que serve como prova de fé”.
É mais do que evidente que, em contexto latino-americano, este é um detalhe que faz a diferença. Romero é símbolo da conjugação de inúmeros fatores que traçam o perfil do verdadeiro discípulo e discípula de Jesus na América Latina. Entre eles, a conversão ao evangelho dos pobres e aos pobres do evangelho; o caminhar no meio do povo simples e ameaçado, partilhando da mesma sorte dos oprimidos; a defesa incondicional dos direitos dos mais fracos e da vida perseguida e ameaçada; a opção pela justiça como única arma que poderá vencer as desigualdades e construir a paz; o amor autenticamente cristão que, levado às últimas conseqüências, se traduz em doação e entrega total e generosa da vida, como Cristo, pela libertação do povo...
Todas essas virtudes genuinamente evangélicas fazem de Dom Romero modelo de Pastor e Profeta para seu povo sofrido, e para todos os povos da América Latina e do Caribe. Sua ação evangelizadora e pastoral estava voltada para reconciliar e pacificar os salvadorenhos no amor e na justiça. Sua postura crítica era faca de dois gumes que questionava duramente tanto a conivência do governo, marionete das ingerências estrangeiras, como as práticas equivocadas de grupos pseudo-revolucionários.
No compromisso empenhado pela libertação do povo salvadorenho, suas proféticas palavras não ficam a dever, em nada, à profecia de corte bíblico: “Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. Estas foram as últimas palavras que a pequena grande nação salvadorenha ouviu de seu Pastor e Profeta que, no dia seguinte, se tornaria Mártir da Igreja dos Pobres.
Na celebração eucarística que presidia, no dia “24 de março e de agonia”, como que, já preparado, querendo preparar também os que o ouviam para o que aconteceria, Dom Romero atualiza a memória do Senhor da Vida e da Morte: “Neste cálice o vinho se torna sangue, que foi o preço da salvação. Possa este sacrifício de Cristo nos dar a coragem de oferecer nosso corpo e nosso sangue pela justiça e pela paz do povo”... Pouco depois, soaria o disparo fatal.
No dia 29, um grupo de bispos latino-americanos, presente para os funerais, redigiu e assinou um documento que é testemunho histórico da santidade do novo Mártir: “Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar A. Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade (...). Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça (...). Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados”...
Em consonância com a sadia tradição cristã, está aquela convicção que rezamos, inclusive na V Oração Eucarística proposta para o Congresso de Manaus: “santos são aqueles que sabem amar Cristo e seus irmãos”. Com seu testemunho de vida e de morte a serviço do Reino e dos Pobres, Dom Oscar Romero tornou-se naturalmente Santo. Esquecido e até escondido por setores da sociedade e da Igreja que defendem os mesmos interesses da mídia burguesa e elitista, Dom Romero continuou a ser venerado nos altares do seu Povo, de El Salvador, da América Central, da América Latina como o Santo dos Pobres das Causas Latino-americanas!
Por isso, acolhemos com grande alegria esta feliz referência de Bento XVI à pessoa de Dom Romero e à sua eventual beatificação que, mais do que reparação à Igreja da América Latina, é resgate da esperança e da vida dos Pobres do Continente que, sobrevivendo à exclusão e morte impostas, hoje, pelo capitalismo neoliberal, continuam ouvindo e seguindo confiantes, a voz do seu Pastor, Profeta, Mártir e Santo: “Se me matam, ressuscitarei na luta do meu povo”.
- Carlos C. Santos é Presbítero e assessor das CEBs da Arquidiocese de Juiz de Fora.
Um processo de canonização de Dom Romero fora aberto em San Salvador, em 1994 e, em 1997, repassado à Congregação para a Causa dos Santos, em Roma, tendo sido, aí, paralisado.
Na alusão a Dom Romero, Bento XVI ressalta que “não se pode negar que tenha sido uma grande testemunha da fé e das virtudes cristãs, comprometido com a paz e contra a ditadura”. Além disso, “ele foi assassinado durante a consagração e, portanto, se trata de uma morte que serve como prova de fé”.
É mais do que evidente que, em contexto latino-americano, este é um detalhe que faz a diferença. Romero é símbolo da conjugação de inúmeros fatores que traçam o perfil do verdadeiro discípulo e discípula de Jesus na América Latina. Entre eles, a conversão ao evangelho dos pobres e aos pobres do evangelho; o caminhar no meio do povo simples e ameaçado, partilhando da mesma sorte dos oprimidos; a defesa incondicional dos direitos dos mais fracos e da vida perseguida e ameaçada; a opção pela justiça como única arma que poderá vencer as desigualdades e construir a paz; o amor autenticamente cristão que, levado às últimas conseqüências, se traduz em doação e entrega total e generosa da vida, como Cristo, pela libertação do povo...
Todas essas virtudes genuinamente evangélicas fazem de Dom Romero modelo de Pastor e Profeta para seu povo sofrido, e para todos os povos da América Latina e do Caribe. Sua ação evangelizadora e pastoral estava voltada para reconciliar e pacificar os salvadorenhos no amor e na justiça. Sua postura crítica era faca de dois gumes que questionava duramente tanto a conivência do governo, marionete das ingerências estrangeiras, como as práticas equivocadas de grupos pseudo-revolucionários.
No compromisso empenhado pela libertação do povo salvadorenho, suas proféticas palavras não ficam a dever, em nada, à profecia de corte bíblico: “Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. Estas foram as últimas palavras que a pequena grande nação salvadorenha ouviu de seu Pastor e Profeta que, no dia seguinte, se tornaria Mártir da Igreja dos Pobres.
Na celebração eucarística que presidia, no dia “24 de março e de agonia”, como que, já preparado, querendo preparar também os que o ouviam para o que aconteceria, Dom Romero atualiza a memória do Senhor da Vida e da Morte: “Neste cálice o vinho se torna sangue, que foi o preço da salvação. Possa este sacrifício de Cristo nos dar a coragem de oferecer nosso corpo e nosso sangue pela justiça e pela paz do povo”... Pouco depois, soaria o disparo fatal.
No dia 29, um grupo de bispos latino-americanos, presente para os funerais, redigiu e assinou um documento que é testemunho histórico da santidade do novo Mártir: “Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar A. Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade (...). Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça (...). Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados”...
Em consonância com a sadia tradição cristã, está aquela convicção que rezamos, inclusive na V Oração Eucarística proposta para o Congresso de Manaus: “santos são aqueles que sabem amar Cristo e seus irmãos”. Com seu testemunho de vida e de morte a serviço do Reino e dos Pobres, Dom Oscar Romero tornou-se naturalmente Santo. Esquecido e até escondido por setores da sociedade e da Igreja que defendem os mesmos interesses da mídia burguesa e elitista, Dom Romero continuou a ser venerado nos altares do seu Povo, de El Salvador, da América Central, da América Latina como o Santo dos Pobres das Causas Latino-americanas!
Por isso, acolhemos com grande alegria esta feliz referência de Bento XVI à pessoa de Dom Romero e à sua eventual beatificação que, mais do que reparação à Igreja da América Latina, é resgate da esperança e da vida dos Pobres do Continente que, sobrevivendo à exclusão e morte impostas, hoje, pelo capitalismo neoliberal, continuam ouvindo e seguindo confiantes, a voz do seu Pastor, Profeta, Mártir e Santo: “Se me matam, ressuscitarei na luta do meu povo”.
- Carlos C. Santos é Presbítero e assessor das CEBs da Arquidiocese de Juiz de Fora.
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