O acesso à água: entre a privatização e a solidariedade
01/07/2010
- Opinión
Muitos são os desafios do povo haitiano na tarefa de reconstrução do país após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010 que vitimou mais de 300 mil pessoas e desabrigou outras 1,5 milhão. No entanto, uma das demandas mais emergenciais – e que já dificultava a vida de milhões de haitianos bem antes do terremoto – é a do acesso à água limpa.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), um em cada dois haitianos não tem acesso à água potável. Se somarmos isso ao fato de que apenas 19% da população têm acesso ao sistema de saneamento básico, e que esses dados não contabilizam os danos da catástrofe de 12 de Janeiro, podemos perceber a gravidade e centralidade da questão da água no panorama atual do país.
Enquanto algumas multinacionais propõem como saída para esse dilema a privatização da água, transformando-a cada vez mais em mera mercadoria – a Nestlé, por exemplo, colocou em circulação cerca de 1 milhão de dólares em garrafas de água no país após o terremoto – há os que buscam outras formas de solidariedade. Os movimentos sociais que compõem a Via Campesina Brasil, por exemplo, estão compartindo com os camponeses haitianos as experiências e técnicas de captação da água da chuva.
Com índices pluviométricos anuais que variam de 500mm nas regiões mais áridas a 2.500mm nas montanhas, o Haiti possui um média anual de incidência de chuvas semelhantes a algumas das regiões mais úmidas no Brasil. De fato, não falta água no Haiti, o que falta é um melhor aproveitamento da que já existe. Diante disso, a técnica de captação de água da chuva através de cisternas e seu posterior reaproveitamento tanto para uso humano como para atividades produtivas agropecuárias se configura como uma das soluções mais viáveis para o problema do acesso à água limpa no país.
Uma troca de experiências nessa área já está em curso há alguns anos entre movimentos camponeses haitianos e brasileiros. A ida de técnicos brasileiros ao Haiti e a visita de camponeses e lideranças haitianas ao Brasil vêm alastrando e divulgando as diversas técnicas de construção e utilização de cisternas. Entretanto, após o terremoto de 12 de Janeiro, tornou-se necessária intensificar e incrementar essa troca.
Por esse motivo, uma parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza do Governo da Bahia, a Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Ministério de Relações Exteriores e a Via Campesina Brasil está proporcionando a entrega de 1.284 cisternas emergências de polietileno às famílias camponesas haitianas.
Este tipo de especial de cisterna, com capacidade para armazenar até 8 mil litros de água, por ser feita de material mais flexível e financeiramente mais acessível é o mais indicado para atender as necessidades emergenciais dos camponeses e camponesas haitianos.
Estas 1.284 cisternas desembarcaram em solo haitiano no dia 10 de Junho de 2010 e através da ação da Brigada da Via Campesina Brasil no Haiti e os movimentos camponeses haitianos já começaram a ser distribuídas e instaladas em diversas regiões do país. Comunidades camponesas nos departamentos Norte, Noroeste, Nordeste, Latibonit, Central, Oeste, Sudeste, Nippes e Grandanse já receberam as cisternas. O passo atual é o da formação técnica e política, para que as comunidades beneficiadas possam não só instalar as cisternas em suas casas, como também compreender os entraves e desafios que a problemática do acesso à água enfrenta no Haiti e no mundo. Esta formação já está em curso, organizada pelos movimentos camponeses haitianos e a Brigada da Via Campesina Brasil no Haiti.
As primeiras cisternas já foram instaladas. A perspectiva é que para o próximo período 30 mil cisternas sejam enviadas ao Haiti. Um exemplo concreto de solidariedade entre os povos, que não precisa nem de armas nem de lucros para se efetivar.
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Thalles Gomes Ti Rivye Latibonit/Haiti
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